sábado, 30 de novembro de 2013

O amor das pedras cinzentas...

foto de: A&M ART and Photos

Ofereceu a bala inseminada com as impressões digitais do poema em construção, poisou os cotovelos sobre a iluminada folha de papel com meia dúzia de palavras, leu e releu e puxou o gatilho da caneta de tinta permanente sobre a secretária em pinho, voaram sobre a biblioteca todas as gaivotas de porcelana que permaneciam entre os livros e outras bugigangas, aos poucos, como silêncios de um pêndulo cansado, foram cessando as agonias do homem poeta da caneta de prata, uma bala silenciada adormecia-se como flores numa jarra, dentro dele apenas se ouviam as esquina de luz do espelho prateado,
A saudade submergiu do corpo caído sobre a secretária, ouvias as minhas preces como quem escreve um livro infinito, uma estória que só termina quando duas rectas tristes e sós se encontram
No infinito,
Dizem-me, eles,
A saudade é filha da balda da caneta de prata, as palavras morreram como morreram os teus sorrisos e como morreram as tuas caricias e como morreram as tuas mãos sobre o meu peito em feitiço... e como morreram
Quem quem morreu?
Como morreram os fantasmas dos roseirais de Luanda, e há uma filme escondido nas paredes de um casebre, na parede traseira uma placa com a inscrição de “FIM” aparece
Desaparece
E morreram os teus lábios nos meus lábios quando entrelaçados nos meus cabelos as lições de piano, o som melódico das teclas borbulham nos alicerces da madrugada, ofereceu a bala e suicidou-se com a caneta de prata
Sentia o cheiro intenso da tinta derramada nas alvenarias como desenhos abstractos que os teus olhos inventaram nas prateleiras velhas, nas prateleiras caducas, morreram os teu seios nos meus lábios, morreram as tuas cintilantes pálpebras nos cadeados de estanho, e ouvia-te das lágrimas os aplausos nas cantigas dos rabugentos e enferrujados barcos,
O aço é um corpo só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim
Quem quem morreu?
A bala, procuravam em mim a caneta de prata o suicídio fictício das palavras,
Quem quem morreu?
A bala, procuravam em mim as sombras desnorteadas das tardes de Segunda-feira, e eu, eu sabia-o, admitia-o... que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu silêncio, um dia, tu, eu, que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu sofrimento de lírio apaixonado, deitado sobre a secretária da
Saudade?
Que morreram as tuas peugadas absorvidas pelo meu pesadíssimo corpo em aço, só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim
Quem quem morreu?
A saudade,
(só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim)
Quem quem morreu?
Quem quem morreu?
O amor das pedras cinzentas...
FIM.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 30 de Novembro de 2013

cigarros embalsamados

foto de: A&M ART and Photos

salivas-me as serpentes de fogo do relógio nocturno da escuridão
havíamos construído o pêndulo do desejo
que ficou no centro do vulcão teu beijo
às derramadas sílabas que a paixão enfurece
emagrece a montanha branca das ribeiras desertas
abraças-me em longos ramos de cetim
que escondem as janelas do quadriculado caderno das madrugadas embainhadas nos pulmões das aranhas de silício castanho
salivas-me as velhas cinzas dos cigarros embalsamados
e sinto-lhes o cheiro dos esqueletos de palha quando mergulham no rio dos Luares apaixonados
uma gaivota poisa nos teus seios de cartão
e sinto-te prisioneira das amarras vagabundas nas ruelas envergonhadas
salivas-me e deixo de ouvir os teus brincos telintarem nas lâminas dos veados negros
uivam os lobos do teu orgasmo
entre geadas e plumas num bar desgovernado quando me salivas as palavras prometidas então...
a púmice enrola-se nos sabres de luz teu corpo de orvalho
a alvorada estrelar das amêndoas com chocolate derretem-se nos teus lábios que me salivam as vozes íngremes desvairadas que o Inverno inventa nas lareiras do orgulho
tenho medo de ti
como sempre o tive quando vinham na minha direcção os eléctricos e as marés de sémen dos homens apátridas que a tempestade recriou no cenário da vaidade
sinto-lhes o cheiro a vodka quando atracam nos meus ombros sombreados
e pareço um transeunte mendigo de fotografia na lapela
um doente mental diplomado
descendo e subindo
escadas corpos medos
e salivas-me como se eu fosse uma rosa encarnada a envelhecer numa jarra falseada...



