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quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Cidade perdida

 Não sei se me perdoarás de todas as merdas que te fiz

Mas era difícil ser diferente

Sempre fui diferente

Para ti

Não

(a merda de um filho nunca cheira mal…, disseste-me tantas vezes…)

Não e talvez sim

Quem sabe

Um dia

Eu voarei,

Sobre o teu cabelo ausente

No esplendor branco invisível

Que quando nascia o sol

Brilhava como uma rocha de mármore cinzento…

 

Depois…

Depois contávamos estórias de mentira

Eu, prometia-te

Tu, que estavas muito bem

Eu, mentia-te e que estava tudo bem

Tu, mentias-me que estava tudo bem

Quando

Nada

Nada estava bem.

 

Ausente sempre o fui

De mim

De ti

De todos

De toas as coisas visíveis e invisíveis…

Aí está

DEUS…

O teu deus

Pequenino

Mesquinho

Arrogante

Sim

Sim

Quando chovia… corríamos em direcção ao capim.

 

E éramos felizes

Felizes

(e falta-te aquele toque feminino da beleza)

O capim

Morreu com o estilhaço de uma granada

Tu

Estás no teu altar-mor e que não passas de uma foto

Nada mais do que isso

E eu

Procuro aquela cidade

A cidade do encanto

Do cheiro

Da terra quando cheirava a terra…

 

Queimada.

Não sei se me perdoarás

E tão pouco estou preocupado

Se perdoaste ou não perdoaste

De toda as merdas que te fiz

Quero lá saber de Santa Apolónia

Do Cais do Sodré

(e agora marchava)

Em direcção ao nada

À cidade perdida

No espaço

Na algibeira de um transeunte

Ausente

Sem ninguém…

E no entanto

Tudo perdoaste.

 

Tudo.

Coitado do magala

Escreve lágrimas em cartas sem remetente

Fotografa com o olhar todos os barcos que entram e saem da barra

E fuma compulsivamente qualquer coisa esquisita

E sabes?

Não interessa

Tu sabes tudo,

 

Um dia

Eu voarei,

Sobre o teu cabelo ausente

No esplendor branco invisível

Que quando nascia o sol

Brilhava como uma rocha de mármore cinzento…

 

 

 

20/09/2023

Luís

domingo, 18 de junho de 2023

Tratado filosófico do [Matrafoines]

 

Do tudo,

O nada…

Quando o tudo é um conjunto de pontos coloridos,

Que marcham sobre o pavimento laminado de uma recta infinita…

E quando o nada,

O nada não é mais do que uma equação complexa,

Muito mais complexa do que as equações diferenciais do terceiro grau…

Que o professor Mário Abrantes nos falava,

Dessas,

Dessas não tinha eu medo…

Agora das outras…!

 

Querem-me fazer acreditar

Que do nada,

Do perfeito vazio…

Alguma coisa pode acordar…

Não,

Não poderá ser,

Nunca.

 

Acredito em tudo,

Acredito que toda a matéria do Universo se expandiu,

Antes explodiu…

Que até provavelmente Adão tenha dado a sua melhor queca…

Com a adorada Eva…

Mas do nada,

Do nada acordar alguma coisa?

Não…

 

Nasci para ser rico e lindo.

Rico sei sou,

Apesar de ainda não ter encontrado a fonte monetária em que os meus pais investiram…

Já procurei em algumas,

Em Euros ainda não procurei,

Não vai adiantar…

Porque quando nasci ainda não existiam…

Talvez mais logo procure nos [Matrafoines],

Isto é,

A moeda oficial de Marte…

Quem sabe?

Diziam-me que o meu pai era pintas…

Quem sabe,

 

Quem sabe se o sol nasça sem olhos,

Ou a lua…

Quem sabe se logo a lua apareça sem lábios…

Ou as estrelas,

Ou as estrelas sem ninguém,

Quando do perfeito juízo

Acorda uma pequena borboleta.

O sono eleva-se sobre a coroa invisível da saudade,

E diga-se que esta…

Que esta também pertence às equações complexas…

Mas que fazer,

Quando uma fotografia morre…

Passa a ser o nada,

A ausência…

E depois,

E depois querem-me fazer acreditar…

Que deste pequeno nada…

Um dia,

Biliões de dias depois…

Acorde alguma coisa…

Que quer ser tudo…

E que nunca foi nada.

Não,

Não posso acreditar.

 

Mesmo assim, desenho sobre estes pontos coloridos que marcham sobre uma recta infinita…

Que apelidaram de tudo,

Desenho sobre estes pontos coloridos o beijo,

Quando a mãe beija o filho…

E o filho…

Por mais que procure a mãe para a beijar…

Nunca a encontrará…

Porque também ela,

Também ela pertence ao nada.

