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terça-feira, 17 de outubro de 2023

Um outro amanhã



Chove,

São as lágrimas do teu sorrir,

São as pétalas do Outono em Inferno partir,

São o silêncio da manhã,

 

Chove,

São as sílabas das tuas mãos em meu ser,

São nuvens de açúcar letrado,

Chove,

São as palavras do meu escrever,

São o cardo,

São o sono…

De um outro amanhã,

De um outro viver.

 

 

17/10/2023

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Dia de chuva

 O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

O que espero eu

Desta cidade envenenada

Nesta cidade de latidos

De gritos

De suspiros

 

O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

O que me espera

Depois de um dia de chuva

Sentar-me?

Fumar-me?

Beber-me?

O que posso esperar

Eu

Depois de um dia de chuva

 

Depois de uma morte anunciada

O que posso esperar eu

Depois de um dia de chuva

Enquanto a noite regressa

Lentamente ao meu corpo

E espero

Que as estrelas em papel

Se transformem em mel

 

O que posso esperar

Depois de um dia de chuva

Quando os pássaros já dormem

E eu

Sei que não dormirei

 

Enquanto espero pelo que me espera…

Depois de um dia de chuva.

 

 

16/10/2023

domingo, 15 de outubro de 2023

Nuvem


 O cachorro não cessa de latir

A janela do quarto

Deixou de abrir

A chuva cai

A chuva traz vinho

E pão

Também

E às vezes

A chuva vai

Depois vem

E rima

Com ninguém

 

Ninguém à mesa

De alguém

Que já foi tudo

E hoje

E hoje entretém-se a comer chocolates

Coisas raras e boas

Castanhas assadas

E viagens sem fim ao fim-do-fim

Entre parêntesis

E a rima

E a rima com noite desgovernada

 

Que tinha não mão uma granada

E a rima

E pimba

A bala disparada

 

Contra o peito do magala

 

O cachorro não cessa de latir

A janela do quarto

Deixou de abrir

A chuva cai

A chuva traz vinho

E pão

E a chuva vai

E a chuva vem

Sem saber que do tecto cai

Que do tecto também

Uma nuvem sai…

E uma nuvem vem

Aos braços de alguém.

 

 

15/10/2023

domingo, 4 de junho de 2023

Nada

 Estava o sol

Estava a lua

Estava o filho de ambos

O sol queria a chuva

A chuva queria o sol

O filho da lua e do sol

Esse

Nada.

A lua queria a madrugada

O sol

Tal como o filho da lua

Nada.

Estava o sol

Estava a lua

Estava o filho de ambos

O sol escrevia nos lábios da lua

A lua inventava gemidos nos lábios do sol…

E o filho de ambos

Nada

Esse

Nada.

 

 

 

Francisco

04/06/2023

sábado, 28 de janeiro de 2023

Palavras semeadas

 Traz o sono a esta lareira,

Traz nos teus lábios os incêndios da madrugada,

Traz as palavras para eu semear…

Semear nesta terra queimada,

 

Traz a tua mão,

A mão que o meu rosto vai acariciar,

Traz a lua

E a filha da lua

E o deslumbrante luar,

 

Traz-me os livros que escrevi,

Para escrever nos teus lábios,

Traz o sono a esta lareira

E todos os poemas,

E todas as estrelas

E todas as savanas,

 

Traz-me todos os rios,

Todos os mares…

Traz-me as árvores

E os pássaros de cantar,

Traz-me a chuva,

E faz com que as nuvens parem de chorar.

 

 

 

 

Alijó, 28/01/2023

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

Sílaba estrelar

 

Uma pequena sílaba estrelar

Solta-se dos lábios de uma flor

Não faz parte do poema

Não é o mar…

Nem é a dor.

Não é o cansaço

Dos ventos da madrugada

E também não é a Primavera

Que nunca me trouxe nada.

E dos lábios desta pobre flor

Solta-se uma lágrima

Uns dirão que é a chuva…

Outros que é a dor

E outros

Dirão que não é nada.

 

 

 

Alijó, 20/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

A equação de Deus

 Às vezes

Penso.

Sim

Penso.