(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 30 de Novembro de 2013

um homem sem versos

foto de: A&M ART and Photos

a alegria doirada das gaiolas de silício
permaneço intacto dentro deste amargo cubículo
invento amores como a tempestade desenha ventos nas paredes do silêncio
e espera-me o sacrifício da solidão
entre quatro velhas paredes caquécticas
reumáticas
envelhecidas meninas
como serpentes diabólicas nas algibeiras da madrugada
sou teu cumplicie
sou teu... amante desembargado dos tristes alicerces nocturnos em meandros pronomes...
sou um texto sem alma sem coração sem palavras lindas como teus lábios malignos dos solstícios envergonhados

sou uma palavra não escrita
sou um buraco negro esquecido no frio Universo
um buraco de minhoca
um homem sem versos

sou uma paixão envergonhada
alvorada como a alegria doirada das gaiolas de silício
um cordel voando sobre os telhados do desejo
um papagaio entranhado nos teus seios...
a alegria perde-se nas profundezas ranhuras do púbis em delírio...
sou uma paixão
um livro sem palavras
um homem sem versos
reumáticas
envelhecidas meninas
como serpentes diabólicas nas algibeiras da madrugada
sou teu cumplicie

não sou nada.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 30 de Novembro de 2013

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

as oito esquinas do medo

foto de: A&M ART and Photos

deixarei de pertencer aos teus olhos
e vagamente... deixarei nas tuas nuvens de algodão o cigarro fantasma
deixarei de adormecer nos teus cabelos como o fazia antes das madrugadas serpenteadas
nas oito esquinas do medo
ouvirei perfeitamente as tuas mágoas...
terei o leve cuidado de acariciar os teus lábios
e
deixarei de voar nas tuas lágrimas de maré embriagada
e vagamente transformar-me-ei na cinza do teu imaginário cinzeiro
haverá uma janela engomada
com cortinados de fumo
e haverá... uma língua endiabrada pernoitando no meu angustiado peito

servirei de teu mordomo devidamente fardado
andarei pelos corredores da tua imaginação levitando sem tocar nos objectos de adorno
sentirás dentro de ti o meu vagabundo corpo
e nada conseguirás fazer para cessarem os teus sinceros gemidos
baterá o vento levemente nas ardósias dos tentáculos pinheiros de Carvalhais
ouviremos o sino engasgado nas sílabas das searas de milho
deitar-te-ás dentro do espigueiro...
e o teu ventre correrá em círculos na eira granítica do desassossego
amar-te-ei?
mesmo sabendo tu que sou um espantalho de aldeia
onde poisam os pássaros
e cagam os pássaros... sobre mim

sobre nós
deixarei os livros cansados das minhas mãos
dos meus olhos
às palavras... às palavras vou derramar-lhes o fogo do silêncio
embrulhado em pergaminhos sonos
e verei transversalmente o meu esqueleto no patamar da morte
ouvirei os teus casmurros beijos
como sentirei em mim os teus deleitados dedos
sujos
imundos...
transbordando sémen como caravelas esquecidas no Oceano dos vidros solitários...
e acabarei por pertencer aos ramos caducos do Outono


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 29 de Novembro de 2013

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O beijo esquecido das gaivotas em cio


Aquele beijo que ficou esquecido sobre a mesa-de-cabeceira, aquele sorriso impregnado na vidraça estilhaçada da janela com fotografia para o quelho, aquele abraço perdido dentro dos cobertores da inocência, aquele beijo, aqueles teus lábios em pétalas que o desejo sobejou das tardes perdidas, aqueles livros poeirentos abandonados na estante do corredor, aquele teu alicerçado seio sobre a minha solidão, claro... imortal na cama em tardes de neblina, imortal no jardim dos clandestinos Domingos...
Sábados à tarde,
Sexta-feira à noite,
Aquele beijo, aquela melodia adormecida sobre os abajures da melancolia, aquele dia com palavras de luar, aquela madrugada com talheres em prata, e corpos, corpos de nata...
E ouvíamos o beijo esquecido das gaivotas em cio, e ouvíamos os tristes carris da liberdade mergulharem nas montanhas de papel como lagartas e outros bichos, coitados
Procurando,
Coitados...
Caminhando..., o beijo esquecido das gaivotas em cio, procurando as cinzas do casebre abandonado depois de partirem todas as árvores do destino que acompanhavam as alegres palavras comedidas pelas mãos de giz... aquele divã onde te deitavas, e eu, eu sobre ti entranhava-me nos teus gemidos invisíveis dos xistos borboletas em voos de andorinha, coitados...
De nós...
Deles...
O beijo esquecido das gaivotas em cio, o barco apodrecido no cais que alguém pintou nas paredes do velho bar de marujo embriagado, dizes-me que não, e eu, eu sinto-me dentro de ti como se eu fosse o teu feto indesejado, aquele que não queres, nunca quiseste... a gaivota dilacerada nas velhas nuvens de oiro... imortal no jardim dos clandestinos
Domingos...
Sábados à tarde,
Sexta-feira à noite,


(….........)
@Francisco Luís Fontinha - Alijó

seara negra

foto de: A&M ART and Photos

serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade
de pêndulo suspenso na alvorada
dá-lhe corda
fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...
há um leve apito de um novo marinheiro
o cachimbo geosmina como serpentinas voando sobre os candeeiros da saudade
o velho relojoeiro engata uma nova carvoeira
decidem os dois romperem os lençóis do desejo quando os segundos ficam suspensos nas ardósias tardes de literatura
há uma cama estonteante com tonturas e pequenos enjoos...
coisa de loucos

drogas dizem logo os transeuntes da rua dos abismos...
cansaço... sussurra o Psiquiatra Manel...

