Por lapso deixei passar o 13º
aniversário deste blog.
Este blog foi criado em 2011 e a sua
primeira publicação data de 20/11/2011 às 16:49 horas. (escorpião com ascendente em sagitário)
Peço desculpa aos meus
leitores/visitantes por este lapso.
Por lapso deixei passar o 13º
aniversário deste blog.
Este blog foi criado em 2011 e a sua
primeira publicação data de 20/11/2011 às 16:49 horas. (escorpião com ascendente em sagitário)
Peço desculpa aos meus
leitores/visitantes por este lapso.
(a solidão mede-se pelo estalar dos móveis, durante a noite…
António Lobo Antunes, in O Tamanho do Mundo)
Uma espingarda dispara uma bala contra a janela, lá fora, uma porta que procura uma entrada, um vidro em busca de uma qualquer saída, nem que seja uma bala disparada contra a cabeça do suicida, dorme meu amor, dorme
Espero-te dentro deste apeadeiro em sono, pego num livro, pego
Acaricio-o na ânsia que ele me abrace e me escute e fique em silêncio, simplesmente a olhar-me, mas nada mais do que isso
Hoje apetecia-me voar sobre os telhados sombreados que apenas o silêncio consegue descrever, a tua mão, pouco a pouco, parece um invisível fio de luz, canso-me de ti
E canso-me da luz. Tínhamos os nossos corpos, apenas, sós
Perdidos numa cama lamacenta, pelo tédio, pela saudade,
Pelo esperma,
Tínhamos dois corpos despidos, ausentes de tudo e de todos,
Os milagres da natureza. E tínhamos um espelho, um espelho que nos espiava.
Tínhamos uma janela de que em nada nos servia, apenas para que o aposento não cheirasse tanto a porcaria. Tínhamos um filho para criar, um filho para educar, tínhamos, sobre uma mesa apodrecida, um ramo de flores,
E tudo parecia tão belo,
E tudo,
Mas tudo mesmo, tínhamos na parede um crucifixo que nos espiava também, também éramos espiados pelo espelho,
Aumentavam os teus seios, os teus lábios mais carnudos
E vermelhos,
As tuas mãos mais doceis e macias, tínhamos
Aumentavam também as tuas nádegas, tínhamos também pendurado no tecto uma coisa estranha, que de tudo o que parecia,
De candeeiro não seria, certamente
Mas iluminava o teu corpo nu, e eu imagina-te completamente nua, como estavas
Nos braços do homem que nos espiava da parede,
Vê lá meu amor; imaginava-te nua nos braços do Cristo ali esquecido, ali vencido, tendo como único passatempo,
Ao final do dia,
Contabilizar quantos corpos se fundiram naquela cama, quantas fogueiras desejando apenas o lume da voz, apenas uma única palavra, escrita no teu seio.
E ao final do dia Cristo entregava o relatório a uma senhora baixinha com óculos, que a sua única função era de apenas,
Receber vinte e cinco euros, com direito a uma toalha.
Às vezes eu saía de dentro de ti tão apressadamente que, só quando chegava à rua é que percebia,
Em vez de ter trazido o meu corpo, o teu corpo vestia. Depois eram as trocas, eu saía de dentro do teu corpo,
E tu,
Saías de dentro do meu corpo, e passávamos a ser novamente dois corpos
Abraçavas-me
- amo-te loucamente
Tínhamos os nossos pais, tínhamos as nossas fotografias, uma casa para arrumar, que quase sempre
Estava desarrumada. Que quase sempre, estava vazia.
- desenhavas no meu corpo o desejo pergaminho de uma tarde de Verão, e quando colocavas a tua mão sobre o meu seio meio envergonhado, sentia que do outro lado da rua alguém procurava pelas estrelas da noite anterior, um bêbado fazia-se à estrada, um candeeiro de rua, quase e quase
Apenas uma sombra junto ao rio. Quando percorrias todo o meu corpo como se ele fosse uma seara de vidro sobre a mesa do jantar, e eu tão feliz, e eu sentia-me tão desejada, tão amada.
E tínhamos.
Depois ninguém sabia onde me procurar, depois ninguém sabia onde me encontrar, depois vinha uma gaivota
- depois as mentiras, depois os esconderijos, os silêncios, depois os cigarros deixaram de conversar, depois a janela que apenas servia
Para que aquele aposento não cheirasse a porcaria, sempre encerrada, sempre em lágrimas, sempre a pobre daquela janela
Depois uma bicicleta que subia as escadas, que depois descia as escadas, que depois corria tanto até se esquecer de ser dia, e vinha a noite
- abraçavas-me, beijavas-me tanto que eu acreditava
Depois as árvores procurando os pássaros pelas ruas da cidade, um carro que passava,
Uma porta
Que quase sempre,
Se fechava.
Depois, depois tínhamos
- qualquer coisa estranha na mão que mais parecia uma espada, mas claro, nunca o poderei confirmar
Depois, depois
A solidão mede-se pelo estalar dos móveis, durante a noite,
E é tão estranha, meu amor, é tão estranha a noite
A noite, são estranhas todas as estrelas, é estranho e confuso, o luar
E o mar.
E a cada estalar dos móveis sinto esta solidão inventada que apenas me serve para
Talvez, para nada.
(ficção)
O tecto em erecções constantes, ora para cima,
Para o lado esquerdo,
Para baixo
Novamente para cima e novamente
Para baixo
O Abílio procurava as cuecas no amontoado de roupa que ainda respirava, mas que às vezes
Desfalecia a roupa, as cuecas e talvez o avental que serviria para mais logo,
Confeccionar o jantar.
