O meu pai faria hoje 86
anos. Que saudade!
terça-feira, 1 de outubro de 2024
domingo, 8 de outubro de 2023
Castelo
Sentamo-nos.
Suicidamo-nos com o fumo
deste cigarro
Quando dispara sobre a
manhã
A bala de prata.
Suicidamo-nos com as
lágrimas do mar
E sentamo-nos nesta pedra
cinzenta,
Velha,
Ferrugenta,
Sentamo-nos e
suicidamo-nos pelo entardecer,
Junto ao rio,
Quando o teu corpo não se
cansa de arder
E chorar,
O veneno que nos vai matar,
No verbo de escrever.
Sentamo-nos no chão com o
odor do teu corpo,
Suicidamo-nos com as
flores da Primavera…
Voamos para o castelo do
silêncio,
Quando os teus lábios se
transformam em pigmentos de luz…
Em pedacinhos de
amanhecer,
E suicidamo-nos quando
acordar o dia,
Quando o sol nascer,
E nos oferecer,
Ao pequeno-almoço…
Poesia.
Sentamo-nos.
Suicidamo-nos com o fumo
deste cigarro,
Nutriente do meu corpo
viver,
Sentamo-nos sobre esta
pedra, esta pequenina pedra de veludo…
E suicidamo-nos com as
primeiras lágrimas da manhã,
Nós
Sentados…
À espera de que o mar nos
leve.
08/10/2023
quinta-feira, 28 de setembro de 2023
Espelho
Despimo-nos em frente ao espelho da saudade
Erguemos as mãos às
flores daquele jardim
Que transpira de alegria
Despimo-nos em frente ao
mar
E não tenhamos medo da
neblina
Que nos visita pela manhã
Despimo-nos em frente ao
espelho da saudade
Tarde árdua em pequenas
marés de engodo
Que morre pela boca
Que grita e se revolta
Despimo-nos então…
Contra a noite que não
volta
28/09/2023
sexta-feira, 15 de setembro de 2023
O Corvo
Olho-te.
Poiso a minha mão no teu
corpo
Como se fosse o dia a
chamar a noite,
Lhe desse um beijo…
E partisse para o outro
lado do rio.
Olho-te
Dentro deste infinito
labirinto de saudade,
Dentro deste círculo de
tristeza,
Olho-te sabendo que não
me ouves,
E que estás longe,
E que voas…
Sobre o pinhal de
Carvalhais.
Olho-te.
Poiso a minha mão no teu
olhar,
Ao de leve,
Como se eu fosse um
pedacinho de luz,
Olho-te
E perco-me na tua sombra
estonteante,
Debaixo dos teus gemidos
Que se erguiam na madrugada…
E não terminavam nunca.
Olho-te
E sei que me olhas,
E sei que vês e sentes o
meu rosto…
Impregnado nesta tela sem
nome,
Dentro deste pincelado desejo…
De voltar a ver-te,
Tocar-te,
Sem que percebesses que
te via,
Sem que percebesses que
te tocava…
E olhava-te,
No eterno pigmento lunar
Das mandíbulas entre
quatro parêntesis rectos,
Uma equação
E um punhado de nada,
(Olho-te.
Poiso a minha mão no teu
corpo
Como se fosse o dia a
chamar a noite,
Lhe desse um beijo…
E partisse para o outro
lado do rio)
Olho-te
Fingindo que estou parente
a mais bela lâmina de medo,
Quando percebo que lá
fora, distante de mim,
Voas como um corvo
esfomeado,
À procura do meu último
poema.