o homem do homem esconde-se nas ventosas térreas das searas negras
o velho relojoeiro dá a sua mão milagrosa à menina acabada de engatar
ouvem-se as sílabas castanhas borbulhando sobre uma prata de alumínio
chovem as lágrimas da menina engatada
se é a carvoeira ou a mendiga empregada da livraria... eu não o sei...
o homem chove
desculpem... os homens não chovem
choram
não choram
se fodem ou não fodem...
o silêncio sabe-o como sabe o cinzento eléctrico das noites que ejaculam migalhas de pão
sobre uma mesa... uma mesa sem vaidade

uma mesa sem...
sentido
pratos
húmidas abstractas colectâneas
toalhas bordadas...
comida pouca
serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade?

uma mesa vestida de eléctrico palmilhando medos
voando sobre a cidade das searas negras
parte de Cais do Sodré e adormece sobre a lápide encarnada do cemitério da Ajuda
não...
não AJUDA nada
pertenceres aos mosquitos de prata que brincam nos relógios de cacimbo
procurando a menina engatada pelo velho relojoeiro
carvoeiro... ejaculam
toalhas bordadas...
comida pouca
serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade?

- que horas tens meu querido?

uma mesa sem...
sentido
pratos
húmidas abstractas colectâneas
toalhas bordadas...

… fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013

telhados de zimbro

foto de: A&M ART and Photos

Conheço-te como antes pertencias aos endereços indefinidos dos mórbidos edifícios de fachada apodrecida, tinhas velas na cabeça, panos distintos bordados por donzelas meninas de dedal encarnado, vivíamos escondidos nas palavras empobrecidas dos cansaços dias, éramos felizes, e tínhamos dentro de nós as roldanas sobejantes das angustiantes vertigens dos serões de prata, vestias-te de bronzeado loiro como palavras embebidas no cinzento alvor dos antigos combatentes que as ruas desordenadas vomitavam antes de acordar a madrugada,
Sinto-te triste, infeliz,
Distantes
Ancorado aos infinitos orgasmos das planícies de areia,
(maldito cancro que te come como um vampiro ensanguentado nas sílabas tristes dos homens que choram depois do rio se esconder nos arbustos das alegres soalheiras horas de sol, havia em nós palavras impropriáveis, palavras proibidas, palavras inconfessáveis... palavras da merda que tu e eu... fazemos de conta não existirem...)
Sinto-te triste, infeliz,
Distantes
Como?
Alimentos, algerozes empobrecidos caindo dos telhados de zimbro que tu engoles antes de saíres de casa, havia neblina nos teus olhos, havia cacimbo nos teus ossos... havia
Distantes?
Os desenhos meus na tua face oculta, amargurada, como?
Percebendo que as estrelas são pedaços de papel...
Desistires?
Percebendo que o Sol é uma lanterna mágica, um cinzento vidro com olhos verdes, e cabelo castanho, vestias calões e sandálias em couro maciço, habitavas em mim como habitavam em ti os mabecos desgostosos das sanzalas de cetim que a madrugada construía...
Desgostosos?
Os desenhos meus na tua face oculta, amargurada, como?
Percebendo que as estrelas são pedaços de papel...
Que sofres e adormentas as tuas mágoas nos cacifos metálicos do recreio da escola, partia os vidros com vista para azeitona verdejantes do silêncio dos peixes, tínhamos duas vagueantes ruas com algibeira de alicerce prateado, contávamos as poucas moedas da manhã sem pudor...
E o teu corpo
E o meu corpo
Tinham manchas de bolor como as paredes do duzentos e dezasseis... como fendas e brechas, frestas... coloridas mãos que se masturbavam nos teus seios... maldito cancro que te come como um vampiro ensanguentado nas sílabas tristes dos homens que choram depois do rio se esconder nos arbustos das alegres soalheiras horas de sol, havia em nós palavras impropriáveis, palavras proibidas, palavras inconfessáveis... palavras da merda que tu e eu... fazemos de conta não existirem...


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

corpo em porcelana marginal...

foto de: A&M ART and Photos

permaneces intacta como uma imagem sedentária na mão do homem com o chapéu negro
finges sorrisos camuflados nos orgasmos flutuantes do fumo em suspense
o cigarro dilacera-se e adormece na mão do homem com o chapéu negro
e imaginas-te
em liberdade sobre a cidade em chamas que o desejo desenha no teu corpo em porcelana marginal...
sentes-te uma pomba abandonada?
uma gaivota traída por um petroleiro de fino estanho suspenso na tua varanda imaginária?
ou... serás a serpente do medo que brinca dentro do quarto onde se esconde o homem com o chapéu negro e suicida-se na corda do fumo invisível que atravessa o cortinado do sexo pelo sexo...
uma janela insemina-se e dizes-me que nas árvores do quintal do nosso antigo vizinho
lembras-te? aquele que construía sonhos com pedacinhos em papel...
habitam mangas embalsamadas.... e ouvem-se as lágrimas do esqueleto de cheiros quando regressa a chuva