Ao contrário do que muitos possam pensar

Pensarem que eu não penso

Pois enganem-se

Porque eu penso.

 

E olho as flores

E lá está

Estaciono o esqueleto e penso;

E o que penso eu

Pensando que penso

Pensar nas flores;

Bom

Será que todas as flores são belas?

Haverá flores menos belas?

E se eu não gostar de flores,

Serão para mim

Belas

As flores que não sei se são belas

Ou

Ou menos belas…

 

E se eu não gostar de chuva

E se a manhã está abraçada à chuva

Poderei dizer que não vou gostar do dia

Porque o dia tem a manhã

Porque o dia tem chuva

E eu

Que penso

Não gostar de chuva.

 

Odeio a chuva e seus derivados.

 

Voltando às flores

E à chuva

Acredito que a chuva está para as flores

Tal como

O cubo A está para o cubo B

Sendo o cubo A igual ao cubo B (dimensões)

E o cubo A está pintado de branco

E o cubo B está pintado de negro

E penso…

Porque eu penso

Às vezes

(E às vezes tenho de pedir autorização ao neurónio 1

Para dar uma ajudinha ao neurónio 2)

Serão estes dois cubos iguais?

Diferentes?

Ou a diferença reside apenas na cor…

E duas flores da mesma cor

Nos braços de outras duas flores de cor diferente…

Terei cubos

Flores

Cores

Cravos

Rosas

Crisântemos

Não importa

Pois tenho flores.

 

E cubos.

 

Um dia acordei

E nesse dia enquanto pensava

Pensei

O que pensam os outros

De eu pensar

Bom. Nada de especial.

 

E nesse dia que pensei

Pensava qual a possibilidade de eu voar…

Pensei

Pensei

E pensei

E acreditem que se Deus quisesse que eu voasse

Tinha-me feito pássaro

Avião

Nava espacial

Foguetão

Mas não

Deus fez-me humano…

E os humanos não voam

Como voam os pássaros

Como voam (os peixes?)

Será que os peixes voam?

E as árvores?

(essas, meu querido, essas apenas tombam no chão)

 

E enquanto me olhava no espelho

Às vezes

Sim

Às vezes

Porque olho-me tantas vezes no espelho

Como o número de vezes que penso

E se elevar tudo ao cubo

(não o cubo A nem o cubo B)

Obtenho nada

Digamos que

Nem as flores

Nem a chuva

Nem o espelho

Nem o cubo A

Nem o raio que parta o cubo B.

 

Para concluir

Que não penso

Para concluir que não me olho no espelho…

Enfim

Não penso.

 

E um belo dia

Como todos os dias que são belos

Pensei

Pensaste?

Sim

Meu querido

Pensei;

E não subam ao edifício mais alto da vossa aldeia

Não o subam até ao último andar

E…

(aterragem forçada no pavimento) (os humanos não voam)

E pensei

Será que todas as flores são belas?

Mesmo eu não gostando de flores?

Mesmo eu odiando a chuva?

Meu querido

A chuva nada tem a ver com as flores

 

Porque o raio do dia está para o cubo A

Como o cubo B está para um parque de estacionamento.

 

E o cubo B é um grande amontoado de sucata

Corpos

Ossos

E corpos sem ossos

E ossos sem corpos

E chuva sem o dia

E o dia sem flores

E as flores sem a chuva

(raio parta a chuva)

E a chuva sem nada

E o cubo B é um cabrão

Como o são todos os cubos B.

 

E penso

Penso

(porque penso)

Penso que um dia vou provar

Provar de verdade

Que Deus é uma equação matemática

Muito complexa

Não tem braços

Pernas

Mãos

Que Deus não tem sentimentos

Que se está a cagar para todos aqueles que sofrem

Como se estavam a cagar para mim

Todas as equações matemáticas muito complexas que resolvi;

E se Deus é uma equação matemática muito complexa

Então Deus é constituído apenas por números e letras.

(sombras)

(muitas sombras)

 

(poderei concluir que Deus é a palavra, um conjunto de palavras, um poema…, e se as flores gostam de poemas, então as flores gostam de Deus) (lógica, meu querido…, lógica)

 

E novamente penso.

