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segunda-feira, 4 de março de 2024

Procurar

 

(para ti)

 

Procurei-te em cada gaveta do meu pensamento

não te encontrei

fiquei só na noite

sem saber se devia atravessar a ponte

se devia esconder-me neste sonho.

 

Procurei-te no silêncio

procurei-te na sombra

não te encontrei

esta noite

não te encontrei dentro deste rio.

 

Procurei-te até nos olhos deste poema

e também não estavas

quem sabe

já não estejas no meu pensamento

como tanta coisa deixou de estar…

 

 

(orgasmo literário)

sexta-feira, 1 de março de 2024

Sono

 

Dormi

acreditando que era um pássaro

vestido de sapato

que a seiva dos teus olhos me abraçava

dormi

acreditando que te amava

que me amavas

e que o teu cabelo me odeia

 

Dormi

acreditando que a charrua que trago na mão

é uma pedra para eu lançar contra a janela do teu olhar

que o rego que leva a água aos teus seios

é um pequeno fio de luz

incendiado pelo sono

dormi

acreditando que a palavra que trazes nos lábios

ainda não foi escrita

e vou ser eu a escrevê-la

 

Dormi

acreditando que o mar é o teu corpo sofrido

mastigado pela ausência de uma vírgula

ou de um ponto de exclamação

dormi

acreditando que os teus beijos são magnólias

são estrelas

são peixes

e são flores

dormi

acreditando que era um pássaro apaixonado

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Dúvida

 Não sei meu amor

O que Deus reservou para nós

Se é que reservou alguma coisa para nós,

Não sei o que Deus pensa de ti

De mim

Mas eu sei o que penso de ti,

Meu amor (menina com olhos de mar e lábios de mel),

Não sei meu amor

O que Deus escreve sobre nós

Sobre mim

Sobre ti,

Mas eu sei o que escrevo sobre ti…

Quando desce a noite sobre esta lareira,

Que me aquece,

Que me inspira,

Que me abraça…

 

Não sei meu amor

O que Deus faz enquanto penso em ti,

E os meus lábios escrevem em cada milímetro quadrado do teu corpo,

E as minhas mãos desenham no teu corpo

O silêncio vestido de saudade,

Não sei meu amor

Se Deus algum dia vai compreender-me,

Se é que alguém consegue compreender-me,

Se Deus algum dia me vai oferecer

Um pedacinho de noite,

Com estrelas em papel,

 

Não sei meu amor

Se Deus sabe matemática

(Einstein dizia que não),

Mas isso também não nos interessa

Meu amor,

Não sei

Meu amor

O que Deus reservou para nós…

(Se é que reservou alguma coisa para nós,

Não sei o que Deus pensa de ti

De mim

Mas eu sei o que penso de ti)

Mesmo assim,

Acredito…

E sonho!

 

 

 

03/11/2023

terça-feira, 31 de outubro de 2023

Poeta

 Podia ser muita coisa

Podia ser tudo

Prefiro ser eu,

Eu.

 

Podia ser poeta

Podia ser tantos poemas

Podia ser poeta, mas acabei por me ficar em Lanceiros dois,

Calçada da Ajuda,

Belém.

 

Podia ser o comboio,

Um popó topo de gama,

Podia ser uma bicicleta, triciclo com assento em madeira,

Podia,

Mas prefiro ser livro,

Prefiro ser lido, folheado,

Como se folheiam os livros,

Como se folheiam os poetas enforcados.

 

Podia ser muita coisa

Podia ser tudo

Prefiro ser eu,

Eu.

 

Eu, o mais ínfimo pigmento de tinta,

Eu, o mais pequenino de todos os poemas pequeninos que se escreveram até hoje…

Num livro, pequenino,

Podia ser muita coisa

Podia ser tudo,

Prefiro ser eu,

O louco travestido de Primavera,

O louco das finas tardes junto ao rio,

 

Zarpavam os barcos,

E eu, e eu podia ser marinheiro, comandante de navio,

Telefonista de um grande petroleiro,

Podia,

Eu.

 

Podia ser tanta coisa…

Tanta coisa que havia para eu ser…

E fiquei-me pelo poeta das noites embriagadas, das noites envenenadas pelo silêncio da espuma-estrela, ou da estrela-espuma…, que habitam a noite, que se vestem de noite,

Se cansam do dia, das marés, e fiquei-me pelo poeta desassossegado, em busca do mar, em busca da terra, queimada, e tanta coisa que havia para eu ser…

 

 

31/10/2023

sábado, 28 de outubro de 2023

Do silêncio voz que te oiço

 Oiço a voz do silêncio

Que me traz a madrugada

Disfarçada de noite

Em noite ensonada

De nada

Amanhã um beijo nos teus lábios

Depois

Oiço a voz do meu relógio

Que me diz

Que me grita;

Amanhã são horas de sonhar.