(e daí
vêm a nós os sorrisos das cansadas madrugadas como engrenagens cinemáticas dentro de um álbum de capa dura...)

oiço os teu cigarros no ridículo silêncio da tempestade de cimento a que chamas de pavimento dos silêncios minguados quando mergulham em ti as sílabas dos tentáculos da dor
oiço as delícias do mar dentro da tua sandes...
sonoros corações de manteiga despendem-se do solidificado amor das tardes em amoreiras de vidro emagrecido e a paixão enaltece o significado da palavra... “despedido”
um dia serás como a morfina
curarás o meu sofrimento
e farás parte do meu cadáver de madeira enquanto a noite vaguear junto aos arrais embriagados...
suspiras
e finges... ais
e alimentas-te dos versos meus
meus... como pedras sobre a cidade fingida dos uis...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 27 de Novembro de 2013

terça-feira, 26 de novembro de 2013

prisioneiro covarde

foto de: A&M ART and Photos

(sou um prisioneiro covarde
sem vontade de fugir
sem vida para viver)

sou um pergaminho pássaro que arde na lareira dos sonhos
um prisioneiro covarde
sem vontade
navegando sobre os carris invisíveis da cidade
invento madrugadas
invento sandes de realidade
e algibeiras vazias
sem nada
sou um prisioneiro ambulante
uma roulote desgovernada
em direcção ao mar
em direcção... ao nada

sou uma ponte quebrada
uma puta abandonada

(sou uma tenda de circo
com palhaços
eu... eu disfarçado de gaja
servindo chocolates com amendoins...)

sou um prisioneiro pregado às janelas do inferno
viajo de árvore em árvore
de vão em vão
de cigarro
ao cigarro
sem cigarros
subo as escadas sem corrimão
chego ao sótão
estás tu mergulhada no espelho corneando o cinzeiro de prata
desço
desço às sanzalas de lata
e não consigo derreter as amarras

(sou um prisioneiro covarde
sem vontade de fugir
sem vida para viver)

sou o alimento dos alimentos
os pólens insaturados dos guindastes que dormem no porto de Luanda
embarco
desembarco
desço
e subo ao sótão dos corneados cinzeiros de prata
abro o postigo com fotografia para a ribeira da tristeza
nua
a beleza alegria correndo como sandálias de gelatinosas geadas de vidro...
e eu fingindo amores supérfluos num cadeado de madeira
e o macaco da vizinha a comer as minhas amêndoas
e eu... eu um prisioneiro covarde sem vontade de partir...

chorando subtilezas e pedaços de papel celofane...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 26 de Novembro de 2013

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

pálpebras de cereja

foto de: A&M ART and Photos

apetece-te recortar os sobejantes pedacinhos de tecidos que a vida nos deixou
insistes e desistes
hesitas
recomeças vagueando sobre a sala de jantar com a tesoura da solidão em riste
embrulha-la cuidadosamente nas sombras inquinadas dos desenhos sem tecto
e nas paredes vãs dos teus olhos de avelã...
simples teias de aranha esperando o sopro do teu sorriso
um pequeno movimento transatlântico descai e avança contra as âncoras do desejo
sinto-te mergulhar nas clandestinas veias dos cadáveres cerâmicos da desajeitada cozinha...
apetece-te recortar-me porque imaginas-me como um pedacinho de tecido
negro
com pálpebras de cereja

hesitas
insistes e desistes
recomeças vagueando nas estrelas cansaços dos divãs de xisto
desces socalcos
sobes penedos envenenados com os teus lábios de sabor adocicado...
voltas a descer e hesitas
insistes e desistes
acordas cedo quando ainda dormem todos os medos que a madrugada inventa
às vezes pareces um candeeiro à minha espera
no fundo das escadas
aproveitas o vão da insónia
para recordares os beijos molhados das húmidas noites de navegação interstelar...

vadio sinónimo de mim quando gritas o meu nome
apetece-te recortar-me como o fizeste aos sobejantes pedacinhos de tecidos que a vida nos deixou
hesitas
insistes e desistes
gritas
gritas
gemes como ravinas infestadas de ratazanas coloridas
um pelotão de fuzilamento vem direito a nós
tu... eu...
hesitamos
gritamos
fingimos que somos filhos do mar

… e morremos...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 25 de Novembro de 2013

domingo, 24 de novembro de 2013

a cidade dos cães

foto de: A&M ART and Photos

sentia-me perdido dentro da cidade dos cães
ouvíamos os sofridos mendigos de prata
tactearem as paredes dos abandonados barcos de papel
sentia-me esquecido no teu corpo de porcelana
envidraçado e comido como os ossos do esqueleto negro
depois de partir o luar
sentia-me nos latidos embebidos nas palavras que jaziam no cobertor da lareira
e sobre a mesa
a tua fotografia parecendo uma montanha
um penedo monstruoso vagueando sobre as pedras ao aço envergonhado
de que se fazem estátuas
e homens com corpo musculado