Luís
15/09/2023
sábado, 29 de julho de 2023
Mussulo
Branca areia mar
Do amar marinheiro
Do triste companheiro
Em luta
Pela fome
Que labuta
Na procura de um nome
Em busca de um
esconderijo com lábios de mel
E olhos de mar
Sentado sobre as ondas
Distante da branca areia
mar
Do Mussulo em despedida
Sentida
A triste madrugada
No teu corpo em palavra
Na palavra sem mais nada
Maré cinzenta
Que pensa
Que alimenta
A branca areia mar
Do amar desgovernado
Às vezes perdido
Às vezes
Sentado
Na branca areia mar
Onde poiso o meu
esqueleto
Onde escondo as minhas
sombras
E mergulho no teu púbis
Como uma montanha incendiada
Como uma montanha amargurada
Da branca areia mar
Do amar cinzento
Que lamento
Que invento
Nos teus olhos
A branca areia mar
Do Mussulo
29/07/2023
terça-feira, 25 de julho de 2023
Porquê
Sinto tanto a tua falta
Pai.
Depois de partires
As pedras
As pedras pai
As pedras começaram a
cair sobre nós
Defendo-me de um lado
Sou atacado do outro
Não percebo
Pai
Não entendo porquê eu.
Foi a mãe
Pai
Foi a mãe uma fotocópia
tua
Dor
Dor
Tanta dor
Porquê
Pai.
E eu
Pai
E eu procurando qualquer
coisa
Talvez Em Busca do Tempo
Perdido
E nem Proust consegue me
explicar
Porquê
Pai
Porquê.
Porquê
Eu.
Se sou feliz
Pai
Nunca
Nunca fui feliz
Pai.
Nunca.
25/07/2023
domingo, 23 de julho de 2023
Retracto
Olho o teu retracto
E olha…
Quem diria
Estás com muito bom
aspecto
E até pare que os anos
não passaram por ti.
Olho o teu retracto.
Escondo no teu retracto,
o meu retracto
Um qualquer
Pode ser no Mussulo
Pode ser aqui
Ou ali.
Olho o teu retracto
E olha…
Quem diria
Parece que os anos se
esquecem de ti
E se lembram de mim.
Olho o teu retracto
E confesso-te
Que começo a odiar o teu
retracto
E todos os meus
retractos.
Olho o teu retracto
E não vejo nada
Nem um sorriso disfarçado
Tão pouco
Os segredos da madrugada.
Olho o teu retracto
E vejo o meu rosto
abraçado a um baloiço
E enquanto me transmites
a força necessária para eu voar…
Eu olho o teu retracto
E no teu retracto
Escuto os silêncios do
mar.
23/07/2023
Luís
quarta-feira, 19 de julho de 2023
Machimbombo de esperança
Somos o quê, pai,
Morremos de quê, pai,
Somos o que nos vestem,
E do pouco que sobra, o
quê, pai,
Quando um machimbombo de
esperança brincava no teu olhar,
E de quê,
Somos o quê, pai,
Somos a Lentidão de
Kundera?
Ou a piquena dos chocolates…
Do poema A Tabacaria do
senhor Álvaro de Campos,
E de quê, pai,
Os chocolates.
No entanto,
Eu,
Tu,
Ele,
Ela,
Nós…
Todos mentíamos,
Tu mentias-me,
Eu mentia-te,
Ela desconfiava,
Menos uma mentira,
E o quê, pai,
O que somos, pai,
Somos o pão,
Somos o poema,
Somos a poesia,
E, no entanto,
Eu mentia-te…
E tu tinhas a perfeita consciência
que estavas a ser aldrabado,
O teu filho, malabarista,
artista e poeta…
Inventava estórias no teu
sorriso,
Falso sorriso,
E depois,
E de quê, pai,
E esqueci-me do perfume
das tuas acácias…
Somos o quê, pai,
Somos átomos que pensam,
Átomos que amam,
Que morrem…
E nascem,
E de quê, pai, o que
somos, pai,
Depois, durante a noite,
desenhava o teu cabelo, com o meu olhar…
E era lindo…!
Eu ficava esquecido numa
cadeira fantasma,
Mais cansado do que tu,
pois tu estavas com uma grande pedrada de morfina, e feliz,
Tu falavas-me de
pássaros,
Eu, inventava pássaros,
Perguntavas-me se era
dia,
Noite…
Depois arrependias-te…
Deixa lá, tanto faz… não
tenho pressa,
Nem eu, o quê, tinha
pressa,
De quê, pai, o quê…
Que somos.