Nunca vês nada tu santa paciência,
Rendadas não rendadas calças, calças meias coloridas não coloridas,
Gostas das minhas meias?
Adoro, principalmente a cor
O Abílio era daltónico, para ele tanto fazia que fosse noite, que fosse dia, que fosse Inverno,
Ou Verão, de inferno.
Para ele
Ao longe um baloiço brincava com uma criança, outra criança
Procura a sombra do baloiço, não sei que dia é hoje
Quinta-feira parvo dia catorze do mês dos finados,
Tu não sabias porque me procuravas, eu
Eu procurava apenas um sorriso que iluminasse a noite,
Era Verão e a tua pele parecia um rio sonolento descendo a montanha em direcção ao rio,
Cada gotícula, um pequeno poro em desejo
Uma pedra é lançada sobre a aldeia, sobre nada. Sabes?
Era melhor não nos encontrarmos mais neste cubículo de um terceiro andar que ruge a cada gemido teu, que tem mais fendas nas paredes do que
Furos de bala tinha o gajo da pastelaria que foi assassinado pelo tempo,
E pior do que isso
Esse maldito crucifixo que nos olha a cada suspiro.
Queres ir para onde, para tua casa?
Não percebeste parvalhão, depois o baloiço quando viu o menino à procura da sua sombra, dou-lhe a mão, afagou-lhe o cabelo,
O menino sorriu, eu quero dizer nunca mais estarmos juntos, percebes?
Que sim, respondia o menino depois do baloiço lhe ter desenhado no rosto o silêncio mais giro da aldeia,
Que giro!
The end, Abílio
O outro menino aproxima-se, devagarinho, poisa o dedinho da mão direita sobre o ombro do outro menino, o outro menino com o silenciado cabelo ao vento,
Olá, eu sou o Ricardo
Eu sou o Alfredo,
O baloiço já cansado de tanto baloiçar,
O tecto subia,
O tecto descia,
Um navio de espuma sobe as escadas, e sem ter a educação de bater à porta
Quarto adentro, sobre a cama, outro baloiço sem que até aquele momento soubesse,
Que também era um baloiço, que também
E, no entanto,
Subia,
Descia,
Uma pomba em sentinela junto ao vidro da janela, ao fundo da rua,
A igreja,
Mulheres e homens rezavam,
Imploravam,
Que naquele pequeno jardim onde havia um baloiço
Houvesse,
Porque um só é sinal de solidão, outro baloiço
Já viste António?
Não sei o que vi e acredita que tudo o que vi
The end.
Percebeste parvalhão? Isto não tem pernas para andar…
Não é isso carago,
Temos de encontrar outro baloiço para fazer companhia ao baloiço do jardim,
Tu é que sabes,
Se The end
Ou não end
Tanto faz,
O tecto parou sobre uma mesa raquítica e à qual faltava uma perna, uma bola desce da árvore e de encontro ao baloiço
Pai empurra-me,
E para cima.
E para baixo,
O tecto cada vez mais invisível, estando o teu corpo ainda nu e mergulhado numa maresia de esperma, quase fumegante
O cigarro sobre a mesa, a mesa descendo a avenida, virava à esquerda,
Empurra pai
E ele empurrava o tecto no sentido ascendente, empurra pai,
Puxou de um cigarro, durante dez segundo enganou o fumo, e este
Procurando a saída do meu labirinto peito,
Pensava ele,
Reflectia que a cada meia-hora um jesuíta é comido.
Vê lá António, vê lá…
Já viste o Abílio?
Não hoje ainda não o vi porquê? E que raio tenho eu a ver com esse tal de Abílio?
Amo-o, António!
O açúcar caramelizado, que apenas um jesuíta sabe ter, depois
Lançou o cigarro para o beco, fechou a janela, ainda pensou fazer com que o tecto voltasse à posição inicial, mas depois,
Que se lixe.
Adeus Ernestina. As escadas já adivinhavam que pé o Abilio poisaria primeiro, às vezes
Pára no silêncio de um vão de escada com acesso a uma cama, apesar de não poder utilizar as mãos
A uma cadeira, e um crucifixo que se masturba
A lençóis mergulhados na imensidão de cada gemido, de cada tesão
Porquê Claudia? Porquê?
Porque o amo, muito, António. Muito. Percebes?
Eu até percebo porque cagam sempre sobre mim, os pássaros
A pomba também em lágrimas,
Fechei a porta, desci apressadamente as escadas, poiso a chave sobre uma coisa que parecia uma mesa,
Mas não uma mesa,
Um baloiço perdido na aldeia, uma mão nas tuas coxas até sentir nos teus lábios a razão do poema ser o mais belo
Dos belos, amanheceres,
E mesmo assim,
Não percebes António que eu o amo!
E ele ama-te?
Empurra pai
Empurra,
E o tecto subia.
O tecto descia,
Até chegar ao chão.
(ficção)
Leonor,
Diz António,
Parece que fomos convidados para participarmos num sarau de poesia,
Fomos?
Foste tu, eu não fui convidada para nada, e até acredito que tudo quilo o que escreves e tudo o que desenhas
São uma perda de tempo. Isso vai levar-te a onde? Diz-me António,
Para que passas tantas horas a ler, António?
Desculpa. Pensei que gostava de me acompanhar, só isso
Desculpa.
E sabes que mais?
Não sei, Leonor!
Tu só podes estar completamente louco para escreveres todas essas porcarias, não tenho outra explicação.
Não Leonor, não estou louco e tão pouco
Tu sabes lá o que é a loucura.
Louco, Leonor
Era o José, mais conhecido por queijeiro
Quando na realidade
Vendia vinho. Sim, vendeu queijo da serra, mas foi há tanto tempo,
Que o próprio tempo já esqueceu.