 

E depois que sim,

Que sou um parvalhão,

Assim-e-assado,

Mais cozido do que passado,

Abro a janela…

E do nada…

Do nada… aparece na minha mão o primeiro capitulo da solidão.

 

Afinal…

Afinal do nada pode sempre acordar alguma coisa…

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

18/06/2023

terça-feira, 23 de maio de 2023

Palavra de amar

 Da palavra,

Esta palavra que me abandona,

Daquela palavra que vive dentro da angústia…

E se esconde neste pedacinho de silêncio,

Da palavra,

O corpo mergulhado na luz…

Dentro de mim,

Entre círculos de sono

E túneis de vento.

 

Da palavra que escrevo

À palavra que grito,

Da palavra que sonho…

Há uma palavra no meu olhar,

Uma pequena palavra…

É a palavra de amar;

Amar esta palavra: mãe.

 

 

 

Bragança, 23/05/2203

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 5 de maio de 2023

Mãe de mulher

 Que todas elas

Têm nas mãos a singela madrugada,

Têm no sorriso, às vezes, as lágrimas deixadas pelo luar…

No final da noite estão cansadas…

Cansadas de lutar,

Cansadas de gritar,

Que todas elas

São mulheres… e são mães em flor de mar,

Que todas elas são tempestades,

Que todas elas…

São os poemas

E depois… são saudades.

 

 

Alijó, 05/05/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 30 de abril de 2023

Mãe

(acrílico s/tela. 70cm x 100cm. Francisco Luís Fontinha – Alijó)

 

 

Procurava o silêncio no teu cabelo

(enquanto este não voou para o mar)

Procurava o silêncio nas tuas mãos enceradas

Pelas metáteses das madrugadas,

 

Procura nas estrelas

A tua voz cansada

Da tua voz em delírio

Enquanto eu rezava,

Sim, mãe

Enquanto eu rezava que partisses brevemente

Porque o silêncio que eu procurava

No teu cabelo…

Aos poucos…

Lentamente…

No inferno se transformava

(esse teu cabelo, mãe… que voou para o mar),

 

Procurava

Em ti…

O silêncio que me faltava,

Procurava…

Procurava…

Procurava no teu cabelo

As tardes em brincadeira

Quando jogávamos às escondidas

Ou…

Ou quando me construías papagaios em papel

Coloridos,

 

Procura no teu cabelo

As estrelas e o mar do Mussulo

Ou apenas…

O teu forte abraço,

 

E eu

Não me cansava,

Nunca me cansei de ti…

E de procurar…

No teu cabelo…

O silêncio

E o cheiro do mar,

 

Procurava no teu cabelo

As cidades perdidas da minha infância

O cheiro da terra queimada

Depois da chuva…

Ai o que eu procurava…

 

Procurava no teu cabelo

O medo da despedida

Sem que eu soubesse…

O significado de despedida

Mas eu não me cansava…

E procurava

Em ti

O silêncio que me faltava,

 

E sabes

Quão feliz fiquei

Quando me disseram…

(Quando a minha voz rouca

Das noites sem dormir…)

Do outro lado…

Me disseram que tinhas acabado de partir…

E confesso-te

Mãe…

Tão feliz que fiquei…

Tão feliz…

Todo o teu sofrimento…

Tinha-se vestido de saudade…

E eu…

Desenhei um sorriso do tamanho do Universo

E deixei de procurar.

 

 

 

Alijó, 30/04/2023

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 18 de abril de 2023

O menino do poeta

 Dilacerado corpo

Que dormes no Oceano de espuma

Corpo enforcado pelo luar da madrugada

Sentado nesta pedra fria e escura

E que no tempo se afunda.

 

Corpo coitado

Coitado dele…

Coitado do silêncio

E das tristes tardes junto ao rio

Coitado

Coitado do poeta

E do menino do poeta…

Coitado do menino em fastio

Perdido nas esplanadas da insónia.

 

Corpo cansado

Às voltas

Que não voltam

Das voltas que nascem no horizonte

Coitado do menino

Do menino do poeta

Coitada da montanha triste e só…

Coitada… coitada da avó e da neta.

 

Corpo dilacerado

Quando se esconde nas catacumbas de um falso sorriso

Corpo meu

Corpo sem juízo…

Poeira do meu corpo

Corpo teu…

Do teu que não tenho

O meu próprio corpo.

 

Duzentos e seis ossos

Alguns gramas de carne putrefacta

Carne do meu corpo

Do meu corpo

Que corpo?