(e sussurras-me à ardósia tarde que sou uma tábua que sobejou do caixão das merendas quando o cais abraçava comestíveis corações em molho de solidão
sentia-me parvamente só
como se devem sentir os restantes barcos da família dos pássaros
releio e leio e sinto
dentro de mim
“O Cais das Merendas”
e sentia-me embriagado com os cheiros das letras em flor)
[“O Cais das Merendas” de Lídia Jorge]

sentia-me perdido dentro dos contentores amovíveis dos sonhos nocturnos
tínhamos acabado de descobri os beijos e o perfume dos Plátanos do jardim
(em Alijó também há Plátanos)
bancos em madeira vagueavam na Baía e de longe regressavam as perdizes cinzentas
das imagens a preto-e-branco que o esqueleto negro trazia na lapela
sentia-me só na cidade dos cães
e percebia os vómitos angustiantes das canções que saltitavam num bar da rua das andorinhas
havia meninas
e livros disfarçados de meninas
e meninas comendo livros e livros
como as tuas palavras...
zangadas com o presente
procurando o inferno passado dos caixotes sonolentos

[não sei quem sou e como sou e tudo começou quando eu me sentia perdido na cidade dos cães]


(não revisto)
Domingo, 24 de Novembro de 2013
Francisco Luís Fontinha – Alijó

o sábio preguiçoso

foto de: A&M ART and Photos

voas como sábios preguiçosos
dormes como dormem as estrelas da paixão
voas sobre as lápides de chocolate
como palavras perdidas no jardim dos bosques sem luar...
sei que que me ouves depois de todas as janelas se esconderem nos alicerces do amor
sei que de mim nada pertence aos arbustos de Belém
voas como sandálias nas praias de Luanda
pedíamos um beijo
e ofereciam-nos mangas com paisagens imaginárias
invisíveis
tristes às vezes
como o eram as tuas mãos que poisavam no meu rosto

voas em mim sem o saberes
que eu te pertenço
que eu... te amo
voas sobre as fotografias tuas
em pedaços de papel pregados nas frestas da dor
(voas como sábios preguiçosos
dormes como dormem as estrelas da paixão
voas sobre as lápides de chocolate)

voas como suspiros envenenados pelos orgasmos do pólen em decomposição
voas como um cadáver suspenso no cordel de um papagaio de papel
voas como voava a criança que brincava debaixo das bananeiras...
rodopiavam as rodas do velho triciclo no cimento nocturno dos mabecos em flor
e sorrias
e sentias
o vento das asas que hoje habitam em ti
voas
voas como um sobrevivente sábio preguiçoso
que tem medo das ruas com vidros de prata
que... tem medo da vida
a vida em telhado chapa...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 24 de Novembro de 2013

Participação de Francisco Luís Fontinha na Logos nº5/Novembro de 2013



sábado, 23 de novembro de 2013

A máscara de vidro

foto de: A&M ART and Photos

Começávamos a alimentar, primeiro os porcos e as galinhas, depois eles, e nós, quase sempre, os últimos da ninhada, nunca chegava, parecia-nos pouco, ou nada, sentávamos-nos sobre o tanque do terreiro e olhávamos o silêncio repatriado das papoilas navegantes das caravelas em bolor, sentíamos a ondulação da tristeza a entranhar-se-nos como facas de um velho faquir no tronco da velha árvore do recreio,
Recordas-te ainda dos arvoredos infelizes que dormiam em nossa casa?
O velho faquir tinha uma mulher que costumava aparecer junto a nós, sempre de branco, talvez porque ela apenas vivia de noite, porque ela era filha da noite, poderia eu perguntar-me se ela era a minha mãe, pois eu
Adoro viver de noite, queria ser a noite sem interrupções, lanternas mágicas ou... cortinados com estampados de verniz e cansados nos arames verticais das ruas entupidas de lixo, mendigos, nós à procura de outros mendigos
O Velho?
As facas gemiam quando entravam na fina casca da madeira e não sabíamos que o velho faquir usava uma máscara de vidro para que ninguém o reconhecesse... ao que parece, ele
Eu sou o filho da mãe noite, eu sou a faca que rompe a madrugada, eu sou a roseira que quando chora
Dela brotam as pequenas gotículas de sangue que a saudade esconde na sombra das mangueiras dos quintais longínquos das esplanadas viradas para o mar, o filho da noite, eu, eu não sabia que existiam eléctricos, não sabia o significado de eléctrico... e dizia ao meu pai que o autocarro da carreira se apelidava de
Machimbombo,
Eu sou o filho da mãe noite, eu sou a faca que rompe a madrugada, eu sou a roseira que quando chora, ouvem-se-lhe os picos em aço inoxidável infestarem a velha árvore do recreio, rompíamos as calças, e usávamos joelheiras em napa para disfarçarmos os tentáculos e húmidos buracos da Primavera,
(começávamos a alimentar, primeiro os porcos e as galinhas, depois eles, e nós, quase sempre, os últimos da ninhada, nunca chegava, parecia-nos pouco, ou nada, sentávamos-nos sobre o tanque do terreiro e olhávamos o silêncio repatriado das papoilas navegantes das caravelas em bolor, sentíamos a ondulação da tristeza a entranhar-se-nos como facas de um velho faquir no tronco da velha árvore do recreio, e não sabíamos que havia dentro de nós uma fina tábua, quase invisível, recheada de prego, e durante a noite, o velho faquir...)
Adormecíamos acreditando que tínhamos o estômago cheiro, estávamos fartos, tão fartos que até inventamos uma sanzala em papel só nossa, a nossa sanzala de papel com pequenos charcos para durante a noite
Chapinávamos nos charcos da sanzala de papel inventada por eles e acreditávamos que éramos felizes assim,
Assim,
Como?
O machimbombo,
A chuinga estremecia-me a dentadura de marfim que tinha partido do jacaré em pau-preto, havia uma imagem que nunca esquecemos, os barcos zangados rompendo pela cidade como animais ferozes e envenenados pelas castanhas ondas que o abismo desenhava em nós, e tu, e eu,
Dormíamos,
Sou teu filho, tu, a noite que me acolhe, alimenta, afaga o cabelo,
Branco?
Não negro,
As roseiras?
Não às bolinhas,
Esqueci-me da cor do meu cabelo, esqueci-me que a minha mãe dorme enquanto eu, eu sonho, e invento palavras para te recordar dentro de uma lápide sem nome, idade, como o poema escrito e deixado sobre a mesa... depois de fazermos amor... voavam os campos de centeio que zumbiam em Carvalhais, olhávamos as espigas do doirado milho...
E não sabíamos que Machimbombo era autocarro da carreira...


