sábado, 11 de maio de 2024
domingo, 21 de abril de 2024
sábado, 8 de abril de 2023
Pobre menino
Podia ser ontem
Enquanto as tuas mãos
inchavam no sorriso da ausência
Das pobres janelas
E das portas
De todos os montes e
vales
De todas as pedras
Em todas as árvores
Quando nem todos os
pássaros
E podia ser ontem
Enquanto as tuas mãos
mergulhavam nos lábios da geada
Entre vinhedos
Dos tristes milagres de
Deus.
Acorrentado a este rio
De doirado silêncio
Quando descem sobre mim
as nuvens tempestuosas
Que transportam o sangue
derramado das tuas veias
Quando ainda ontem
As tuas mãos mergulhavam
nas estrelas da noite
Embriaguez dos distantes carrosséis
entre linhas
Dispersas sobre o mar.
Podia ser ontem
Mas ontem era dia de
descanso
O derradeiro repouso
Quando pegas no último
vinho
E o bebes
Veneno
Passaporte para o lunar
destino.
E pobre
Este pobre menino
De poeta enforcado
A trapezista aposentado
Tão pobre
Tão…
Amado?
Quando ainda ontem
As tuas mãos eram
límpidas como a Primavera
Como os gladíolos
Como as palavras quando
se soltam dos lábios
Ressequidos
Mergulhados no ontem
Quando se fosse ontem…
Hoje
Tão pobre
De destino
Este pobre menino.
Podia ser ontem
E a ausência continuava
na gabardine da insónia
Podia
E se fosse ontem
Uma chuva de lágrimas deixava
sobre ti o silêncio
Quando ontem seria pouco
E de pouco em pouco
Aos teus lábios regressam
as sanzalas
E os mabecos que ainda
ontem
Brincavam junto a mim
Quando ainda ontem…
Desenhávamos canções no
vento…
E corações na areia fina
do Mussulo.
Podia ser ontem.
Não o foi porque dizem
que a sexta-feira é dia de azar
Que todas as
sextas-feiras um cadáver de sono
Acorda junto ao jardim
E ainda ontem andava por
aí…
Em pequenas brincadeiras
Entre pequenos soluços
Quando ainda ontem
Das suas mãos
Recebia as palavras
semeadas durante a noite.
E que seja hoje
E que seja amanhã
Porque não sendo ontem
Também não importa
Se foi ontem
Se poderá ser hoje
Ou qualquer dia
Mas se tivesse sido ontem…
Certamente levaria nas
mãos toda a minha poesia.
Francisco
08/04/2023
terça-feira, 31 de janeiro de 2023
Perdão
Abraço-me a este rio ensonado,
Olho as montanhas do teu
olhar,
Sento-me neste socalco
abandonado…
À espera de que a lua me
venha resgatar,
E se a lua me levar,
Deito fora a tristeza
E todo o silêncio do mar,
Abraço-me a este rio de
enorme beleza,
E cruzo os braços no meu silenciar,
Acendo este cigarro
invisível e inventado…
Que o meu corpo vai
matar,
E se eu morrer nos lábios
deste cigarro assassino,
Deste maldito cigarro
envenenado,
Peço a Deus o perdão… que
perdoe este pobre menino.
Alijó, 31/01/2023
Francisco Luís Fontinha
domingo, 29 de janeiro de 2023
Destino menino
Um pedaço de mim,
É o vento que vagueia
sobre o mar,
Outro pedacinho,
Muito mais pequeno de que
o pedaço que vagueia sobre o mar,
Que também me pertence,
Dorme nos lábios do luar,
Numa das mãos, na minha
mão esquerda,
Brinca uma criança mimada…
Na minha outra mão,
Cresce uma flor,
Em papel crepe,
E se eu pedir à madrugada
As palavras semeadas,
A madrugada não me dará nada,
Pelo contrário,
A madrugada dar-me-á as
palavras envenenadas,
Que da minha mão esquerda,
A criança mimada,
Lança ao meu olhar,
Um pedaço de mim,
É xisto que dança nos
socalcos do Douro adormecido,
Um pedaço,
Um pedaço de mim…
Que eu transportava sobre
o meu corpo dorido,
Agora, em todos os meus
pedacinhos,
Há um rio rectilíneo,
Sem curvas,
Sem medo…
O medo do destino,
De ser o eterno menino.
Alijó, 29/01/2023
Francisco Luís Fontinha
segunda-feira, 28 de novembro de 2022
Corpo de menina
Escrevo neste
rio teimoso
Rio que habita
no meu peito
Escrevo nos teus
olhos
As lágrimas do
amanhecer
Escrevo e não
escrevo
Mas temo que o
não possa fazer
Quando nos teus lábios
Crescer uma
flor.
Escrevo neste
rio envergonhado
Que dentro de
mim se perdeu na enxada da saudade
Dos dias sem
dormir
Nas noites quando
penso em ti
Montanha desalojada.
Escrevo com esta
pincelada enxada
No teu corpo que
desce a colina
Escrevo e não
escrevo
Escrever em teu
corpo de menina.
