Apenas te posso oferecer palavras e lágrimas, meu amor,
é tudo tão estranho…
Quando o sr. Presidente da República proferiu que o Dr. António Costa por ser Oriental era lento ou que o Dr. Montenegro era Rural, as virgens não ficaram ofendidas.
Haja paciência, já não se
pode dizer nada.
a janela para o teu olhar
perdido eu
esquecido eu
neste veleiro desgovernado
na solidão do mar
perdido eu
na porta do amor
nos cortinados de amar
a janela para o teu olhar
perdido eu
esquecido eu
perdido eu
esquecido eu
na janela para o teu olhar
encerrada hermeticamente
como um cubo de vidro
na fogueira da noite
perdido eu
esquecido eu
sem janela para o teu olhar.
Neste livro
Onde escrevo todos os dias
Onde escondo o dia
E as tristezas da noite
Dentro deste livro
Uma mulher em suicídio
Sucumbe à deliria loucura
Nos olhos do mar
Deste livro
Sem olhos de mar
Neste livro onde escrevo todos os dias
Onde escondo o frio
De onde liberto aquele rio
Que se perdeu no nome
Que não dorme
Que tem fome
Este livro
Que ninguém lê e que ninguém percebe
Porque da janela deste quarto
Se vê o mar
E se ouve o mar
Com barcos de papel
E de brincar
Dentro deste livro
Uma mulher
Que grita
Chora
E se revolta com a vida
Com o poema
Com a poesia
E com o cabrão do poeta
Que sou eu
Aquele que escreve este livro
Aquele que finge gostar do dia
Este livro
Este pequenino livro
(o vinil termina, levanto-me e continuo mergulhado em Mão
Morta)
Que se faz tarde
Dentro deste livro
Pequenino
Para a menina e para o menino
Neste livro
Onde escrevo
E escondo
O que escrevo
Vénus do Fogo
Livro das pérolas de ninguém
Este livro que todos o têm
Menos eu
Que sou fidalgo
Que o escrevo
E que nunca o vou ter
Neste livro
Onde habita a Vénus do Fogo
E os monstros de querer
Um dia
Talvez
Que este livro seja gente
Talvez esta cidade seja este livro
E aquela gente
Filhos deste livro
Nas mãos de Deus
Ou nas mãos de um outro qualquer impostor
Que este livro seja sempre um livro
A luz nos teus olhos
Que este livro seja a bala
Que rompe pela madrugada
E cai na cama de um coitado magala
Que este livro além de ser gente
Seja a gente
Que lê este livro
Que limpa o cu às folhas deste livro
Sem o arraial prazer do simplificado parafuso de
pressão…
Morreu enfartado com chocolates
Escreveu este livro
E escondia sarna nos tomates
E o seu pequenino testamento
Tudo o que tenho
Todos os meus livros
São para alimentar este livro
Onde se esconde a Vénus do Fogo
E todas as putas-flores que não gosto
Não gosto deste livro
Mas escrevo este livro
Detesto cebola e alho
E como arroz com letras arroz com palavras arroz com
arroz nas mentes…
Desdentadas
Escrevo este livro
Acordo
Aos poucos, este livro
Este pequenino livro
Que escrevo
Onde se esconde a Vénus do Fogo
A fogueira da minha aldeia
E uma candeia com azeite…
Liberta-se deste livro
Aquele que é feliz e escreve o outro livro
Porque este livro
Não me pertence
Não me pertence
Escrevo este pequeno livro
Sofrido
Pequenino
Com sono
Às vezes
Este pobre menino
Neste livro
Que finge orgasmos na madrugada
Que bate o pé
E abre a janela
E lança-se da janela
E voou e voa
Sobre o mar
E sobre ti
Deste livro
No livro que senti
O peso do papel
O motor a estibordo
Lançando fumo para a cabine do Comandante
Sobre a ponte
Um morto e três feridos graves
Deste neste livro
Que livro que dia em livro no desenhado livro
Foi-se
Morreu
E acordou três dias depois
Mais bêbado do que quando tinha adormecido…
Sofrido
Sorrindo a corações de areia
A janela coitada
Deixou pendurada a cabeça
E foi até à varanda fumar um pobre cigarro de sono
Sentou-se finalmente este livro
Finalmente em frente ao altar da vergonha
Onde reza este livro
Onde grita este livro
Sofre este pobre livro…
E sente ronha deste livro
Escrevo este livro
Dou vida a este livro
Papel engomado com o ferro de engomar
Vincos nas calças
Camisa do avesso
Por causa das bruxas
E lá vem este livro
Que ainda à pouco
O foi
E o será
Vadio
Sem nome
Mergulhado naquele rio
Despeça-se do menino
Se faz favor
Olhe que nunca mais vai ver o menino
Escreva que dia é hoje
Sábado
À lareira do sono
Sábado minguante enrolado numa lua luz
Abraçado a uma lua luz
Que bate à porta
Truz
Truz truz
Truz truz truz
Caiu-lhe a porta sobre o pé
Descreveu um círculo de luz com olhos verdes…
E zás
Hoje é o Comandante deste Navio apelidado de LIVRO.