O Zé vendeu também televisores, telefonias e afins
Olha,
Os primeiros televisores que eu vi made in URSS,
Era o Zé que os vendia,
O Zé vendia,
Tanta coisa que ele fez e vendeu na vida, até droga
Vendeu.
Quando ele se concentrava, após muitos copos de vinho, utilizava a mente
E atravessava as paredes.
És muito parvo. Não acredito em nada disso.
Um dia o Zé estava numa tasca, do seu lado direito tinha uma parede que confrontava com uma dependência bancária, do seu lado esquerdo
Uma loja de fotografia.
Nós conversávamos sobre uma garota por quem eu estava apaixonado, e já na altura
A mania dos versinhos
Uma porcaria isto dos versinhos que me apareceu na vida e que só terminará quando eu morrer,
O Zé que eu
Ó pá, tu és inteligente, não tenhas receio de conversar com a miúda.
Olha que ela
Parece ser muito fixe
E fixe seria eu não estar sentado nesta mesa a ouvir este louco e a ficar também eu louco,
Vês, como estás louco?
Não sabes Leonor o que é loucura, o que é a paixão
E a cada trago de moscatel meu
O Zé
Imaginava bailarinas a dançarem sobre a mesa,
Eu que sim
Muito bem Zé, muito bem
E se ele ao menos soubesse o que é o amor.
O zé nunca casou. O Zé também não tinha filhos, pensávamos nós
Os amigos.
As bailarinas eram três. Lembro-me tão bem do rosto de cada uma delas,
Mas havia uma
Que me despertou o olhar, esfrego os olhos já muito dilatados devido à quantidade de livros que já tinha lido naquela noite,
Olhei-a de frente,
Ela parou de dançar por uns instantes,
Comecei a imaginá-la nua, solta
Sobre o mar dos meus lábios.
Ó António.
Diz lá Zé,
Pagas mais um copo e eu apenas com o olhar atravesso a parede,
Como?
Pagas e vês!
És maluco Zé. Pode lá ser isso possível.
Mas está bem, pede lá mais um tinto.
As sílabas dos textos que tinha lido horas antes começam a fazer efeito no meu corpo.
Sinto-me tonto, porra.
Puxei por um cigarro, esqueci por momentos a bailarina nua que me espera no umbral da ausência
E concentrei-me apenas e só no Zé.
Ele começa a esfregar as mãos, de vez em quando encerra as persianas do olhar
Respira fundo, e
Zé?
Deixei de ver o zé.
Tu queres ver que este gajo atravessa mesmo as paredes!
Porra, só me faltava esta. Fiquei aflito e procurei por toda a sala,
Zé? Ó Zé?
Nada. Nem uma migalha de sono se encontrava no chão.
Sentei-me. Comecei a ficar triste, enjoado
E eis que
À minha frente o Zé sentado.
Pisca-me o olho, abre a mão
Uma moeda de cinco escudos no tempo dos escudos
E das bailarinas que dançavam sobre as mesas.
Afinal é verdade Zé! Desculpa lá eu ter duvidado de ti. Às vezes,
Olha que eu só digo a verdade.
És muito parvo, António
Acreditares que,
Deixa lá Leonor
Deixa lá,
A partir de agora vou começar a sonhar em silêncio, olha
Como o Zé,
Coitado do Zé…
Antes de morrer passou os últimos seus dias a passear no jardim duas garrafas de oxigénio sobre um carrinho
Com rodas. Parecia uma criança
A puxar um camião de sonhos e de desejos.
Mas tu não acreditas mesmo em mim, Leonor!
Tu nunca acreditaste em mim.
Nem sei porque…
Então Zé, estás bem?
Estou pá, como vês
Passeio estas duas garrafas, fumo três ou quatro cigarros, e
Tu ainda fumas, Zé.
Eu controlo, António
Eu apenas com a mente…
Fui há casa de banho. Entro na sala
E nada. Nada do Zé.
Tu queres ver que este gajo…
Pensei, está bêbado e foi para casa contar estrelas no tecto da liberdade noite,
Indiferente sentei-me e dei mais uns tragos de moscatel.
Perco-me nos meus pensamentos. Imagino coisas sobre a mesa, às vezes
Até as tuas mãos de maresia madrugada, e oiço
Um estrondo do meu lado direito, esquerdo do Zé
Ou vice-versa,
Tanto faz meu amor,
Uma luz ergueu-se na parede, depois
Uma lágrima sai da parede e senta-se onde se sentava o Zé,
Zé, és tu porra?
Cala-te
Estou disfarçado.
Ah agora percebo
E a quem pertence esse retracto que trazes nos lábios?
Não sei, António. Não sei.
Estava em cima do balcão.
Assim António, acredita
Vais acabar os teus dias a dormir na rua,
Como tantos,
Assim, António
Assim não dá.
Não te preocupes Leonor,
Não te preocupes.
Talvez eu encontre o mar da minha vida!
Quem sabe, Leonor?
Quem o sabe!
Talvez Deus.
Talvez.
(ficção)
Viviam escondidos num sonho falhado e sempre que abriam a janela,
Mãe quem é o meu pai?
Ao longe, quase sempre, um círculo de luz com olhos verdes brincava junto ao rio
Ela
Abraçava-o e segredava-lhe
Não tenhas medo Alberto
E o pobre do Alberto imaginava-se sentado junto a uma cuba em INOX com capacidade de cem mil litros e de uma bomba mecânica, e imaginava-se
A conversar com o silêncio e imaginava-se a escrever um poema à cuba em INOX e imaginava-se misturado com o ruido da bomba mecânica e que às vezes
Imagina-se a segredar-lhe junto ao motor eléctrico
Amo-te
Quem é o meu pai mãe?
