Acredito que quase ninguém me lê, mas para os poucos que ainda me lêem, que após me lerem,
Pensam; este gajo só pode estar louco. E acredite o único leitor que tenho,
Que nem sou louco, e não sou tolo.
Um dia poderei ser tudo, mesmo homossexual ou um simples travesti de aldeia, agora
Louco e tolo é que não. É que não mesmo
E se o único leitor que me lê acha que aquilo que escrevo é loucura, então meu caro e único leitor,
Aqui está a loucura, a verdadeira loucura.
Um dia os meus pais vestiram-me de louco, levaram-me a uma cidade louca, que na altura já fervilhava durante a noite louca, nessa cidade louca existia uma sala louca, lá dentro
Um louco médico, antes de entrar
Obrigaram-me a fazer um pacto com o diabo, a partir de agora
Pensei logo eu, vai deixar de haver madrugada
E que a partir de agora,
Só e só a madrugada
E só a verdade
Serão loucas.
Não percebi lá muito bem, entrei sentei-me tinha muito frio era Maio os meus pais sentaram-se um vidro rangia uma luz que piscava,
E que às vezes,
Também tal como eu, tremia.
O médico louco, olhava-me. Eu louco, comecei a olhar o louco do médico
Francisco,
Sim, doutor louco
Quando foi a última vez?
Aí é que eu fiquei louco. Não sabia se ele loucamente
Se referia
Há quanto tempo eu não pinava
Ou há quanto tempo eu não fumava e sofria,
Então Francisco?
Bom… quanto a pinar, confesso que já não pino há muito tempo,
E voar, Francisco? E voar sobre os telhados…
Bom, voar voar…
Ontem à noite voei sobre os telhados.
E todos nós loucos ficamos calados, como loucos
Queres tu dizer, louco e único leitor.
Depois claro, um louco de um enfermeiro
Também me olha e começa a tirar-me as medidas
Eu louco, acabrunhado e tão pequenino, nada disse
Sorria loucamente.
Vamos Francisco?
Depois alguém abriu a porta da carruagem, entramos e um louco corredor com muitas loucas portas e janelas loucas
Oiço chamarem pelo meu nome. Hesitei. Porra
Ainda agora entrei na carruagem da loucura, e
Fontinha, grande amigo…
E eu, pensei. Estou literalmente fodido. E tão pouco sabia quem era aquele louco gajo.
O louco enfermeiro não gostou. Que dois pássaros loucos que passavam a noite a voar sobre os telhados
Nunca,
Nunca poderiam estar juntos.
Dois dias depois, já podíamos.
Tive medo de toda esta loucura. Tive medo do sono, que às vezes,
Era louco,
E que às vezes,
Também era tão pouco.
O Alex passeava-se no louco corredor acreditando que brevemente estaria em Fátima,
E estando nós no mês de Maria da graça de deus de noventa e quatro daquele louco dia nove,
Três loucos dias depois,
O Alex chega finalmente a Fátima.
O primeiro soro louco que tomei, tão mais forte do que as outras coisas loucas que tomava,
Enfermeira louca!
Sim, louco Francisco!
Quero falar com o louco médico.
Alguma problema, louco Francisco?
Que não.
Apenas um pequeno ardor
E comichão,
Na mão.
É do catéter, Francisco…
Do que é não sei, mas que este louco soro é muito mais estranho
Que todas as coisas estranhas que tomava e loucas,
Eu voava sobre o horizonte corredor de púrpura, eu voava
Eu voava sobre o silêncio de uma espada nua e fria,
Poisado no seio,
De uma qualquer amada também ela,
Louca de prazer,
Não te preocupes, Francisco
Escrevia na parede a enfermeira louca.
Depois o louco ora se sentava
Ora se levantava
Ora batia com os cornos no prato da sopa,
E lá ficava,
E havia sempre um prato que voava
Até a funcionária, também ela louca, pegava em mim
Pronto Francisco, é só o primeiro dos teus loucos dias.