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 23 de Novembro de 2013

os triângulos insectos

foto de: A&M ART and Photos

os triângulos insectos que o sofrimento padece
quando lhe pertencem as tuas mãos de andorinha selvagem
os senos inventados dos lábios em engrenagens que à tua boca atracam
e se afundam como serpentes cordas em nylon emagrecido que a madrugada alimenta
os triângulos insectos que se alicerçam ao teu peito
bebíamos pétalas de silêncio em efusão de sílabas desastradas como pedras de calçada...
havíamos roubado todos os barcos naufragados das avenidas embriagadas
entravam em nós marinheiros e meninas de mini-saia doirada com círculos encarnados
pensávamos que era o rosto da lua
mas a lua nunca foi encarnada
mas a lua nunca pertenceu aos barcos envergonhados das avenidas embriagadas...
então?

(os cossenos dos teus seios dentro de tristes equações diferenciais
depois
havíamos roubado todos os barcos naufragados das avenidas embriagadas
e ficávamos com as tangentes do sofrimento que sobejavam das flores do medo...)

então
então pensávamos que o seno hiperbólico da saudade vivia no mesmo quarto que os beijos cansados
dos triângulos insectos em teus cabelos mergulhados na geada cristalina da montanha dos peixes...
então...
então víamos o regresso da paixão em ensonadas linhas paralelas
então...
ouvíamos os uivos grunhidos dos corpos em movimento uniformemente acelerado
parávamos em frente aos telhados de zincos dos guindastes da pobreza...
então...
então percebíamos que as palavras escritas nos quadriculados cadernos...
eram os encarnados círculos disfarçados de cossenos parvos
disfarçados de senos loucos que a trigonometria inventou para nós...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 23 de Novembro de 2013

(serás feliz sem mim?)


entristece-me este poema não escrito
desenhado nas masmorras do teu sofrimento
entristece-me a tua boca construindo suspiros e lágrimas em palavras de pergaminho...
entristece-me a tua voz solicitando um abraço
nos distantes corredores do silêncio
entristece-me a tua solidão abismal dos sótãos embriagados em marinheiros vampiros
entristece-me quando te olho vagueando os rios sobre as pontes de madeira
merecias um sossego comediante
um sorriso
um beijo antes de partir... se vais partir sem te despedires dos azulejos cerâmicos do teu olhar
se vais abandonar as tuas pálpebras de cetim como cortinados da janela dos sonhos...
entristece-me este poema teu não escrito

(serás feliz sem mim?)

entristece-me ver-te entranhado nas gotículas de sémen que os pássaros deixaram nos jardins abandonados
entranhando-se os comboios sonâmbulos das avenidas repatriadas nos montículos de areia doirada
entristece-me os teus olhos malignos
em margaridas ruas repletas de crianças em pinceladas telas do amor apaixonado...
serás feliz sem mim?
entristece-me as cornijas do sono sobre o teu corpo dilacerado
dorido
sofrido
e magoado...
entristece-me quando gritas o meu nome
e não percebo se será a última vez que o fazes...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 23 de Novembro de 2013

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

as pigmentadas palavras...