Alijó,
28/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
segunda-feira, 7 de novembro de 2022
Flor deste Doiro rio
Há uma flor
aprisionada
Dentro do
castelo luar
Há uma flor que
dança
E não se cansa
Dos lábios do
mar
Há uma flor
amada
Junto ao Doiro
rio de encanto
Uma flor em
papel colorido
Que dizem ter
vencido
A força do vento
Alijó,
07/11/2022
Francisco Luís
Fontinha
terça-feira, 4 de outubro de 2022
Quando tudo arde
Enquanto
tudo arde,
As
minhas palavras são assassinadas,
Enquanto
tudo arde,
As
minhas telas… também elas, ardem,
Enquanto
tudo arde,
O
sono transforma-se em insónia,
A
paixão…
A
paixão também arde,
E
pego nas cinzas,
Semeio-as
nas encostas do Douro,
Sento-me
sobre este rio…
E
também eu, sinto-me em chamas,
E
espero que a noite me leve.
Enquanto
tudo arde,
As
minhas palavras,
As
minhas telas… morrem.
Alijó,
04/10/2022
Francisco
Luís Fontinha
sábado, 3 de setembro de 2022
Rio Douro
Por
este rio doirado,
Entre
rochedos e socalcos de perder o olhar,
Entre
sombras e vinhedos,
Por
este rio amado,
Afugentando
enxadas e medos
No
silêncio madrugar,
Por
este rio cansado,
Onde
o horizonte se esquece de acordar
E
os homens labutam até à morte,
Por
este rio apaixonado,
Onde
crianças sem sorte
Foram
condenadas a trabalhar,
Por
este rio doirado,
Que
a alma não esquece…
E
o corpo sente o cansaço,
Por
este rio embriagado
Pelo
sol aquece
E
dorme num pequeno abraço.
Francisco
Luís Fontinha
Alijó,
03/09/2022
quinta-feira, 21 de abril de 2022
As andorinhas do meu País
Onde poisam as andorinhas
Do meu país!
Onde brincam os poetas
Do meu País!
Onde habitam
As pedras do meu País!
Onde estão os sonhos do
meu País!
E bebo deste rio
A saudade do meu País,
E alicerço no meu olhar
A revolta do meu País,
E sonho com as madrugadas
Do meu País…
Todos os dias!
A todas as horas!
Onde poisam as andorinhas
Do meu país,
Que no papel amarrotado
Escrevo ao meu País,
E enquanto pinto este
rio,
Uma enxada,
Despede-se do meu País;
Com fome. Com sede.
E sonho com as madrugadas
Do meu País…
E sonho com os rios
Do meu País.
E esta andorinha que não
voa,
Porque no meu País
Roubaram as madrugadas,
Porque no meu País,
Roubaram as palavras,
Porque no meu país já
somos poucos… ou quase nada.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 21/04/2022
quinta-feira, 12 de agosto de 2021
Um gajo com mau feitio
Sou um gajo de mau
feitio, pensava eu enquanto me entretinha a olhar o espelho convexo da noite,
olhava pela janela,
Em voz alta,
Ela parecia ter saído dos
banhos nas Termas de S. Pedro do Sul,
Em criança,
O livro comprado no Café
Tavares, em frente ao rio, lia o sorriso dos patos bravos acabado de acordar e,
mal sabia o que era a paixão.
Duas coisas eu já sabia;
ser filho único e com mau feitio,
A noite trazia-lhe as
mentiras das montanhas adormecidas, sexo só à noite, junto aos pinheiros e, ela
sempre que acordava,
Ele,
Não sabia nada à cerca do
ciúme. Tinha fome. Alimentava-me de cigarros adormecidos, café envenenado por
uma cidade esquecida na tempestade e, debruçava-me no parapeito da forca,
estendia a cabeça, colocam-me a corda no pescoço e, voava até ao infinito.
Morreu de quê?
A saudade da mãe, os dias
intermináveis junto a um rio ancorado na neblina, folheava todas as fotografias
e, nada a dizer; amanhã ele estará melhor.
O avô questiona-o se já
tinha terminado a tropa e, com sorrisos embrulhados em mentira
Já, avô, já estou em
casa.
Não sabia o que era a
geada, tinha medo da neve e, pensava que as primeiras botas calçadas pertenciam
às forças especiais de qualquer ramo das forças armadas. Feridas. Dor. Das mãos
regressavam as aldeias em frieiras,
Calça as luvas, Luisinho!
Podia ter nascido em Trás-os-Montes,
mas não era a mesma coisa.
Olhei este vosso, meu,
Rio Douro. Mais tarde mostravam-me os encantos do Tua e, nunca mais chorei por
ela.
Uma cidade abandonada,
musseques engasgados no capim envelhecido, ao longe, o velho Zacarias, fumava
pedras da calçada,
Tão lindos os mabecos!
