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sexta-feira, 21 de julho de 2023

Gaivotas

 Gaivotas tristes,

Tristes num Tejo sem ninguém,

Ausente,

Sem gente,

Gaivotas tristes,

Cacilheiros enjoados,

Às vezes,

Em círculos de sono,

E desaparecem no pôr-do-sol.

 

Gaivotas tristes,

Triste num Tejo sem ninguém,

Que espera o vento,

Que antecipa o regresso da noite,

E da noite erguem-se as primeiras balas de alegria…

Dum Tejo sem ninguém,

Com gaivotas tristes,

Tristes gaivotas,

Perdidas durante o dia,

Na ânsia que um beijo em poesia…

Atravesse o Tejo,

O Tejo sem ninguém,

Ausente,

Sem gente.

 

Gaivotas tristes,

Tristes num Tejo sem ninguém,

Frio e escuro,

Sem estrelas e sem luar,

Gaivotas tristes,

Tristes a gaivotas que não sabem voar.

 

 

 

21/07/2023

Francisco

domingo, 16 de julho de 2023

Comboio para Nova Iorque

 O comboio para Nova Iorque acaba de partir da linha seis

Santa Apolónia em convulsão

Apeada de gente

Que geme

Que tem fome

Que ama

Não ama

Sem nome

 

O comboio para Nova Iorque apressadamente

Em corrida

Com um pequeno silêncio no peito

No centro de massa do coração

 

Santa Apolónia olha o Tejo

Mete os dedos na algibeira

Masturba-se

Enquanto o comboio para Nova Iorque

Descansa na Marateca

 

Uma gaja cantarola um pedacinho de luz

Faz-se ouvir na escuridão

De toalha na mão

Pensa que tem futuro como cançonetista

O comboio para Nova Iorque

Retoma o seu adorado destino

Enquanto um cacilheiro embriagado

Em círculos

Nunca chegará ao Seixal

Às mãos do adorado menino

 

O vento amua

O comboio apita

O cacilheiro

Morre

E Santa Apolónia

De olhos cerrados

De braços cruzados

A gaja que cantarolava

Deixou de o fazer

Agora passa as tardes no jardim

A vender cigarros de poesia

E poemas de framboesa

E charros de alecrim

 

O comboio para Nova Iorque

Esconde-se na neblina

Faz escala em Luanda

Depois passa pelo Mussulo

Que com sorte

E vento

Chegará a Nova Iorque pelas três da madrugada

 

São dezoito horas na rua Dr. César Ferreira

Quatro na Avenida Sá Carneiro

E zero horas na Senhora dos Prazeres

O vento é de 10 nós

E a temperatura da água

Cerca de vinte graus

 

Centigrados

 

O comboio apita

O cacilheiro geme

Grita

O comboio para Nova Iorque abre os braços

E começa a voar nos lábios do luar

Sobre o mar

Amém

Que o dia morre

Que a noite é uma prostituta com olhos de vergonha

Que o Tejo de tanto me esperar

Zarpou

E correu para o comboio para Nova Iorque

 

Onde está sentado à direita do pai.

 

 

 

16/07/2023

domingo, 2 de julho de 2023

Santa Apolónia

 O comboio

Com destino a Santa Apolónia…

Dará entrada na linha dois dentro de momentos,

Uma Donzela

De cabelo pincelado de vento

Pergunta-me se tenho isqueiro…

Digo-lhe que não fumo

Que nunca fumei…

Nem fumarei

Coisas estranhas,

 

Ela diz-me que para ter isqueiro

Não preciso de fumar

Porque posso transportar na algibeira uma esferográfica…

E nem saber escrever,

(pensei: ela é muito inteligente)

 

Passeio-me pela rua Augusta

Com um par de asas…

E que nem voar sei,

Pergunta-me ela…

O que são as pirâmides da insónia…

Respondo-lhe que nem sei o que são pirâmides…

Quanto mais essas coisas da insónia,

 

Claro que não

Voar dá muito trabalho.

 

Um gato aproxima-se

Dá-me um beijo na face esquerda

E segreda-me que está loucamente apaixonado por mim

(e eu que odeio gatos e os gatos também me odeiam)

Mulheres vendem o corpo a retalho

Por catálogo

Bebem uísque de Sacavém…

E dizem-se felizes

E dizem-se…

Tanto como eu…

 

Junto ao rio há um barco em apuros

Os meus cigarros parecem lareiras depois da meia-noite

E do livro que poisa na minha secretária…

Oiço a voz do silêncio,

 

Senhores passageiros

O comboio com destino a Santa Apolónia

Dará entrada na linha dois…

E partirá

Se chegar a partir…

Às dezanove horas e dois minutos,

 

Hesito

Ela hesita

Fico na dúvida se sigo destino

Ou se eu e ela desertamos…

E vamos apanhar o comboio

Com destino a uma pensão barata…

Que nas paredes em gesso

Tem frestas e um pequeno crucifixo,

 

E eu detesto

Odeio

Escrever o mais lindo poema de amor

No corpo de uma desconhecida

E ter Cristo suspenso num pedaço em madeira…

A olhar-me,

 

Fico sem jeito.