Anos depois a cada pergunta a mesma resposta
Morreu Matilde
Como morreu mãe
Como morrem todos os pais Matilde
Com medo de não verem mais os filhos mãe
Sim Matilde
Às vezes era um carro que quase desgovernado o acordava daquela conversa entre o silêncio e uma cuba e uma bomba mecânica
Como estará agora a Matilde
Depois fechavam a janela, e quase que num abraço mais fino do que o medo, porque existiam algumas pétalas em papel sobre a cama, ela
Porquê pai
É assim tão difícil dizeres-me que gostas muito de mim apesar de apenas agora saberes da minha existência
E os seus cabelos floriam a cada Primavera
O Alberto
Que quase que apostava
Que ouvi um fio luz que me segredava
Também te amo parvo
És um tolo
É tudo tão estranho pai
O que é estranho Matilde
Os adultos pai
E eu ia jurar que a bomba mecânica
Falava pai
Ouve lá sua cuba em INOX tu também não ouviste
E que não
Pai conta-me uma história
Pegou-lhe na mão, segredou-lhe quase que a lamber-lhe o cabelo
Um dia Adosinda
Um dia vais perceber porque vivíamos escondidos num sonho falhado
Prometes pai que vais gostar de mim
Sim Matilde prometo
E sempre que abriam a janela,
Mãe quem é o meu pai?
Era uma vez uma lágrima do tamanho do mundo
Do mundo pai
Sim Matilde do mundo agora escuta
Era uma vez uma lágrima do tamanho do mundo que queria ser o sol para alegrar o sorriso dos adultos, um dia, quando acordou no rosto de um pedacinho de mar
Pai o mar existe
Sim Matilde
Esfregou os olhinhos e
O quê pai
Espera Matilde
A lua disse-lhe que a partir daquele dia ia ser sempre o sol
Mesmo quando chovesse pai
Sim Matilde
Pai
Sim Matilde
Eu também posso ser o sol
Claro que sim Matilde
Basta acreditares
Acreditar pai
Acreditar Matilde.
Tenho sono pai
Dorme meu amor.
Até amanhã.
(ficção)
Fodido está o Gonçalves porque comprou
uma burrinha por cinco euros,
E ainda teve de oferta um velho arado,
que sempre servirá para lavrar este texto.
Quando o Gonçalves chegou a casa com a
burrinha e com o arado, deparou-se que a burrinha não tinha documentação
Nem carta de condução.
Pensou: o cigano fodeu-me.
E como fodido já ele estava, não quis
saber mais da burrinha nem do arado,
Sentou-se numa cadeira junto ao
alpendre, puxou de um cigarro e
Começou a fazer fumo de contas porque
tinha sido enganado pelo cigano; ele tinha ido à feira para comprar um livro de
poesia,
Não uma burrinha e ainda por cima
carregar ao lombo com o velho arado.
O Gonçalves queria comprar o livro de
poesia de um tal de Fontinha, Poemas Dispersos, que de desperdício só têm o
sabor,
Foi à barraca da tia Alice,
Que não,
Que não tinha nem nunca tinha ouvido
falar de tal coisa ou coisinho com chapéu de poeta.
Com licença, continuação de boa tarde e
que seja o que o rio quiser,
Quando galgar as margens.
O Gonçalves nunca saberá lavrar um
texto, pelo qual, não precisará mais da burrinha e do arado; brevemente irá
colocá-los à venda por dois euros e meio, estando disposto a baixar até aos
dois euros.
(orgasmo
literário)
As horas de dormir, pareço que finjo, quando acordo embrulhado nas palavras do adeus, uma pequeníssima gota de silêncio absorve a madrugada, agarro-me ao teu corpo suspenso no cortinado da insónia e, há sempre uma criança que brinca na enxada da tarde.
Soltam-se as amarras de todos os
barcos, acordam dos oceanos todas as tormentas e, sabe-se lá, quando vem a
terra a solidão de um dia sem memória. Os homens sofrem, quando do granítico
silêncio, as palavras do poema, inventam-se, rodopiam nas redondezas da cidade,
quando um grito silencioso cai sobre todos os jardins.
A fragrância das flores adormecidas, as
horas de dormir, pareço um fantasma dançando sob a tenda do circo imaginário,
há palhaços de calcário, meninos de farrapos, junto ao mar, em cio, o corvo, as
pirâmides embebidas em shots de nada e, no final da tarde, começa a descer a
noite porta adentro.
Ponho à janela na esperança de olhar o sol,
quando a noite está doente, cansada de brincar, quando depois de se evaporar a
tarde, o teu corpo docemente se alicerça nas minhas mãos, as horas, os
silêncios depois das horas e, dizes-me que a cada fim de tarde há uma janela
que se encerra.
Tenho na minha mão o teu perfume, a cânfora
manhã do sítio inanimado quando sei que lá fora um pingo de inveja sobeja das
multidões em fúria. Discretamente, aos poucos, desenho-te na sombra dos livros
ainda não escritos, gatafunhos acomodados às tristes margens deste rio sem
nome, uma cabeça transparente, imunda, no nojento corpo das cidades da
mendicidade e, imagino-me à procura de uma fina folha de papel onde escrever o
meu testamento.
Tenho medo que amanhã não pertenças mais à
cidade.
Que amanhã sejas apenas uma estátua de areia
junto ao mar, trazes contigo as fotografias, as flores dos livros perdidos e, sabe-se
lá porquê, as horas de dormir, são pedacinhos de silêncio nas tuas mãos.