desenho de: Francisco Luís Fontinha

pigmentas-me as palavras envenenadas pelo teu cansado suor
prometes-me o silêncio das prisões nocturnas do medo
sinto-o a cada milímetro de sofrimento na minha direcção
sei que não conseguirás chorar
sei que finges estar tudo bem
mas eu sinto-o dentro de ti
cada medo teu encalhado no espelho da vida
pegas nos álbuns fotográficos do teu passado
e brincas com as imagens minhas chapinhando canções sem estória numa praia de Luanda
e ouvimos o vento baloiçar nas mangueiras em sombras minguas do quintal sem telhado de vidro...
pertencemos aos pigmentos horários da cinzenta madrugada em pedaços mendigo
como serpentes de areia correndo sobre o cacimbo das algibeiras em flor

sofrerás tu?
pigmentas-me as palavras envenenadas pelo teu cansado suor
e pergunto-me se a solidão é um homem
ou o homem que existe em ti se veste de solidão
traiçoeiro condomínio da saudade
a fome das árvores quando os pássaros perdem a liberdade
e tu nada dizes...
e tu pareces serenamente feliz para sentires os cadeados em arame farpado à volta dos teus desejos como o eras quando atravessavas o rio e sentavas-te do outro lado da fronteira...
sofrerás tu?
olhavas a paisagem imaginária do antigo Congo belga...
e uma criança ainda não nascida... pegava na tua mão e sussurrava-te as pigmentadas palavras...

(envenenadas pelo teu cansado suor)


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 22 de Novembro de 2013

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

os pequenos habitáculos de gelo

foto de: A&M ART and Photos

deixarei de escrever
canso-me das minhas palavras
cansam-me as outras palavras
deixarei de ouvir o sussurro da madrugada
como cortinados embrulhados em pedaços de vento
e silêncios de nada
deixarei de me ouvir
de escrever
das outras palavras
cansam-me as flores quando brotam gotas de sangue
olho-me no gigantesco espelho da vida
e vejo os morcegos das avenidas sem saída

(os pequenos habitáculos de gelo
onde vivem as preguiçosas alvoradas do medo)

os pássaros são extremamente parvos
apaixonam-se facilmente pela Primavera
eu... outro suficientemente parvo
não me apaixono facilmente pela Primavera...
mas...
sou amante da geada
e canso-me das palavras
minhas
e as outras
deixarei de viver
vivendo dentro de uma fotografia a preto-e-branco
como uma janela envidraçada

(os pequenos habitáculos de gelo
onde vivem as preguiçosas alvoradas do medo)

deixarei de ser eu
quando partirem todos os palcos da tristeza em direcção ao mar
saberei reviver os cansaços tantos que me habitam como asseadas pedras de cinco esquinas?
(deixarei de escrever
canso-me das minhas palavras
cansam-me as outras palavras)
acordo e sinto-me um fantasma com plumas e pulseiras de pechisbeque...
sou uma puta contratada pela noite inventada
do espelho envenenado com o cianeto da paixão
sobreposto a mim
um insignificante petroleiro em delírio consumindo-me como uma lareira em ebulição...
e sou um boneco... travestido de morte


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 21 de Novembro de 2013

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

frio gelatinoso

foto de: A&M ART and Photos

o frio gelatinoso dos teus ossos de prata
quando se engrenavam no meu cansado esqueleto de lata
mórbido papel onde jaziam as alegres palavras da madrugada
tínhamos na mão o peso desmesurado da geada clandestina
que o relógio de pulso escrevia na alvorada
as sílabas envergonhadas da musa menina
o frio entranhava-se nos oleosos cobertores de menta
e havia sobre a mesa-de-cabeceira um livro cadáver com sabor a pimenta
a madrugada das palavras congelava como congelam as hélices dos cucos de porcelana...
havia mendigos à procura de uma cama
e tu desproporcionada
envergonhavas as gotículas suicidadas
que a tarde construía nos lençóis de pura virgem lã... doces línguas de desejo
(o frio gelatinoso das engasgadas bocas com flores de lábios charlatães
fundiam como chumbo no cacifo do corredor antes de acordar o pôr-do-sol)
o frio gelatinoso das mãos diurnas aquecem os dedos da palavra apaixonada
vagabundas pernas de aço descendo as calçadas
e no entanto... tínhamos um piano em sexo embrulhado no silêncio beijo


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 20 de Novembro de 2013

despedidas

foto de: A&M ART and Photos

apetece-me a chuva embrulhada em manhãs de neblina
ouvir os uivos sons das flores em harmonia
cantar os silêncios melódicos da insónia sinfonia
apetece-me ser a nuvem madrugada
a geada
noite dilacerada em papel transparente com pálpebras de vidro
apetece-me escrever no teu corpo versos loucos com olhos Margarida
e nos cadernos encornados das árvores embriagadas
abraçar-me as caravelas despedidas
loucas vãs noites de luar adormecido quando a alvorada desfalece
desiste de beijar as janelas de vidro fosco
há sombras dentro de ti e há palavras loucas dentro de mim...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 20 de Novembro de 2013

terça-feira, 19 de novembro de 2013

a sanzala dos grilos...