 

Oiço a voz do silêncio

Dos teus lábios em palavras que recebo

Permitindo-me afoitar esta lareira

Nos intervalos de minha infame-glória

Viver acorrentado às primeiras lágrimas da manhã…

 

E dormir nos teus braços.

Azáfama das tuas mãos no meu rosto dorido

Às vezes triste

Às vezes sofrido

Quando oiço pela manhã

Quando recebo a noite…

A voz do silêncio,

 

Oiço a voz do silêncio

Que me traz a madrugada

Disfarçada de noite

Em noite ensonada

De nada,

Esta velha jangada

Em pedra lapidada

Durante a noite

Quando os nossos corpos se fundem

E formam a mais ínfima partícula do desejo

Da voz do silêncio

No silêncio de viver.

 

 

28/10/2023

quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Insónia

 Em cada pedacinho de noite

Há um segundo de sono

Em cada silêncio de noite

Há um minuto de tristeza

E um indeterminado tempo infinito de insónia…

 

Em cada pedacinho de noite

Há uma lápide de Inferno

Com o meu nome

Com a minha morada

A cada silêncio de sono

Acorda um triste olhar de insónia

Em cada pedacinho de noite

 

Um segundo de noite

Em cada noite

Um segundo de Inverno

Enquanto o meu corpo se transforma em noite

Da noite em pedacinhos

Quando se despede a madrugada.

 

 

18/10/2023

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Dia de chuva

 O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

O que espero eu

Desta cidade envenenada

Nesta cidade de latidos

De gritos

De suspiros

 

O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

O que me espera

Depois de um dia de chuva

Sentar-me?

Fumar-me?

Beber-me?

O que posso esperar

Eu

Depois de um dia de chuva

 

Depois de uma morte anunciada

O que posso esperar eu

Depois de um dia de chuva

Enquanto a noite regressa

Lentamente ao meu corpo

E espero

Que as estrelas em papel

Se transformem em mel

 

O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

Quando os pássaros já dormem

E eu

Sei que não dormirei

 

Enquanto espero pelo que me espera…

Depois de um dia de chuva.

 

 

16/10/2023

sábado, 30 de setembro de 2023

Morte

 Em pó me transformarei

Do pó nasci e me criei

Poeira

Grãos de areia que fogem da peneira

Pedaços de nada

Que se vestem de madrugada

Sem eira nem beira

 

Nem nada na algibeira

Em pó serei

Do pó acordei

Sem saber o preço do luar

Ou quanto custa um shot de noite

No pó inventei

Poemas que sonhei

Poeira… envelhecida poeira

 

Na poeira que serei

Serei pó

Serei húmus com sabor a ausência

Da ciência

Em viver antes de ser pó

Antes de ser poeira

E estar só

 

Em pó me transformarei

Do pó nasci e me criei

Poeira

Sem saber o preço da morte

Que está pelos olhos da morte

Do pó à poeira

Eu serei

Areia

Mar e poeira

 

 

30/09/2023

Jardim sem nome

 Meu pedacinho de silêncio envenenado

Flor deste jardim sem nome

Minha insónia que não dorme

Neste meu corpo cansado,

Minha lua florescida

Ténue clandestina solidão

Que sofre em vão

Com cada noite perdida,

Meu pedacinho de tudo, flor deste jardim sem nome

Quando a manhã se levanta da tua mão

E poisa no meu coração

Este poema com fome.

 

 

30/09/2023

Janela

 Da minha janela,

Da minha janela, meu amor, um pássaro que canta,

Digamos que está feliz

E encanta

Este pobre rapaz

Este pobre… petiz,

 

Da minha janela,

Pessoas apressadas,

Mulheres em correria, compras, noites cansadas,

Um poema que morre

E um poema que se suicida no teu olhar,

 

Da minha janela, meu amor,

Nada,

O que tem a minha janela que todas as outras janelas não têm?

O mar,

A minha janela tem o mar

E os segredos do teu olhar,

 

Da minha janela, meu amor,

Nada,

Não tenho cortinado,

Na minha janela,

Da minha janela, uma flor,

Os teus olhos…

E um poema que se encanta

Com a minha janela,

Com o teu sorriso de oiro adormecido,

 

À janela,

Da minha janela,

Meu…

Pedaço de pigmento abraçado à insónia…

Desta janela,

Sem nome,

Sem cortinado…

 

Da minha janela,

Coitada da minha janela…

Ela está sempre triste,

Ela está sempre maldisposta comigo…

Da minha janela,

Os teus lábios de mel,

A Princesa das noites sem janela,

Desta janela, meu amor,

Desta janela apenas recebo os teus beijos…

 

 