 

Penso.

Penso que uma lareira é bela

Porque me aquece

Porque posso ler ou escrever junto a ela

Porque posso desenhar no teu corpo

E escrever

Escrever que penso

Não pensando

O que penso

No teu corpo;

Digamos que a lareira fica.

 

Depois temos os livros

Amontoados de livros

E novamente

Novamente penso

Os livros ficam

Os livros vão

E o rio desce a calçada nas tuas coxas

E as tuas coxas lêem todos os meus poemas

E os meus poemas

Os parvos

Os menos parvos

Todos eles

(que tal como eu

Não pensam)

E claro

Os livros ficam.

 

E enquanto penso

Se uma flor

Uma simples flor

É bela

Menos bela

Ou assim-assim

Levem

Levem-me as flores.

 

Deixem o cubo B

Esse fica comigo.

 

(levem o cubo A, levem a chuva, levem as flores, levem o dia, levem tudo, não me levem a lareira, não me levem as coxas dela, não me levem a mal…, mas eu, às vezes penso e escrevo cartas sem remetente)

 

E sim,

 

Podem levar também a corda de nylon.

 

 

 

 

 

Alijó, 14/12/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Silêncio luar

 

Dizem que sou louco

E há quem diga que não passo de um falhado,

Um perfeito falhado,

 

Mas meu amor,

Tanta coisa que dizem de nós

E dos outros

E dos outros… e de nós.

 

Mas sabes meu amor,

Também dizem que os dias a chover

São dias de tristeza,

E hoje, meu amor,

O dia está tão lindo,

O dia

Hoje

É beleza.

 

Dizem que a noite é escura,

É triste…

Mas a noite é tão bela,

Meu amor,

Que até tenho medo de escrever…

Escrever que a noite é bela.

 

Todas as noites são belas

E todas as manhãs são belas.

 

E dizem, meu amor

Dizem que aqueles que amamos,

Que sempre amamos,

Que já partiram…

São dor,

São tristeza;

Mas não, meu amor,

Os que partiram não são tristeza,

Aqueles que partiram são a saudade,

E a saudade,

A saudade não é tristeza,

A saudade é uma nova forma de amar,

 

Amar a vida,

Amar a Natureza…

Amar uma linda noite em silêncio luar.

 

 

 

Alijó, 13/12/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

A janela do teu olhar

 Quando abres a janela

Do teu olhar,

E um lençol de lágrimas

Poisa na vidraça da manhã,

Não te apoquentes,

 

Há dias de chuva

Onde um lindo sol está a brilhar,

Há dias frios,

Dias quentes…

Quando abres a janela

 

Do teu olhar,

E num lindo dia de sol,

Trazes contigo as lágrimas

Que poisam na vidraça da manhã,

Lembra-te do mar…

 

Sempre em movimento,

Sempre acorrentado às marés…

e… amado por todos,

e sempre a sonhar.

E se um lençol de lágrimas

 

Poisa na vidraça da manhã,

Fica tranquilo, porque há sempre um poema

Na tua mão,

Um poema proibido,

Um poema de um lindo dia de sol…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

17/10/2022

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Longas noites têm os teus olhos

 Perto do musseque éramos felizes, como eram felizes os que viviam perto do musseque; a manhã acordava, na rua ouvia-se o trote do branco cavalo que passeava todos os dias pela mão da linda Catarina, o irmão, rapaz dos seus quinze anos, desenhava formas geométricas com a velha motorizada que tinha herdado do avô, homem foragido da metrópole por razões políticas.

Junto ao Grafanil ouviam-se os vómitos de saudade do Unimog que regressava do mato, transportava homens que tinham vendido os sonhos e sem perceberem, ainda acreditavam no futuro.

A Catarina, indiferente às lágrimas de todas as sombras que ouvíamos na noite, sentava-se junto ao portão de entrada na esperança que o pai um dia regressasse do mato com o camião que tinha partido com mercadorias diversas. Com um giz, deixava traços invisíveis no muro do quintal, um dia, contou-os; trinta e cinco. Desistiu de esperar.