É como estar a fazer amor com a vizinha…

E o marido a olhar-me,

Poisei a esferográfica

Peguei num lenço em papel…

E aprisionei os olhos de Cristo,

 

Na tarde seguinte

O saudoso guarda Saraiva

Vai a minha casa

Vai a minha casa e pergunta à minha mãe se eu estou…

Claro que não

Senhor Saraiva…

Ele nem sabe voar…

Ele foi para a tropa!

O saudoso guarda Saraiva

Um pouco comovido

Diz à minha mãe que eu ainda não tinha aparecido no quartel…

Ela fica aflita

Depois mais calma…

E responde-lhe…

Talvez ele fosse voar nos braços de alguém…

 

Talvez ele esteja a rezar

A Cristo…

Ou a escrever um poema nos lábios da noite

Numa qualquer parede

De uma pensão de merda

Onde só pernoitam putas

E gajos a vender o corpo,

 

Do Tejo

E da Calçada da Ajuda

Muitas más notícias…

Ficaria de castigo duas semanas

Ausente de casa,

 

Fiquei feliz,

Muito feliz…

 

Entro no carro

Coloco o sinto de segurança…

E logo após este começar em marcha lenta

De Cais do Sodré… para Santa Apolónia

Começo a sentir a mão do oficial graduado…

A acariciar-me

E repentinamente

Fiquei na dúvida

Se lhe partia os cornos

Ou abria a porta do carro

E me lançava contra o Tejo…

 

E que dia de merda

Pensava eu

Junto ao Tejo…

 

As doze badalas nascem no quinto esquerdo

São duas da madrugada no rés-do-chão direito

A temperatura está agradável…

O comboio com destino a Santa Apolónia está quase de partida…

Na linha dois

E no duzentos e doze

Cristo consegue finalmente libertar uma das mãos

Retira o lenço em papel que lhe aprisionava o olhar

E em gritos histéricos…

TENS UM ERRO DE ORTOGRAFIA NA MAMA ESQUERDA DA TUA DESCONHECIDA…

Fiquei sem jeito

Um pouco envergonhado

E cuidadosamente pego na minha mão direita com a ajuda da minha mão esquerda…

E que sim…

Em vez de escrever desejo-te

Escrevi “desejou-te”

Ainda mais envergonhado fiquei,

 

Enquanto o comboio

Aos pucos

Despede-se de nós…

E quando acorda a manhã…

Estava só…

A desconhecida tinha ido apanhar o comboio das oito da manhã…

Para Santa Apolónia.

 

 

 

02/07/2023

Francisco Luís Fontinha

Na vergonha de estar vivo

 

(tão triste Mário sobre o tejo um apito.

AL Berto)

 

 

Sobre este Tejo

A cânfora vergonha de estar vivo

De escrever merdas que detesto…

E que alguém me obriga a escrever…

Porque apenas lhe empresto a mão,

 

Sobre este Tejo

Quando descia o silêncio da tarde

Enquanto uma menina brincava com uma boneca invisível…

Eu

Eu percebia que este rio me puxava…

Para as suas profundezas,

 

Sobre este Tejo

Na vergonha de estar vivo

Sem saber se quando regressar a noite…

Tenho em mim palavras

Para afugentar as estrelas…

Ou tenho em mim…, metáforas de pano para arremessar ao pôr-do-sol,

 

Sobre este Tejo

Das luzes incandescentes que apenas a noite consegue desenhar…

Este lindo silêncio de verniz

Com pigmentos de saudade

Com tudo o que tive

Daquilo que não quero ter e odeio…

Uma luz cinzenta poisa sobre mim…

E percebo que apenas sou um pedacinho minguo de nada…

Nos lábios deste rio…

Que me puxa…

E me vai assassinar de vergonha...

 

 

 

02/07/2023

sábado, 1 de julho de 2023

A primeira lágrima da manhã

 A coitadinha da moeda de vinte e cinco escudos, só, só na algibeira do magala, sem que ela tivesse percebido que dentro em breve estaria abraçada a uma pequena ranhura de uma cabine,

Os cortinados negros, inventando a noite, quando ainda era tarde, final de tarde, junto ao rio, ao longe,

Um petroleiro de sono, uma jangada em cio procurando engate, que me convidava às vezes,

E eu aceitava,

Que outras tantas mais vezes,

Me ignorava,

E eu…, ficava a olhar…

O Tejo,

Que eu às vezes, que eu às vezes, recusava,

Nesta triste vida de comandante deste navio,

Deste gigantesco petroleiro,

Ouvia-se no silenciar da noite inventada, o som da moeda de vinte e cinco escudos em pequenas descidas acentuadas,

Depois,

Depois uma mulher despia-se, aos poucos, uns… aproveitavam o silêncio para se masturbarem, outros nem por isso, e os outros…

Contemplavam,

O quê?