30/09/2023

quinta-feira, 28 de setembro de 2023

Espelho

 Despimo-nos em frente ao espelho da saudade

Erguemos as mãos às flores daquele jardim

Que transpira de alegria

Despimo-nos em frente ao mar

E não tenhamos medo da neblina

Que nos visita pela manhã

 

Despimo-nos em frente ao espelho da saudade

Tarde árdua em pequenas marés de engodo

Que morre pela boca

Que grita e se revolta

Despimo-nos então…

Contra a noite que não volta

 

 

28/09/2023

terça-feira, 26 de setembro de 2023

Cinzento silêncio

 Abraço-te com os meus braços de cinzento silêncio

Beijo-te com os meus lábios de mar encarnado

Pego na tua mão

E dançamos sobre a espuma do desejo

Abraço-te e beijo-te

Enquanto um pedaço de dia

Se perde na tua mão

Abraço-te com os meus braços de invisível paixão

Enquanto respiras ofegante

Dos cigarros que fumamos

Dos cigarros e lançamos sobre a espuma dos dias

Beijo-te e beijo o teu ombro

Onde brinca uma sanzala de prata

Com perfume de infância

Abraço-te com os meus braços de cinzento silêncio

Pássaro nocturno

Estrela Polar dos meus olhos…

E beijo-te e beijo os teus seios…

Antes que regresse o primeiro vagão da manhã

E com ele

A tristeza

 

 

 

26/09/2023

domingo, 24 de setembro de 2023

Despedida dos teus olhos

 Cai a noite

Nos teus olhos

E pouco tempo disponho

Para olhar os teus olhos

Cai a noite nos teus olhos

E pouco tempo tenho de respiração

E pouco tempo tenho de vida

Quando cair a noite nos teus olhos

Todo o mar ficará à deriva

E nos meus braços

Ficarão todos os barcos

 

E as lágrimas dos teus olhos

Cai a noite

Cai a noite nos teus olhos

Pergaminho doirado

Silêncio endiabrado nas mãos de Deus

Quando cai a noite nos teus olhos

E pouco tempo tenho de vida

E quase não tenho tempo para me despedir

Dos teus olhos.

 

 

24/09/2023

quinta-feira, 21 de setembro de 2023

O feliz ausentado

 Sento-me

Pego num cigarro

E penso

Penso que todos os loucos têm razão

Quando dizem

Que não estão loucos

 

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que um dia

Qualquer dia

Alguém vai encontrar uma partícula

Com velocidade dez vezes superior à velocidade da luz

E a luz

Deixará de ser o limite

 

Penso

Sento-me

E fumo o que penso

Penso que um dia

Qualquer dia

O pequeno-almoço serão dois gramas de poesia

 

E uma colher de literatura

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que um dia

Um qualquer dia

Não haverá noite

Não haverá dia

Haverá apenas fios de loiro Inverno nas mãos de uma criança

 

Penso

Ausento-me

E sento-me

Sento-me e fumo

Fumo do que me ausento

E bebo o que fumo quando me sento

E penso

Que um dia

Um qualquer dia

A chuva será de prata

E o Sol de oiro

E mesmo assim

Haverá gente

Gente que não sente

E infeliz

E triste como quem mente

 

Um dia

Sento-me

Ausento-me

E penso

Penso que não devia pensar

Que pensar dá trabalho

Cansa

E dá sono antes de adormecer

E mesmo assim

Penso

E fumo

E bebo o que penso

E penso o que bebo

E não bebo o que fumo.

 

 

21/09/2023

sábado, 16 de setembro de 2023

Tempestade

 Das sete espadas do inferno

Recebo as cabeças dilaceradas pelo poema em veneno,

Depois, pego em todas as palavras e semeio-as na sombra desenhada pela noite,

Mausoléu do silêncio, vírgula suspensa na tarde,

Das sete espadas, recebo o primeiro beijo da madrugada,

Vestido de negro,

E pincelado de medo.

 

Do rio sonolento, as vozes do inferno, chamam-me e apelam-me…

“que o dia se transforme em noite,

E as estrelas,

Em beijos croché com pedacinhos de sonho…”

Nunca terás as chaves do céu, dizia-me ele antes das sete espadas…

Partirem em direcção ao nada,

Quando o dia se cansa da tarde,

E velozmente,

Suicida-se na mão do Magala que está sentado na Torre de Belém.

 

Das sete espadas do inferno

Recebo as cabeças dilaceradas pelo poema em veneno,

Recebo o livro, recebo a morte,

Depois,

Sento-me e olho pelas janelas do inferno…

A planície vestida de branco,

Com árvores em papel,

Depois,

Sento-me e olho pelo tecto do inferno…

As estrelas vestidas de silêncio

E o sol,

E o sol olha-me,

Puxa-me…

E abraça-me como quem abraça a tempestade.

 

 

 

16/09/2023

Francisco