Um gajo louco apressadamente de cada vez que se cruzava comigo no louco corredor
Desculpe, tem horas?
E eu pensava. Para quê este louco quer saber as horas se a carruagem quase parece uma caixa hermeticamente,
Também ela louca
E fechada.
Admiti a primeira loucura.
A segunda loucura.
À terceira loucura, enervei-me, tirei o relógio e
Toma, é para ti. Fica com ele.
Eu quase louco, não querendo eu
Ficar louco.
Depois do soro,
Palmilhava todo aquele corredor louco na ânsia de encontrar
Todos os livros do Kundera.
Tropecei eu e o louco soro na Insustentável Levez do Ser.
Depois junto ao tecto, quase
Quase
O Livro do Riso e do Esquecimento, às vezes na casa de banho, os Amores Risíveis, ou A Valsa do Adeus, ou até mesmo
A Brincadeira.
Um daqueles dias que passei na carruagem da loucura, após o almoço
Fui à louca casa de banho,
E um gajo louco cagou no lavatório,
Em vez de cagar,
Na louca sanita.
Que nojo, eu louco pensava
Mas em quase vinte loucos
Algum dos loucos
Eram mais loucos
Do que eu imaginava,
O Ferro louco, que a puta da mulher louca lhe tinha enfiado um grande par de loucos palitos,
Fontinha, a puta já está lá fora.
Deixa-me dormir, Ferro
Quero lá saber da louca puta da tua mulher,
E ele loucamente
Baloiçava-me
E eu que quase caía ao mar.
Antes de me deitar tomava um louco copo de leite com três gotinhas loucas,
Mas eu queria mais loucura, e com algumas loucas palavras em sedução
Aliciava a menina,
E às vezes
Não abuses Francisco!
E às vezes
Em vês de três gotinhas loucas,
Ela docemente
Deitava seis loucas gotas.
Minutos depois e antes de me levantar, recordo agora
Conversávamos,
Ela
Então Francisco, depois desta estadia louca
O que pretendes fazer?
Não pensas em casar, ter filhos, uma família
E eu muito louco
Desculpa?
Que sim pois claro na altura loucamente certa
Recordando-me do poema Tabacaria
Do grande senhor,
E também louco, Álvaro de Campos.
Reparei que sobre a mesa,
A Imortalidade,
Do Kundera.
E pensei; entre me atirar da janela ao nível do rés-do-chão e estatelar-me todo e subir ao segundo andar louco
E convidar uma louca mulher,
Para comigo,
Ir passear loucamente,
E ainda hoje não entendo porque os loucos homens no rés-do-chão
E as loucas mulheres,
No louco primeiro andar.
E claro que preferi a Imortalidade,
Do Kundera.
Levantei-me.
Voltei a sentar-me.
Fiquei imortal.
A menina gira,
Francisco, eu acompanho-te à cama
E docemente, me levava, e docemente me deitava. E eu
Loucamente em menos de um louco minuto,
Dormia e não sonhava,
Sem tempo sequer de ter um sonho molhado,
Com também a louca miúda gira.
O que é a vida, acredita que um dia
O Alex regressaria de Fátima.
Que o gajo do relógio, um dia
Entraria no meu quarto com uma faca fria, visto ser ele filho de talhante e louco,
Também,
E como queria o louco do Ferro que eu me importasse com a louca puta da mulher,
Depois das milagrosas loucas seis gotas?
Vai-te foder Ferro, já és grandinho. Deixa-me dormir caralho, foda-se,
Que cena meu…
E caro único leitor; só saberá o que é a loucura se dormir e comer e cagar durante uma semana dentro de uma louca carruagem, com quase vinte loucos, com muitas portas loucas, com muitas janelas loucas,
E com destino Santa Apolónia.
Ainda acredita o meu único leitor que sou louco e tolo?