Semanas depois, disseram-lhe que o camião que o pai conduzia passou sobre uma mina e desfez-se em pedaços de lágrimas; acontecia a todos aqueles que tinham longas noites nos olhos.

Eu, deliciava-me a dar pancadas num velho triciclo, e quando me perguntavam o que estava a fazer,

O menino está a arranjar.

Mais tarde, contaram-me que saía ao meu tio António, que depois de lhe oferecerem um qualquer brinquedo, abria-o e se lhe perguntassem…

É para ver como é feito.

Mas naquela altura não me interessava pelo corpo feminino, portanto quanto à linda Catarina, era apenas a linda Catarina; e talvez tenha só a memória fotográfica do esbelto branco cavalo que passeava todas as manhãs em frente ao meu portão, e depois, percebia que mais um dia tinha acordado.

Quanto a motorizadas, apenas me fascinavam os desenhos geométricos que o Pedro deixava sobre a poeira de um descampado junto à rua e o fumo escuro que esta cuspia depois de alguns círculos, círculos que certamente sofriam de alguma doença crónica, pois nunca eram perfeitos.

Amo-te, meu querido Joaquim!

Também te amo muito, minha querida Catarina!

E de paixão apenas conhecia a que tinha pelos barcos, papagaios em papel e pelo meu melhor amigo; o eterno chapelhudo.

Não escrevas nas paredes, Francisco,

É para ver como é feito.

Depois do jantar, íamos aos Coqueiros assistir aos treinos de hóquei em patins, deliciava-me com a dança dos corpos daqueles jovens que sem o saberem, escreviam no pavimento a mais linda estória das noites da minha infância, regressado a casa, adormecia a sonhar com o branco cavalo da linda Catarina. Às vezes, ainda íamos dar uma volta ao Baleizão, que sempre que me ofereciam um gelado, que eu apelidava de Rajá, respondia que…

Não gosto.

E ainda hoje não percebo muito bem do que gostava naquela altura, tirando os barcos, os papagaios, o chapelhudo, os desenhos nas paredes e as pancadas no triciclo, de nada mais gostava.

As bananas tinham bicho. De sumos, não gostava. Os chocolates que os amigos do meu pai me ofereciam, quase não lhes tocava. Quando se tratava de comer a sopa, inventava mil razões para a não meter à boca; estava quente, não tinha fome, e

É para ver como é feito.

E enquanto arranjava o triciclo descobri que os aviões que eu ia ver ao aeroporto e os que passavam sobre a minha casa, tinham tamanhos diferentes. Passei muito tempo para entender que se tratava apenas de distância e que ambos tinham o mesmo tamanho.

Depois,

Catarinaaaaa…

Sim mãe, vou já, logo que o branco cavalo desça das nuvens, e num ápice, um enorme buraco negro cospe uma estrela,

E o raio do cavalo de nuvem em nuvem, até que descobriu

Pedro, casa já.

O menino está a arranjar.

De buraco em buraco até se esconder da mina que dizimou o camião, o pai e a mercadoria da linda Catarina.

Choveu muito ontem, entre o capim vi pela primeira vez o lençol da saudade, e percebi porque hoje amo o mar, e ontem, e ontem fugia da lhá…

Tão grandes, pai.

É para ver como é feito.

Perto do musseque somos felizes, como são felizes os que vivem perto do musseque; a manhã acorda e a doce e linda Catarina, montada no seu branco cavalo voa em direcção às nuvens, em baixo, jaz o mar límpido que outrora adormeceu na algibeira dos pequenos calções do menino ranhoso que inventava amigos para brincar debaixo das mangueiras, que que às vezes se esquecia de dormir, quando as tardes eram apenas pedaços de silêncio onde a motorizada do Pedro e o branco cavalo da linda Catarina davam as mãos e saiam para passear junto à Baía.

Tão grandes, pai.

O menino arranja.

E amanhã certamente tenho a visita dos papagaios em papel e das estrelas que um dia desapareceram de mim, como desapareceram as minhas sandálias de couro…

Ai a lhá…

E depois, encerraram a janela e nunca mais vi o mar.

 

 

 

Alijó, 14/10/2022

Francisco Luís Fontinha