foto de: A&M ART and Photos

Tínhamos um espelho chamado Fantasia, dormia connosco e das poucas vezes que lhe ouvimos um sussurro ou um desabafo... ou uma palavra
Cansaço,
Tínhamos uma janela virada para o rio, do nosso quarto apenas conseguíamos ver um dos braços do rio, e ao de leve... uns finíssimos dedos em algas masturbadas como linhas paralelas, confundíamos os finos dedos como linhas paralelas com os tristes carris de regresso a casa, dormitávamos, sonhávamos e acordávamos, e quase durante uma hora havia um filme só nosso que vivia dentro do nosso peito, o meu era a preto-e-branco, e o dela
Colorido,
As paredes que ultrapassávamos como pequenas limalhas de ferro ensanguentadas de cinzentos cabelos do transeunte indignado e anónimo que viajava quase sempre ao meu lado, não falava (como o fazia antes de adormecer o espelho do nosso quarto) e fumava cigarros de enrolar, pedia-me lume
Deixei de fumar,
E continuava silencioso como os cadáveres do nosso armário que desde sempre estiveram no corredor de nossa casa, antes de regressarmos, em Angola, depois, depois viemos encaixotados com pedaços de madeira que roubamos, inclusive algumas portas do interior, e algumas tábuas do alpendre onde guardávamos o triciclo, as pombas e algumas galinhas e o meu
Chapelhudo?
Não, não, esse não
Chapelhudo, orelhudo... e a chuva esfarelava-se sobre nós, tínhamos a ressaca das tardes de sábado, e tínhamos
Dá-me lume se faz favor?
Lamento, deixei de fumar, lamento... deixei de viver, lamento... deixei de amar, de ser amado...
Chapelhudo, orelhudo... e a chuva esfarelava-se sobre nós, tínhamos a ressaca das tardes de sábado, e tínhamos as multiplicações semanais das
(como o fazia antes de adormecer o espelho do nosso quarto)
Fitas a preto-e-branco, ela, colorido, imagens rolantes que descaíam dos edifícios negativos com gravata embebidas em bolas de naftalina, o cheiro, o cheiro a ratazanas sobre os cubos de queijo esburacados, envenenados... tínhamos um espelho chamado Fantasia, dormia connosco e das poucas vezes que lhe ouvimos um sussurro ou um desabafo... ou uma palavra, ou simplesmente
Nada,
Ou simplesmente
Nada,
Ou... esperavam (ou simplesmente... nada), não, não
Não?
Ou simplesmente... lamento informá-lo... mas hoje não temos carris na frigideira com molho de solidão
Porra...
E o que faço eu aqui?
Caminho, procuro os dedos finíssimos do rio em desejo, sentamos-nos um sobre o outro, enrolamos-nos e
Tem lume se faz favor?
Deixei...
E víamos,
E ouvíamos,
E... os imbecis homens de chapéu igual ao do Chapelhudo a fotografarem-nos, como se
Eu e ela
Fossemos dois corpos, com esqueleto, com cabeça, carne apodrecida, carne desfigurada... como se eu e ela fossemos... um espelho chamado Fantasia
E éramos só,
Eu e ela,
Dois filmes fugidos da sanzala dos grilos...


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 19 de Novembro de 2013

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

e amávamos os peixes

Desenho de: Francisco Luís Fontinha

Há uma transversal imagem dentro de ti, come-te e dilacera-te como as árvores andorinhas depois de se evaporar a Primavera, sinto o cheiro imenso da solidão dentro do frasco do desejo, percebo que no teu espelho com caixilho de pérola abandonada, uma limalha de sofrimento escorre como escorrem as gotículas invisíveis das tristes manhãs de Inverno, uma cabana vestida de colmo brinca junto à ribeira dos sonhos, há uma pedra onde nos sentávamos e líamos os poemas impossíveis de mim, davas-me a mão e adormecíamos como duas crianças em movimento circular uniforme, éramos círculos embrulhados em cubos de areia... e amávamos os peixes.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013

cerejas

foto de: A&M ART and Photos

não oiço a tua voz desde que terminaram as manhãs de orvalho
abríamos a janela do sonho
e víamos as acrobacias tontas dos pássaros embriagados pelas nuvens de cerâmica encarnada
havia na nossa mão pedaços de desejo
beijos
e réstias dentadas no teu pescoço deliciosamente belo e doce
como as cerejas
não oiço a tua voz fotocopiada desde que percebi ser um ultraleve magoado
uma jangada envidraçada
uma porta mal fechada
não te oiço desde que tínhamos pequenos sons melódicos em vasos de cristal
e brincávamos como crianças à volta de uma lareira esfomeada

dizíamos que o Sol era nosso depois de fazermos amor debaixo do candeeiro abandonado
beijos
como as cerejas
os vidros
e as paredes
caquécticas
e às vezes
lá tínhamos de correr em direcção ao mar

versos ancorados
quando no cais de desembarque o murcho sexo do marinheiro escapulia-se pelas frestas da madrugada doentia
em cio
corríamos como loucos vestidos de versos
e palavras sobrepostas como posições de embarque
fodíamos sem saber que o fazíamos
em cio
versos camuflados depois das tempestades de areia
tombarem sobre o teu corpo húmido de alvorada
e beijos
e caquécticas amêndoas brilhavam no teu púbis de Segunda-feira à noite...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 18 de Novembro de 2013