Numas longínquas férias
da Páscoa apaixonei-me por uma trapezista de um circo sem nome, no seu enlace,
Caminhei até às proximidades
do Ujo, perdi-me,
E, talvez hoje fosse
Presidente do Conselho de Administração do Circo sem nome, além, as gaivotas
dormem nos braços das mães que espreitam as mãos nocturnas da montanha, chovia
derradeiramente e, não havia nada a fazer; pelos vidros invisíveis das janelas
regressava até mim o silêncio travestido de frio, a porta de entrada sempre
aberta, alguém tinha furtado a fechadura e, em dias de geada, ao descer as
escadas embebidas no fino oiro geada, tombava e, rebolava até ao chafariz.
Na praça. Da praça.
Fotografaram-me junto à
Gricha, sentei-me em cima do burro e, tombei.
Todas as manhãs navegava
nas gavetas da paixão, escrevia palavras nas paredes do quarto, levei nos
cornos da minha mãe e, pedia ajuda ao meu pai: estava salvo. Mais um livro que
trazia na algibeira, quase sempre adquirido na papelaria Grifo. O hiper dos
anos 40, 50…, sentado na parte mais estreita do meu corpo, sentia o baloiço dos
meus ossos contra a manhã, dias seguidos enclausurado nas paredes amarelas da
hepatite.
À noite, percebia que de trapezista
eu nada percebia, chegar um dia a Presidente do Conselho de Administração, pior
ainda.
Sou um poeta.
- Novamente atrasado, Sr.
Fontinha
Sou um gajo de mau
feitio, pensava eu enquanto me entretinha a olhar o espelho convexo da noite,
olhava pela janela,
Em voz alta,
Ela parecia ter saído dos
banhos nas Termas de S. Pedro do Sul,
Em criança,
Foi o trânsito, meu
Capitão, as mulas estavam furiosas.
O avô Domingos espetava
pregos nos machimbombos, nos bolsos guardava a fotografia das filhas, mulher e
netos, sem que eu percebesse, que junto a eles e a elas, habitava um ascendente que tinha nascido em Lisboa e era cocheiro. O meu bisavô.
Hoje, quase todos, pó.
Eu, transeunte modificado
geneticamente, espero que acordem as ruas de Carvalhais.
Fui. Disse ele.
E, nunca mis regressou à
cidade da saudade.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 12/08/2021
quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021
Sábado
Sabíamos que era Sábado
porque estava escrito na parede da sala. Os gonzos pareciam envenenados pelo
silêncio e, uma sombra ténue projectava a insónia da pilha de livros junto à
janela. O rio durante a noite tinha galgado o quintal, ao menos, apenas as
árvores ficaram submersas, como se fossem corpos embalsamados dentro do tumulo.
Ia à janela, puxava de um
cigarro e, desenhava palavras na vertente norte da solidão, poisava a minha mão
na mão dela, acariciava-lhe o sorriso com um pequeníssimo olhar e, percebi que
tenho mais jeito para escrever do que ser engenheiro; às vezes sinto o peso dos
retractos nos ombros, uma sensação estranha que só percebo depois de acontecer.
Entre momentos, pequenos instantes, pincelava-a com o meu olhar de transeunte desnorteado
à procura de um milagre. Precisava mesmo de um milagre, segredava-lhe ele ao ouvido.
Era um gajo antipático
com um feitio de merda, não gostava de multidões e, sempre que era Sábado,
religiosamente como quem vai à missa das dezoito horas, dava-lhe na telha de
pegar nos álbuns de fotografias e, entre silêncio, manuseava cada retracto como
se fossem simples flor. ,
Hoje o rio estava
cansado; tal como ele se sentia todos os Sábados ao acordar.
Prisioneiro das sombras do
Além.
Escrevo cartas a Deus.
Envio-as para o endereço mais curto que conheço; Avenida das Almas, nº 5 –
Lisboa. Nunca obtive resposta. As palavras, quando escritas para ele, adornavam-se
em cima de uma secretária bolorenta, carcomida pela ferrugem dos sonhos, que
durante a noite, boiavam nos socalcos do medo.
Nunca me levas a passear.
E, é hoje que vamos
passear. Levamos umas laranjas, alguns poemas e, fazemos um piquenique
literário.
Como assim?
A ponte, meu amor.
As coisas boas, meu amor.
Este gajo é insuportável.
Pronto, disse.
Sabíamos que era Sábado
porque estava escrito na parede da sala. Os gonzos pareciam envenenados pelo
silêncio e, uma sombra ténue projectava a insónia da pilha de livros junto à
janela. O rio tinha acordado com uma tremenda dor de costas, ora bem, a idade
também não ajuda e, o caminho é tumultuoso, de pedra entre pedra, contando
pontes e pontões, já tinha caminhado por baixo cerca de trinta e cinco, não
esquecendo o lixo que tem de transportar até à Foz.
Tudo é lindo quando acaba
bem, segredava-lhe ela ao ouvido.
Sabes, dizia ele, até
parece que hoje é Sábado.
Sábado, hoje?
Sim, fui ao cemitério e
vi muita gente para um normal dia. Coloquei-lhes flores, velas e, conversei com
eles. Têm sempre uma palavra carinhosa para comigo, não admira, sou filho.
A ponte, meu amor.
Nunca me levas a passear.
Sábado, meu amor. Sábado.
Francisco Luís Fontinha,
Alijó 10/02/2021