Um pedaço de carne esquecido debaixo de um pinheiro, o puto foi entregue à Ermelinda, e que, lá anda...

Contemplar,

O quê?

Contemplar uma mulher só, mais cansada da vida, de que a vida cansada dela, e, no entanto, comtemplavam-na…

Contemplar,

O cigarro e o cheiro intenso a sémen,

Às vezes, às vezes ouviam-se pequenos gemidos, dentro destas lâmpadas silenciadas que um louco qualquer desenhou na geada.

Às vezes, às vezes percebia-se no olhar desta mulher, percebia-se a fome, a porrada invisível que um chulo qualquer invisível lhe dava, muitas vezes, às vezes, até nos seios se percebia a tristeza desta mulher,

E, no entanto,

Apenas com vinte e cinco escudos…

Às vezes,

Às vezes, às vezes dos seios destas mulheres, desciam lágrimas de cansaço, desciam lágrimas de saudade,

Saudade da infância,

Saudade dos amigos da escola,

Saudade das ruas antes de nascer o sol.

E, no entanto,

Contemplavam-na,

Contemplar, o quê?

Contemplar duzentos e seis ossos, alguns já em mau estado de conservação, as pintinhas nos braços e afins, da agulha,

Que chutavam heroína,

Que fumavam heroína…

E mesmo assim, havia quem as contemplasse por uns míseros vinte e cinco escudos.

E ao fundo da cabine, o Tejo, o cheiro do Tejo, e enquanto se preparavam para bater mais uma…,

Encerrava-se o óculo, ficava escuro, ficava escuro dentro da cabine e do outro lado do Tejo, um navio escondia-se da tristeza.

Contemplar,

Contemplar uma mulher sofrida, às vezes quase criança, outras quase nem uma coisa nem nunca seria outra coisa, que não fosse,

Criança,

E mulher.

E contemplavam-na,

Tal como o beijo contempla os lábios, ou…, quando a maré entra pela janela, e ela, aquela mulher inventada, por apenas vinte e cinco escudos…

Contemplavam acreditando que do outro lado do Mundo, um apito perdido…, procurava a primeira lágrima da manhã.

 

 

 

01/07/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 3 de maio de 2023

O poeta dos sonhos

 Dormíamos na copa das árvores.

Regressava a noite,

O Alfredo, sonolento, encostava-se ao interruptor do silêncio…

E segundos depois, acordavam todas as estrelas.

Meia-dúzia de putas…

Desciam a rua e encostavam-se a Cais do Sodré,

Regressava o vento lá dos lados do Tejo,

Depois, descíamos da copa das árvores,

Desenhávamos um abraço na doce manhã…

Fumávamos um cigarro,

E nada,

 

E nada vezes nada,

O zero medo quando os planetas machos procuram os planetas fêmeas,

Da varanda, a linda serpente embrulhada nos braços do Alfredo,

E tínhamos medo, e sempre que olhávamos o Tejo,

Um petroleiro com fome poisava em nós…

E acabava sempre, mas sempre, nas algibeiras da insónia.

Dias depois, o Alfredo…

PUM.

Dizem que por desgostos de amor,

Pegou no revolver…

E zás,

Um tiro nos cornos e dizem,

Dizem que ganhou um par de asas,

Asas,

Ou talvez cornos,

Já nem sei…

Passou tanto tempo, meu amor,

Tanto tempo escondido dentro daquele pedaço de silêncio,

E há tanto tempo que o Alfredo deu o tiro nos cornos…

Pedia-lhe perdão,

E ela,

Nada,

Zero vezes zero…

O zero primeiro milagre dos tristes embondeiros,

 

Ouvíamos os mabecos esfomeados em busca de sexo,

Num dos bolsos da gabardine,

O isqueiro,

E no outro…

A pedra e o livro das mortalhas,

E sabíamos, e sabíamos que brevemente,

Estávamos nos braços de um do outro,

 

Erguia-se da cadeira, olhava cada livro estacionado na biblioteca…

Depois, depois segredava-me…

Não gosto de ti.

Que se foda, pensava eu, e pensava bem,

E pensam bem todos aqueles que pensam.

Porque pensam.

Porque estão bem,

E quando tudo está bem…

Não se muda uma palavra ao poema.