30/09/2023
Em pó me transformarei
Do pó nasci e me criei
Poeira
Grãos de areia que fogem
da peneira
Pedaços de nada
Que se vestem de madrugada
Sem eira nem beira
Nem nada na algibeira
Em pó serei
Do pó acordei
Sem saber o preço do luar
Ou quanto custa um shot
de noite
No pó inventei
Poemas que sonhei
Poeira… envelhecida
poeira
Na poeira que serei
Serei pó
Serei húmus com sabor a
ausência
Da ciência
Em viver antes de ser pó
Antes de ser poeira
E estar só
Em pó me transformarei
Do pó nasci e me criei
Poeira
Sem saber o preço da
morte
Que está pelos olhos da morte
Do pó à poeira
Eu serei
Areia
Mar e poeira
30/09/2023
Desenho no teu ombro um beijo
Pego a tua mão de
silêncio amedrontado
Acaricio-a e escrevo nela
O quanto te amo
E desejo dentro deste
pequeno círculo de insónia
Perco-me e olho o tecto
onde está pintado o mar
Oiço a tua respiração ofegante
Dos cigarros fumados
Aos cigarros que nos vão
matar…
Pego na tua mão
E beijo o teu sonolento ombro
Como se fosse uma espada
de medo
Em guerra com todas as
árvores da floresta
Beijos os teus lábios
Tu olhas-me e beijas a minha
mão
Mão que grita e escorraça
a escuridão do nosso leito…
Mão que pega no lençol do
desejo
E o esconde no teu ventre
Desenho no teu ombro um
beijo
Pego a tua mão de
silêncio amedrontado
Acaricio-a e escrevo nela
O quanto te amo
Dentro desta planície de
palavras
Que te as ofereço
Embrulhadas nos meus
beijos;
Amo-te.
28/09/2023
Afasta-te de mim
Afasta-te da minha voz
E das minhas mãos
Afasta-te das minhas
palavras
Das minhas noites…
E das minhas equações
Afasta-te do meu olhar
Afasta-te dos meus poemas
Os que escrevi
E os que irei escrever
Afasta-te do meu mar
E dos meus sonhos
Afasta-te da lua a
crescer
E do luar
Poisado nos meus braços
Afasta-te dos meus beijos
E dos meus cansaços
E afasta-te dos meus
livros
Que escondo nos meus abraços
28/09/2023
Meu pequeno solstício do desejo
Meu poema
Minha oração cansada
Quando deitada
Nesta cama
Sem perceber
Se um dia ao acordar
Também acordará a poesia
A mentira fictícia da
ausência
Entre o sonho e o mar
Entre o mar
E o dia
E o dia em clemência
Pedindo
Ordenando que acorde também
a noite
Quando um pedaço de tudo
Se ri de mim
E rindo
Também me rio também me amar
Do mar eu
Ao teu nosso mar
Meu pequeno solstício do
desejo
Meu poema
Minha oração cansada
Quando deitada
Nesta cama
Dos livros nossos livros
Das nossas flores
Flores nossas mãos
entrelaçadas
Ao lençol de neblina
Que cobre a tua pele
Do linho amargo ao
silêncio-pastel
Deitado na tela
Deitado no teu ventre.
