Somos o quê, pai,
Morremos de quê, pai,
Somos o que nos vestem,
E do pouco que sobra, o
quê, pai,
Quando um machimbombo de
esperança brincava no teu olhar,
E de quê,
Somos o quê, pai,
Somos a Lentidão de
Kundera?
Ou a piquena dos chocolates…
Do poema A Tabacaria do
senhor Álvaro de Campos,
E de quê, pai,
Os chocolates.
No entanto,
Eu,
Tu,
Ele,
Ela,
Nós…
Todos mentíamos,
Tu mentias-me,
Eu mentia-te,
Ela desconfiava,
Menos uma mentira,
E o quê, pai,
O que somos, pai,
Somos o pão,
Somos o poema,
Somos a poesia,
E, no entanto,
Eu mentia-te…
E tu tinhas a perfeita consciência
que estavas a ser aldrabado,
O teu filho, malabarista,
artista e poeta…
Inventava estórias no teu
sorriso,
Falso sorriso,
E depois,
E de quê, pai,
E esqueci-me do perfume
das tuas acácias…
Somos o quê, pai,
Somos átomos que pensam,
Átomos que amam,
Que morrem…
E nascem,
E de quê, pai, o que
somos, pai,
Depois, durante a noite,
desenhava o teu cabelo, com o meu olhar…
E era lindo…!
Eu ficava esquecido numa
cadeira fantasma,
Mais cansado do que tu,
pois tu estavas com uma grande pedrada de morfina, e feliz,
Tu falavas-me de
pássaros,
Eu, inventava pássaros,
Perguntavas-me se era
dia,
Noite…
Depois arrependias-te…
Deixa lá, tanto faz… não
tenho pressa,
Nem eu, o quê, tinha
pressa,
De quê, pai, o quê…
Que somos.
19/07/2023
Sem comentários:
Enviar um comentário