19/07/2023
sábado, 8 de julho de 2023
O lobo
Comeram-no
Comeram-no numa noite de Verão
Junto ao apeadeiro da
saudade,
Comeram-no…
Sem que ele tivesse dado
conta de tal facto…
Nem um ai, deu,
Finou-se,
Acreditando que o uivar dos
Lobos…
É sinal de chuva,
De carne fresca,
E mesmo assim, comeram-no,
Enquanto ele pensava…
Enquanto ele acreditava que
pensava…
Como permitiria ter sido
comido…,
Por um lobo em cio,
Enquanto dos ossos,
Acordavam as palavras peregrinas…
Que de joelhos…
Desenhava círculos de luz…
Com uma janelinha para o
rio.
Comeram-no
Da carne ao cio,
Quando um dia,
Em tom de brincadeira…
Atou uma corda ao pescoço…
E lançou-se da Torre Eiffel,
E ninguém deu por nada,
Os anos passaram,
E já ninguém se lembrava…
Nem do lobo,
Nem do corpo que o lobo
comeu,
E mesmo assim,
Comeram-no,
Comeram-no saciando a
fome vaginal
Na construção de um poema
vagabundo,
Um pouco triste, até,
E aquele homem que foi
comido,
Comido pelo lobo mau…
É hoje um grande homem,
Ne negócios,
E artes circenses…
Estou tão feliz, hoje,
Se tivesse aqui a Dona Arminda,
juro,
Juro que fumávamos um
charro…
E conversávamos,
Tantas saudades de conversar…
Sei lá, mãe,
Sei lá…
De que podíamos nós
conversar…
Olha, como está o tempo
por aí…?
Aqui está calor, mãe,
Aqui também, meu querido.
Comeram-no,
Talvez numa noite de
vendas a retalho,
Um subia a escada,
O outro, o outro
acreditava…
E mesmo assim comeram-no
Numa praia junto ao mar,
Numa praia sem nome.
08/07/2023
Francisco
segunda-feira, 26 de junho de 2023
As árvores do desejo
Voa a paixão nas tristes
árvores do desejo
Que abraça o medo da
solidão,
Quando na claridade
De um beijo,
Um tamarino em tua mão
Chama a si a clepsidra da
saudade,
E do homem que sou,
Dos meus olhos tristes no
sémen das palavras envenenadas
Uma árvore se cansou
Como se cansam no
fervilhar do prazer
As madrugadas que não
tenho, nas madrugas em que vou,
Não vou mais viver,
Viver para quê, se a vida
é apenas uma sombra de luar
Em direcção à morte,
E quando se vive a paixão
nas tristes árvores do desejo,
No triste orvalho sem
destino,
Há sempre uma flor
cansada de gritar…
De gritar por aquele
triste menino,
E deste corpo sem sorte,
A nuvem de luz sem tino
Corta a cabeça milenar
das cansadas
Espadas,
Nas espadas… deste pobre
menino,
Menino que espera pela
morte.
domingo, 18 de junho de 2023
Tratado filosófico do [Matrafoines]
Do tudo,
O nada…
Quando o tudo é um
conjunto de pontos coloridos,
Que marcham sobre o
pavimento laminado de uma recta infinita…
E quando o nada,
O nada não é mais do que uma
equação complexa,
Muito mais complexa do
que as equações diferenciais do terceiro grau…
Que o professor Mário
Abrantes nos falava,
Dessas,
Dessas não tinha eu medo…
Agora das outras…!
Querem-me fazer acreditar
Que do nada,
Do perfeito vazio…
Alguma coisa pode acordar…
Não,
Não poderá ser,
Nunca.
Acredito em tudo,
Acredito que toda a
matéria do Universo se expandiu,
Antes explodiu…
Que até provavelmente Adão
tenha dado a sua melhor queca…
Com a adorada Eva…
Mas do nada,
Do nada acordar alguma
coisa?
Não…
Nasci para ser rico e
lindo.
