O comboio para Nova Iorque
acaba de partir da linha seis
Santa Apolónia em convulsão
Apeada de gente
Que geme
Que tem fome
Que ama
Não ama
Sem nome
O comboio para Nova
Iorque apressadamente
Em corrida
Com um pequeno silêncio
no peito
No centro de massa do
coração
Santa Apolónia olha o
Tejo
Mete os dedos na
algibeira
Masturba-se
Enquanto o comboio para
Nova Iorque
Descansa na Marateca
Uma gaja cantarola um
pedacinho de luz
Faz-se ouvir na escuridão
De toalha na mão
Pensa que tem futuro como
cançonetista
O comboio para Nova
Iorque
Retoma o seu adorado
destino
Enquanto um cacilheiro
embriagado
Em círculos
Nunca chegará ao Seixal
Às mãos do adorado menino
O vento amua
O comboio apita
O cacilheiro
Morre
E Santa Apolónia
De olhos cerrados
De braços cruzados
A gaja que cantarolava
Deixou de o fazer
Agora passa as tardes no
jardim
A vender cigarros de
poesia
E poemas de framboesa
E charros de alecrim
O comboio para Nova
Iorque
Esconde-se na neblina
Faz escala em Luanda
Depois passa pelo Mussulo
Que com sorte
E vento
Chegará a Nova Iorque
pelas três da madrugada
São dezoito horas na rua
Dr. César Ferreira
Quatro na Avenida Sá
Carneiro
E zero horas na Senhora
dos Prazeres
O vento é de 10 nós
E a temperatura da água
Cerca de vinte graus
Centigrados
O comboio apita
O cacilheiro geme
Grita
O comboio para Nova
Iorque abre os braços
E começa a voar nos
lábios do luar
Sobre o mar
Amém
Que o dia morre
Que a noite é uma
prostituta com olhos de vergonha
Que o Tejo de tanto me
esperar
Zarpou
E correu para o comboio para
Nova Iorque
Onde está sentado à
direita do pai.
16/07/2023