Voávamos entre a sombra do desejo e o beijo adormecido. Tínhamos dentro do corpo o silêncio que a noite depositou junto à praia das areias brancas. Ouvíamos o uivo dos lobos que regressavam da montanha, olhavam-nos e sentavam-se junto a nós.
Pegava num pequeno livro de poesia e lia-lhes poemas dispersos, diga-se, apenas os lobos a percebiam. Puxava de um cigarro embrulhado em solidão e, permitindo aos olhos alguma lubrificação, pequenas lágrimas de incenso se despregavam do rosto e acabavam por morrer no pavimento íngreme da eira.
A meio da noite, meu
amor, a meio da noite acorda a luz no teu corpo, a meio da noite, meu amor, a
meio da noite, deita-se a luz no teu corpo, abraça-se a luz às minhas mãos, que
poisam no teu corpo as primeiras sílabas da manhã,
A meio da noite, meu
amor, a meio da noite acordam os pigmentos de cor, com que pincelo o teu ombro,
a meio da noite, ele sonolento, tão sonolento como as predizes da madrugada,
A meio da noite,
Meu amor,
A meio da noite acorda a
luz no teu corpo, ergue-se o livro esquecido no chão, poesia de uma afegã, a
meio da noite, os teus olhos, meu amor, a meio da noite vestem-se de estrelas, e
passeiam-se nos meus lábios, quando o meu beijo desce suavemente sobre o teu
ventre, a meio da noite, o incêndio, a fogueira da noite, que a meio da noite
enrola no teu cabelo, e voa sobre um ninho de cucos, perdidos na noite,
Meu amor,
A meio da noite, fogem de
mim as diáfanas águas da ribeira dos sentidos, que a meio da noite, trazem as
pedrinhas com que construo a minha noite, quando a meio da noite,
Sobre ti, lábios de luz,
sobre ti, silêncios de ti,
A meio da noite,
Acorda,
Ergue-se o livro da
poetisa afegã…
Que perdeu a noite,
Que nunca teve noite,
como eu, quando procuro no teu corpo o poema mais belo do céu nocturno em “Flor
de Fumo”,
E querida Nadia Anjuman,
a meio da noite, porque te assassinaram, quando possivelmente as tuas noites
eram como são as minhas noites, sonhar com poesia, respirar poesia, snifar
poesia…
A meio da noite, uma flor
se aproxima de ti, se deita no teu colo, e recorda-me a infância com muitos
meios da noite, eu olhava as estrelas, pedia um desejo,
E voava,
Sobre ti a meio da noite,
Porque te assassinaram?
Flor de Fumo…
14/10/2023
S. Martinho do Porto, Janeiro de 1989,
Deste quarto, dentro
deste quarto, olho o mar e pinto o mar nos meus olhos, antes de adormecer. Deste
quarto, onde me escondo, não sabendo porque me escondo, neste quarto pinto o
sol no tecto, no tecto deste quarto, e sinto neste quarto, dentro deste quarto,
o assobiar dos barcos da minha infância.
Neste quarto, de onde
oiço o mar, pincelo o meu olhar com estrelas-do-mar e silêncios de alegria, depois,
depois peço ao guarda deste quarto, peço ao senhor António, que liberte todas
as serpentes, que dormem neste quarto e não gostam de poesia, como todos os que
detestam poesia, que são muitos, que são alguns, não pertencem a este quarto,
de onde eu, pela janela deste quarto, sinto o cheiro do mar, e depois,
E depois nada. Fico dentro
deste quarto.
Vou à janela deste
quarto, puxo por um cigarro, acendo-o preguiçosamente, eu oiço-os
Entre gritos, ao lado
deste quarto,
Sem perceberem que dentro
deste quarto,
Habito eu, o poeta
suicidado por uma bala de medo numa tarde junto ao Mussulo.
Então senhor António, as
serpentes?
Sei lá eu das serpentes,
menino,
Sei lá eu.
E de dentro deste quarto,
nem eu, nem eu, senhor António,
Nem eu.
Neste quarto, de dentro
deste quarto, oiço o sorriso das girafas, brincando no capim como se fossem
crianças pinceladas de saudade, neste quarto, dentro deste quarto todos os
papeis são loucos, todas as palavras são loucas, neste quarto, de dentro deste
quarto, todos os Sábados, junto ao rio…
Então o senhor António
pensava que as serpentes não sabiam ler?
Sei lá eu, menino,
Sei lá eu,
Nem eu, de dentro deste
quarto,
A bala sorriu e caiu no
pavimento lamacento. Dentro deste quarto, neste quarto, aos Sábados, oiço o
mar, desta janela sem sorriso, enquanto o senhor António se vai travando de
amores com as serpentes,
E o menino,
O menino, deste quarto,
de dentro deste quarto, deste quarto, dentro deste quarto, olha o mar e pinta o
mar nos seus olhos, antes de adormecer. Deste quarto, onde se esconde, não
sabendo porque se esconde, neste quarto pinta o sol no tecto, no tecto deste
quarto, e sente neste quarto, dentro deste quarto, o assobiar dos barcos da sua
infância.
16/09/2023
Luís
Antigamente escrevia cartas, hoje, escrevo silêncios.
Sempre quis ser artista;
a minha mãe talvez acreditasse que eu um dia fosse estilista, pois passava tardes
inteiras, em Luanda, a desenhar e a costurar vestidos para um parvalhão de um
boneco, que ainda hoje desconheço a razão de o ter baptizado com o nome de
chapelhudo, e sendo eu contra os nomes das coisas e das pessoas, pergunto-me
Porquê?
Porquê chapelhudo…
Não o sei.
Como deixei de saber tanta
coisas,
A tarde fugia, e eu
corria e conseguia apanhá-la junto à capelinha, metia-a no bolso, e sorria, e foi
aí que aprendi a desenhar.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, hoje queimo cartas e lanço-as ao vento, e o vento as leva para o
mar.