Rico sei sou,
Apesar de ainda não ter
encontrado a fonte monetária em que os meus pais investiram…
Já procurei em algumas,
Em Euros ainda não
procurei,
Não vai adiantar…
Porque quando nasci ainda
não existiam…
Talvez mais logo procure
nos [Matrafoines],
Isto é,
A moeda oficial de Marte…
Quem sabe?
Diziam-me que o meu pai
era pintas…
Quem sabe,
Quem sabe se o sol nasça
sem olhos,
Ou a lua…
Quem sabe se logo a lua
apareça sem lábios…
Ou as estrelas,
Ou as estrelas sem
ninguém,
Quando do perfeito juízo
Acorda uma pequena
borboleta.
O sono eleva-se sobre a
coroa invisível da saudade,
E diga-se que esta…
Que esta também pertence
às equações complexas…
Mas que fazer,
Quando uma fotografia
morre…
Passa a ser o nada,
A ausência…
E depois,
E depois querem-me fazer
acreditar…
Que deste pequeno nada…
Um dia,
Biliões de dias depois…
Acorde alguma coisa…
Que quer ser tudo…
E que nunca foi nada.
Não,
Não posso acreditar.
Mesmo assim, desenho
sobre estes pontos coloridos que marcham sobre uma recta infinita…
Que apelidaram de tudo,
Desenho sobre estes
pontos coloridos o beijo,
Quando a mãe beija o
filho…
E o filho…
Por mais que procure a mãe
para a beijar…
Nunca a encontrará…
Porque também ela,
Também ela pertence ao
nada.
E depois que sim,
Que sou um parvalhão,
Assim-e-assado,
Mais cozido do que
passado,
Abro a janela…
E do nada…
Do nada… aparece na minha
mão o primeiro capitulo da solidão.
Afinal…
Afinal do nada pode
sempre acordar alguma coisa…
Francisco Luís Fontinha
18/06/2023
domingo, 28 de maio de 2023
Dois apitos de sono
Desta selva
Encalhada entre o mar e a
terra
Desprovida de palavras
Actos
E pequenos nadas
Desta selva
A selva de salve-se quem
puder
O esperto ao quadrado
Até à equação diferencial
do imbecil
Nesta selva
Pacata
Parva
E senil
Desta selva de palavras
De pontes metálicas
Desta pequena selva
Encalhada entre o mar e a
terra
Actos
E de pequenos nadas
E os nadas são tudo
No meio das palavras
Dos actos
E do pecado
Da selva
Na selva habitada e
contente
Como as estrelas
Durante a noite…
De engate em engate
Depois
O apito
Partida de Cais do Sodré
Alcântara mar
Mais dois apitos
Dois pirolitos
E começa a festa
Na selva
Da selva de salve-se quem
puder
Os barcos tombam
embriagados
A noite
Coitada da noite…
A noite é tão bela
Tão bela
Por isso é fria
Escura
E tímida
E a selva cresce
Triplica
Tem filhos
Vão à escola
E nada…
A selva morre
E deixa todos os animais
tristes
Da selva
Belém envergonhada
Sentemo-nos então meus queridos
irmãos
E irmãs
E filhos de Deus…
Sentemo-nos sobre esta
sombra de giz
Junto ao Padrão dos
Descobrimentos
Ouviam-se as pulgas
Das pulgas que labutam
Que lutam
Que trabalham…
E se fodem quando chove
É a selva
A selva onde habitamos
Em betão
De cartão
Com porta de abrir à
direita
Com porta de abrir à
esquerda
E é selva
Com um rio em tesão de
sono
E pintura metalizada
Encostava-me ao muro da
selva
Fumava
Fumava enquanto num
pequeno caderninho…
Apontava os dias que se
tinham suicidado em mim…
E contei
E contei…
Eram muitos
São muitos
Dias
Que não conseguiram
aturar-me
E pimba
Mataram-se
No Bugio
Desta selva
Encalhada entre o mar e a
terra
Desprovida de palavras
Actos
E pequenos nadas
E muitas coisas
Chocolates
No Bugio
Pimba
E contei
E contei…
Luís
28/05/2023