Que raio de corpo

Precisa desta carne

Poeirenta

Bolorenta

Em decomposição lenta…

 

Sentado aqui

Descalço ali

Olhando o mar em declínio

Sem barcos

Nem marés

Nem bonés…

Cabeças ao vento

Cabelo prisioneiro das nuvens encarnadas

Ai que silêncio me escuta

Em pedaços de areia

Em pedaços de cicuta.

 

Dilacerado corpo

Sem corpo para venda

Palavras

Palavras

De que o meu corpo se alimenta

E bebe a cicuta

E não se lamenta…

Da tristeza das flores

Do sorriso dos pássaros…

E das abelhas

Que nem são flores

Nem são pássaros

Mas são abelhas em flor.

 

E chove dentro do meu corpo

E as janelas do meu corpo

Estão encerradas

São lâminas de saudade…

São lágrimas.

 

E chove nas tuas mãos

Menina do mar

Menina dos lábios de mel…

E das abelhas

Que nem são flores

Nem são pássaros

Nem papagaios de papel

Coloridos

Que uma mãe construía para o menino

O menino do poeta

Do poeta menino

Em calções…

Puxando um triciclo com assento em madeira

E volante de sonhos.

 

Dilacerado corpo

Este corpo que invento todas as manhãs

Deste corpo que cuido quando me deito

Neste corpo onde habitam tantos outros corpos

E não me queixo das estrelas

Nem dos barcos de esferovite…

Corpo em poema

Da cama em poesia

Ao corpo sem corpo

Ao corpo de cada dia.

 

Depois tenho os gonzos das portas do meu olhar…

Todas…

Todas dilaceradas

Dilacerado corpo

Dos volantes e das vielas

Porcas e parafusos

Fusos

Sei-te lá que mais exista dentro deste meu pobre corpo

Depois oiço um pequeno gemido

Um enorme grito de revolta

A Terra não se cansa de girar

O cão do vizinho não pára de ladrar…

E tudo é pó

E tudo se transformará em poeira

E o ontem não volta.

 

 

 

Alijó, 18/04/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Os barcos da minha vida

 A vida

A minha vida

É uma tela

Uma tela que herdei das mãos de Deus

E que aos poucos

Fui pincelando,

 

Com cores,

Com riscos,

Com olhares

E cheiros,

Com o silêncio do mar,

 

(Deus, criador do céu e da terra, do mar e dos pássaros, das árvores e da paixão, tudo, dizem, Deus criou)

 

E a primeira paixão

De que me lembro

Foi a paixão dos barcos,

Barcos que o meu pai me levava a ver

Todos os fins-de-semana

Ao porto de Luanda,

 

Pequeno que eu era

E amedrontado com todo aquele tamanho

E esplendor

(a minha mão muito agarrada à mão dele)

Deliciava-me

Deliciava-me com os cheiros a Nafta

Deliciava-me com os olhos dos barcos

E com os braços dos barcos

Que quando regressava a casa

Sentava-me debaixo das mangueiras

E sonhava em beijar e abraçar

(todos aqueles barcos),

 

E da tela da minha vida

Que nunca consegui terminar

Porque está sempre em construção

Hoje mais parece um barco

(entre portos e marés, entre o ontem, o hoje e o amanhã)

Um barco que às vezes sorri

Outras

Outras vezes que chora

Um barco sem nome

Como a tela da vida

(porque todos os barcos têm um nome)

E corre calçada abaixo

E corre calçada acima,

 

Lembro-me muito bem

Em criança

De puxar um barco pelas ruas

E rua acima

E rua abaixo

Lá andava eu

O menino que trocou os calções

Por roupas muito pesadas

Por calçado muito pesado

E fartei-me deste mar

E fartei-me desta pobre maré…

 

E voltando à minha vida,

 

A vida

A minha vida

É uma tela

Uma tela que herdei das mãos de Deus

E que aos poucos

Fui pincelando,

 

Algumas vezes

Pincelei-a de alegria

Muitas mais vezes

Pincelei-a de tristeza

Mas como sou daltónico

Não importam as cores da tela da minha vida

(se são de cor alegria ou se são de cor tristeza),

 

(e voltando aos barcos porque a minha vida é pouco interessante)

 

E enquanto os olhava

Nunca imaginava

Nem sonhava

Um dia

Qualquer dia

Brincar dozes dias

Ou dormir doze noites

Nos braços de um barco,

 

Mas brinquei,

E dormi,

E hoje acredito se este enorme paquete tivesse naufragado

Isso sim

Hoje seria o menino dos calções mais alegre de todas as sanzalas de prata,

 

E a minha pobre mãe

Acreditava que Deus estava do nosso lado

Que era nosso aliado,

 

(como ela estava tão enganada)

 

Como ela estava enganada.

 

 

 

 

 

Alijó, 04/01/2023

Francisco Luís Fontinha