27/09/2023
Pego no teu cabelo
Sonâmbulo acordar da
manhã
Pego no teu cabelo e
lanço-o ao vento
Como se fosse uma semente
Ou um pedaço do meu
pensamento
Como se fosse um corpo
que não sente
Indolor dentro deste
pequeno cubo de silêncio
Pego no teu cabelo e lanço-o
ao vento
Primeira lágrima da manhã
Que me mente
E me diz que não habita o
sofrimento
Nos teus olhos de mar
Neste velho jardim com
sabor a mágoa
Pego no teu cabelo
Pedaço de vinho
Neste cálice doirado
Pego no teu cabelo
abençoado
Que voa sobre o luar
Sem perceber que na minha
mão
Brinca o Outono
Pego no teu cabelo
Sonâmbulo acordar da manhã
Janela virada para o mar
Quando as algas são as
Princesas da preia-mar
Que no teu cabelo eram
crianças… crianças de brincar.
24/09/2023
Às vezes éramos apedrejados pelo silêncio
Às vezes éramos escravos
Do silêncio
Às vezes gritávamos
Às vezes chorávamos
Às vezes tínhamos em nós
toda a alegria
Às vezes sentíamo-nos os
filhos do poema
Da poesia
Que às vezes atrapalhava
o dia
Às vezes marchávamos em
direcção ao mar
Às vezes fazíamos de mar
Quando o mar
Às vezes
Se disfarçava de um outro
mar
Às vezes ouvíamos o apito
do comboio
Na algibeira de transeuntes
aflitos
Com fome
Que às vezes sentíamos
enquanto o sono não regressava
Das vezes que se despedia
E nós sem saber o
significado de manhã
Quando às vezes
Se perde um sorriso no
meu olhar
E lá se vai a manhã
De apenas algumas vezes
Às vezes fugíamos
E às vezes pegávamos nas
espingardas da insónia
Disparávamos incenso contra
o sol
E sal contra a lua
E de todas as vezes
Regressavam sempre a nós
as outras vezes
Dos dias de às vezes
Meio-escondidos na rua
Meia-lua dos teus olhos
Que às vezes ofusca
Que às vezes me chama
E lamenta
Esta espingarda de corda.
23/09/2023
Sou guardião do teu olhar
Ó salgado mar!
Sou guardião do teu olhar
Sou pedaço de palavra que
brinca com o luar
Sou estrela que não se
cansa de brilhar…
Do teu doce olhar,
Sou guardião do teu olhar
Sou maré infinita
Manhã faminta
Sou árvore sonolenta
Que dança ao silêncio do
vento
Que lamenta o invisível
sorriso
Da sombra ferrugenta.
19/09/2023
Perco-me neste labirinto
Procurando a sombra da
tua mão
Na tua mão que sinto
Que sinto a tua mão
Perco-me dentro deste
livro de poesia
Procuro neste livro os
teus olhos de mar
Procuro neste livro o
sorriso do dia
E as lágrimas do luar
Procuro neste labirinto
de insónia adormecer
As primeiras palavras da
madrugada
E sem querer
E sem o desejar
Procuro neste labirinto o
teu rosto de cansada…
Quando este labirinto é
os teus olhos de mar.
Alijó, 15/08/2023
Francisco Luís Fontinha
Porque morrem,
Meu amor
As flores do teu cabelo,
Porque dançam,
Meu amor
As abelhas que brincam no
teu cabelo,
Porque morrem,
Meu amor
As flores e as abelhas e
os rios
Do teu cabelo,
Porque morre,
Meu amor
O desejo dos teus lábios
Na tua boca,
Porque morre,
Meu amor
Nos teus lábios,
O meu beijo clandestino,
Porque morrem,
Meu amor
As estrelas dos teus
olhos,
Quando os meus olhos…
São um diamante por
lapidar,
Porque morre,
Meu amor
Nos teus olhos o mar
E o sonho do eu menino…
Também morre,
Quando em ti…
Acorda o luar.
09/08/2023