O meu pai nunca duvidou
que eu um dia viesse a ser artista, e não se enganou, de arte em arte, fui
artista maior da parvoíce e estupidez, graças a Deus e à insistência da minha
mãe com ele, cá estou eu,
Noutras artes.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, procuro a tarde que fugia e eu corria, corria…
E agarrava-a junto à
capelinha.
E voavam, voavam,
Como silêncios envenenados.
Quase fui trapezista,
sim, trapezista, não fosse a minha paixão pela cachopa trapezista, e que queria
que eu a acompanhasse de terra em terra, num qualquer circo ambulante,
Não fosse essa minha
paixão, desfalecer, quando olhei para o céu,
E ela,
Ela voava, voava…
E pensei,
E voa, e voa…
E prefiro ser poeta.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, hoje pinto trapezistas nas telas, desenhos os papagaios que a
minha mãe me ensinou, escrevo, escrevo para o vento, e para o mar.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, hoje não escrevo cartas, mas sinto raiva, das cartas escritas.
Antigamente escrevia
cartas, hoje, hoje conto as cartas que escrevi.
21/07/2023
A coitadinha da moeda de vinte e cinco escudos, só, só na algibeira do magala, sem que ela tivesse percebido que dentro em breve estaria abraçada a uma pequena ranhura de uma cabine,
Os cortinados negros,
inventando a noite, quando ainda era tarde, final de tarde, junto ao rio, ao
longe,
Um petroleiro de sono,
uma jangada em cio procurando engate, que me convidava às vezes,
E eu aceitava,
Que outras tantas mais
vezes,
Me ignorava,
E eu…, ficava a olhar…
O Tejo,
Que eu às vezes, que eu
às vezes, recusava,
Nesta triste vida de
comandante deste navio,
Deste gigantesco
petroleiro,
Ouvia-se no silenciar da
noite inventada, o som da moeda de vinte e cinco escudos em pequenas descidas acentuadas,
Depois,
Depois uma mulher despia-se,
aos poucos, uns… aproveitavam o silêncio para se masturbarem, outros nem por isso,
e os outros…
Contemplavam,
O quê?
Um pedaço de carne esquecido
debaixo de um pinheiro, o puto foi entregue à Ermelinda, e que, lá anda...
Contemplar,
O quê?
Contemplar uma mulher só,
mais cansada da vida, de que a vida cansada dela, e, no entanto, comtemplavam-na…
Contemplar,
O cigarro e o cheiro
intenso a sémen,
Às vezes, às vezes
ouviam-se pequenos gemidos, dentro destas lâmpadas silenciadas que um louco
qualquer desenhou na geada.
Às vezes, às vezes
percebia-se no olhar desta mulher, percebia-se a fome, a porrada invisível que
um chulo qualquer invisível lhe dava, muitas vezes, às vezes, até nos seios se
percebia a tristeza desta mulher,
E, no entanto,
Apenas com vinte e cinco
escudos…
Às vezes,
Às vezes, às vezes dos
seios destas mulheres, desciam lágrimas de cansaço, desciam lágrimas de
saudade,
Saudade da infância,
Saudade dos amigos da
escola,
Saudade das ruas antes de
nascer o sol.
E, no entanto,
Contemplavam-na,
Contemplar, o quê?
Contemplar duzentos e
seis ossos, alguns já em mau estado de conservação, as pintinhas nos braços e
afins, da agulha,
Que chutavam heroína,
Que fumavam heroína…
E mesmo assim, havia quem
as contemplasse por uns míseros vinte e cinco escudos.
E ao fundo da cabine, o
Tejo, o cheiro do Tejo, e enquanto se preparavam para bater mais uma…,
Encerrava-se o óculo,
ficava escuro, ficava escuro dentro da cabine e do outro lado do Tejo, um navio
escondia-se da tristeza.
Contemplar,
Contemplar uma mulher
sofrida, às vezes quase criança, outras quase nem uma coisa nem nunca seria
outra coisa, que não fosse,
Criança,
E mulher.
E contemplavam-na,
Tal como o beijo
contempla os lábios, ou…, quando a maré entra pela janela, e ela, aquela mulher
inventada, por apenas vinte e cinco escudos…
Contemplavam acreditando
que do outro lado do Mundo, um apito perdido…, procurava a primeira lágrima da
manhã.
01/07/2023
Francisco Luís Fontinha
Conto as estrelas, são
tantas, meu amor, são tantas as estrelas e cada uma com um desejo nos lábios,
conto as estrelas e depois penso…, quantas estrelas tem o teu olhar,
Muitas, poucas,
assim-assim, tanto me faz…
Conto as estrelas que
brincam nesta misera folha em papel, conto o silêncio destas paredes, destes pequenos
nadas que existem dentro de mim,
No fundo, sou um nada…
Um nada que escreve…
Versos ao nada.
Conto as estrelas da
minha infância, conto as estrelas das primeiras paixões, conto as estrelas que
existem nos teus lábios, tal como existem nos lábios das estrelas,
O desejo,
Conto as estrelas e
perco-me no teu sorriso de perfume adormecido, embrulhado nas minhas palavras,
quando das tuas lágrimas…
Acorda um pedacinho de
sorriso.
Conto as estrelas da tua
mão, conto as estrelas do teu cabelo, conto as estrelas…, as infinitas estrelas
do perfume dos teus lábios.
Conto as estrelas que me afligem,
mais as estrelas que não me desejam, e percebo que este pequeno nada, que sou,
esconde-se dentro de uma pedra cinzenta, com olhos verdes, e cabelo pigmentado
de beijos.