Eu lia-lhe AL Berto no sorriso de um pedacinho de sémen,

E ela gostava tanto dos poemas de AL Berto…

Que eu, rapaz nada ciumento,

Sentia os meus primeiros capítulos de ciúme;

Os poemas de AL Berto.

 

Regressava a noite nos lábios da coruja,

Ele nunca soube o significado de ser amado…

Ele nunca soube o significado de ser desejado…

E, no entanto, ele amava todos os barcos do oceano,

E, no entanto, ele morreu, sem que todos os barcos do Oceano soubessem.

Despia-a na lentidão de Milan Kundera,

Acariciava-lhe os lábios entre os pequenos destinos de luar,

Começava a escrever no seu corpo todas as palavras que tinha recolhido durante a noite…

Mas como sempre, ela, horas depois, evaporava-se e depois de entrar na neblina sobre o Tejo…

Coitado do Alfredo,

Coitado,

Um tiro nos cornos…

E um par de asas em camurça.

 

Eu desenhava nas frestas da parede em gesso, junto a um crucifixo,

Todos os seus gemidos,

Todos os seus beijos,

Desenhava nas frestas da parede em gesso,

A paixão e o amor,

E enquanto fodíamos,

Cada um de nós pertencia ao sorriso da lua,

Ela dizia que queria ser bióloga,

Eu…

Quanto a mim,

Nada.

Quero lá eu ser isto e aquilo ou aqueloutro…

Para que quero eu um carro com tantos cavalos?

Nem tenho terreno onde os deixar durante a noite a pastar…

 

O relógio tinha-se esquecido de nós,

O marido dela estava de regresso do outro lado da rua,

E eu,

E eu tinha de apanhar o cacilheiro para o primeiro beliche que encontrasse,

Corria, corria e pensava como poderia um dia desenhar nas nuvens a primeira lágrima da manhã,

Mas como sempre, não o consegui; decididamente não sei desenhar lágrimas,

Não sei o que é uma nuvem…

E o relógio, sorria-me.

 

Amanhã é sábado, meu amor.

E depois?

O que me interessa a mim,

A mim,

Se amanhã é sábado,

Se ontem foi quinta-feira…

Ou se daqui a uns dias será terça-feira,

Se estamos em Janeiro ou em Outubro…

Ou no Natal.

Mas amanhã é sábado, meu amor,

Pois,

Pois,

E o Alfredo que se foda,

Pensas que vou deixá-lo sozinho com uma bala nos cornos?

Amanhã é sábado, meu amor…

Não. Os meus amigos são os meus amigos. E tive-os bons…

 

E eu vou começar a escrever-te cartas.

Olha, cartas de amor,

Com as palavras de um transeunte das noites de Alcântara…

Terra à vista,

Barcos na algibeira,

O comboio não pegou hoje,

Deve estar constipado, meu amor,

Só pode estar constipado.

 

Tantas flores, meu amor,

Tantas flores que lançámos da janela,

E hoje tratam-nos como dois viciados da poesia de AL Berto…

Dos jardins de Belém,

Quando da noite…

Regressavam os Mercedes Topo de Gama,

(CD),

E eu, meu amor,

E eu apontava num pequeno caderninho…

Todas as matrículas do sono.

 

Dias antes de o meu pai morrer,

Enquanto retirávamos a documentação para posteriormente entregar à agência funerária…

Eu, acreditas meu amor,

Eu estava lá; eu e a minha avó Valentina.

Que coisa estranha, meu amor…

Quantos anos eu andei dentro daquela carteira.

Quantos anos…

Quantas noites...

Quantos dias e horas e minutos e segundos e milésimos de segundo…

E eu, meu amor,

E eu nem carteira uso…

E eu, e eu nem um filho tenho para deixar o seu retracto dentro de uma carteira que não uso,

Que não tenho,

Que nunca tive

E que nunca terei.

 

Abraçava-te sabendo que depois de percorreres a ponte…

Te lançarias para o rio.

Mas eu, o covarde de sempre…

Nada,

Eu, nada.

Deixei-te morrer.

Deixei morrer os teus poemas e as palavras dos teus poemas…

 

Hoje, meu amor,

Hoje sou um velho sentado numa pedra cinzenta,

Fumo os cigarros da angustia e da puta que os pariu…

Desenho barcos na areia das tuas coxas…

Escrevo poema no sorriso dos teus seios…

E sei que um dia,

Qualquer dia,

Dentro do dia,

Depois de ser dia…

Morrerei…

E vão dizer,

Sim, meu amor,

Vão dizer que naquela pedra cinzenta,

Naquela pedra de ninguém…

Era a pedra onde se sentava o poeta dos sonhos.

 

 

 

Alijó, 03/05/2023

Francisco Luís Fontinha