Conto as estrelas que há
em mim, e sabes, meus amor…
Dou conta que em mim não
existem estrelas.
Conto novamente as
estrelas do silêncio e da solidão, abro a janele, fecho a janela…
E pergunto-me se estarei
realmente…
Louco.
Conto as estrelas das
amarras e do medo, conto as estrelas de todas as prisões invisíveis…, e de
todas as flores comestíveis,
Conto as estrelas da
paixão,
E dos pequenos e simples
guardanapos de papel,
Conto as estrelas do meu
fracasso…, e tantas, meu amor, tantas estrelas…
Onde posso escrever…
Quase anda.
Conto as estrelas destes
livros espalhados pelo chão, que odeio, que me odeiam…, que se diga, meu amor,
começo a ficar farto de livros e de livros dos livros…, com poemas, espalhados
pelo chão…
Conto as estrelas de
todas estas paixões e não paixões destes mesmos livros, e percebo,
Que tal como eu…
São apenas uns coitados,
Dos tristes coitadinhos.
Conto as estrelas… sei
lá, meu amor…
Já nem sei o que são
estrelas.
Conto as estrelas das
minhas palavras, e deixei de ter palavras…, quanto mais estrelas…, conto as
estrelas desta melodia que oiço, e perco-me nas estrelas do teu silêncio, antes
que que acorde a manhã…, e me roube todas as estrelas da noite.
Se eu fosse um louco, um
pequeno louco de nada, um triste louco, um louco…, de louco, queria ser uma
estrela, na estrela do teu olhar.
01/07/2023
Com quinze ou dezasseis anos
comecei a consultar o “Tractatus Logico-Philophicus” de Ludwig Wittgenstein, o
que eu procurava, ainda hoje não o sei, sei que passava noites quase abraçado a
esse tratado sobre tudo, e nada do que eu precisava tinha.
Também, como referi à
pouco, ainda hoje não sei o que procurava.
Consultava “Amor” e quase
que levava com uma resma de equações matemáticas, de tratados e almas mortas de
Gogol, e se é para ir para a fogueira, vamos então todos…
Também ainda não sei quem
são e quantos são; alguns,
Tal como parte do
manuscrito de “Almas Mortas” …
A minha mãe,
Fernando… marca uma
consulta ao nosso filho, olha que ele não anda bem…
E claro que sim,
E depois de milhares de
cartas escritas pelo Senhor Fernando António Nogueira para a sua grande amada,
A doce Ophelinha…
Não interessa…, deixei de
receber cartas.
Quanto a mim, prefiro o Senhor
Álvaro de Campos…, a tabacaria, a pequena dos chocolates, o Esteves…
Coitado do Esteves…, onde
andará ele!
Deu-me trabalho, mas
consegui convencer a minha mãe, que aquele calhamaço não era perigoso, e quase
era irmão gémeo da Bíblia que ela tinha em cima da mesa,
Olhou-me,
Franziu o sobrolho,
Apelidou-me de Francisco…
E eu,
Já estou fodido; vou
apanhar nos cornos.
A coisa passou, e eu
todas as noites à procura no “Tractatus Logico-Philophicus” de qualquer coisa…,
E sabes, meu amor,
O senhor Álvaro de Campos
tem algo de misterioso, não sei…
Tal como o que procurava
naquele livro,
Nada.
Os anos passaram, ele
acompanhou-me quase sempre, até quando fiz o serviço militar na Calçada da
Ajuda,
Que de ajuda,
Nada,
Como aquilo que eu
procurava.
Talvez procurasse um
pássaro, talvez procurasse a insónia de uma pequena estrela de silêncio…,
E ainda não encontrei
neste “Tractatus Logico-Philophicus” nada sobre Alhetas, que o calor que entra
mais o calor gerado é igual ao calor que sai mais o calor acumulado…
E eu, meu amor,
De tanto calor…
Já nem sei se hoje é segunda-feira
ou se amanhã é quinta-feira…, no entanto, recordo todas as palavras do Senhor
Álvaro de Campos, e eu, de Tabacaria em Tabacaria, que deixei de comer
chocolates para não ganhar peso, lá está ele,
O Esteves,
Coitado do Esteves,
E, no entanto, pareço o
Esteves, à procura de um cigarro e que o vento me leve,
A minha mãe…
Estás bem, meu filho?
Já conversamos, quando eu
regressar da lua...
Desenhava um abraço no
meu rosto, e ficávamos horas a conversar sobre coisas; ela, que Deus era/é um
ser maravilhoso, que ia sempre proteger-me de tudo e de todos…, coisa assim e
coisa assado, e eu, eu perdia sempre porque não conseguia explicar o que
existia antes da grande explosão na teoria do Big Bang, dava-lhe um beijo, e ia
até à galáxia mais próxima.
Às vezes penso, e se tudo
isto não existir.
E formas apenas um
pedacinho de sono, em pequenos círculos…, na ponta de um elástico…, nas mãos de
Deus?
Enquanto isso, ele…
Consulta o “Tractatus
Logico-Philophicus” …
O Senhor Mário de Sá-Carneiro
dispara o revolver na sua própria cabeça,
Aos vinte e seis anos…
Apetecia-me pedir ao
Pacheco algumas das suas Pachecadas, e ir por aí…
Ir por aí a declamar os
poemas de AL Berto.
E sabes, mãe…!
Está tudo no “Tractatus
Logico-Philophicus”, de Ludwig Wittgenstein.
27/06/2023
Vou por aí, andando e
pensando, quando me dizem que não devia pensar, porque um tolo não pensa,
porque quem pensa, é um tolo pensante…
Vou, vou andando e por aí…
ao som de Black Magic Women,
Vou por aí, andando e
pensando, pensando e voando… e enquanto voo, eu penso, penso que se não
existisse a gravidade, que se diga, não era grave, no entanto, eu penso,
Que não precisava de asas
para voar, não, nada disso, penso que…
Em tanta coisa que penso,
Mas penso.
E que sim, que avencem as
tropas de Santarém em direcção ao Terreiro do Paço,
Sentava-me e pensava, e
contava todos os cacilheiros que invadiam os meus olhos, meu Deus, eram tantos
e tantas…
Para a frente,
E para trás,
Uns eram cegos, outros
eram lindos… e outras,
Outras pareciam uma
pequena bolha numa mísera folha de alumio, no entanto, muito depois, o AL,
perceba-se, símbolo químico do alumínio, em criança…
Sabíamos na ponta da
língua qual era o símbolo químico da navalha,
K2ou3,
As tropas de Santarém
estão a fazer a aproximação ao Terreiro do paço, e eu, e eu aqui sentado em
frente ao Terreiro do Paço, como se fosse uma criança com cabelos compridos e
loiros…
Nada de bom tenho,
pensava, do pouco que me sobeja, não me sinto… digamos, discriminado,
Tenho mais sonhos
sonhados do que a maioria de todos estes cacilheiros, e mesmo assim, querem que
eu seja…
Deus.
Raio.
E se Deus quiser, um dia,
qualquer dia, tanto me faz… o dia, desde que seja de noite, com luar, sem luar…
As tropas começam a
desenhar sorrisos nos lábios da noite, eu tinha ficado por aquelas bandas,
talvez tivesse adormecido num qualquer banco de jardim, não seria a primeira
vez,
E a bolha, como os
cacilheiros, dançava nas mãos de uma criança, que não gostava que as acácias
chorassem,
Mas elas, teimosamente,
Choravam.
Vou por aí, andando e
pensando, quando me dizem que não devia pensar, porque um tolo não pensa,
porque quem pensa, é um tolo pensante…
E tanto as tropas como
eu, estávamos a cagarmo-nos para o tolo, se pensava ou não pensava, se fodia ou
não fodia, e a maior parte das vezes, era fodido,
Escrevia cartas durante a
noite, para a noite. Eles e elas e os cacilheiros…
Indiferentes que eu
tivesse dormido num banco de jardim.
Erguia-me, olhava-me no
espelho da manhã, desenhava com um lápis de cor um pequeno sorriso na mão, e
voava…
Quando nos teus braços,
já as tropas de Santarém colocavam as algemas nos teus lábios,
Um baixote, muito baixo e
muito gordo, que agora é proibido de dizer e de escrever,
Mas claro, eles querem
que eu me foda, e claro também, eu, eu quero que eles se fodam,
Nomeadamente quando esse
mesmo baixinho e gordo das tropas de Santarém informa a madrugada,
Alô, comando territorial
do sono,
Lisboa é nossa.
Bravo, bravo…
Que sim. Que felizes eles
estavam…
E eu, dormia num banco de
um qualquer jardim da cidade dos sonhos.
Abraçava o Tejo, o Tejo
abraçava-me, e sabíamos que numa qualquer manhã daquela Primavera… morreria a
insónia.
Por aqui, cacilheiro
número três mil e oitocentos, calça quarenta e quatro,
E na boca,
Na boca esconde um pedaço
de sargaço.
Somos muitos, ouvia-os, e
mesmo assim, não aconteceu nada…
Vou por aí, outras vezes
por aqui, e de tolo em tolo, tínhamos tomado a cidade dos sonhos e toda a cidade
era apenas nossa,
Não acreditava em
janelas, não acredito em Deus,
E às vezes, converso com
Deus…
E que não devia pensar, e
que sou um tolo pensante, penso,
Penso como apareceu toda
a matéria do Universo, toda ela concentrada num pequeno espaço como o da cabeça
de um alfinete, e claro, eu acredito…
Eu acredito.
No entanto, o tolo que
pensa, pensa
Quem colocou toda a
matéria do Universo dentro daquele pequenino espaço do tamanho do da cabeça de
um alfinete?
Claro que não foi Deus,
porque naquela altura, certamente
Andaria muito ocupado.
Mas penso.
E admitindo que numa
qualquer tarde, enquanto Deus se deliciava com o seu cigarro, ele, ele
resolvesse colocar nesse mesmo pequenino espaço do tamanho do da cabeça de um
alfinete,
Toda a matéria,
Será?
E toda a matéria, de onde
veio?
Das mãos das tropas de Santarém
que agora mesmo tomaram Lisboa aos cacilheiros,
Que porra.
O alfinete de tanto
esperar, dizem que Deus é tão perfeito e ao mesmo tempo,
Muito vagaroso,
Diferente
De preguiçoso,
O desgraçado do alfinete,
espirrou… um grande espirro…
E voilà,
E definitivamente
É criado o Universo,
Há bebidas grátis, há
porco no espeto…
Claro que as coisas
menores,
Aos poucos,
Foram crescendo no
arvoredo da tarde.
Por aqui, por aí,
Os tolos que pensam, são
os mesmos tolos que Deus enviou para Marte.
E até hoje,
Ainda não regressaram,
nem regressarão mais.
Para concluir, senhor
professor, diria que toda a matéria que existe no Universo veio do nada,
Portanto,
Do nada,
Um pouco de anda,
Poderá nascer tudo,
Acredita nisso, Francisco?
Acredito, professor,
acredito…
E há quem duvida de toda
a beleza criada por Deus…
E há quem duvide da existência
de Deus.
Francisco Luís
Terreiro Paço, 10/06/1013
(ficção)