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sexta-feira, 21 de julho de 2023

Gaivotas

 Gaivotas tristes,

Tristes num Tejo sem ninguém,

Ausente,

Sem gente,

Gaivotas tristes,

Cacilheiros enjoados,

Às vezes,

Em círculos de sono,

E desaparecem no pôr-do-sol.

 

Gaivotas tristes,

Triste num Tejo sem ninguém,

Que espera o vento,

Que antecipa o regresso da noite,

E da noite erguem-se as primeiras balas de alegria…

Dum Tejo sem ninguém,

Com gaivotas tristes,

Tristes gaivotas,

Perdidas durante o dia,

Na ânsia que um beijo em poesia…

Atravesse o Tejo,

O Tejo sem ninguém,

Ausente,

Sem gente.

 

Gaivotas tristes,

Tristes num Tejo sem ninguém,

Frio e escuro,

Sem estrelas e sem luar,

Gaivotas tristes,

Tristes a gaivotas que não sabem voar.

 

 

 

21/07/2023

Francisco

sábado, 10 de junho de 2023

As estrelas das minhas mãos

 

Vou por aí, andando e pensando, quando me dizem que não devia pensar, porque um tolo não pensa, porque quem pensa, é um tolo pensante…

Vou, vou andando e por aí… ao som de Black Magic Women,

Vou por aí, andando e pensando, pensando e voando… e enquanto voo, eu penso, penso que se não existisse a gravidade, que se diga, não era grave, no entanto, eu penso,

Que não precisava de asas para voar, não, nada disso, penso que…

Em tanta coisa que penso,

Mas penso.

E que sim, que avencem as tropas de Santarém em direcção ao Terreiro do Paço,

Sentava-me e pensava, e contava todos os cacilheiros que invadiam os meus olhos, meu Deus, eram tantos e tantas…

Para a frente,

E para trás,

Uns eram cegos, outros eram lindos… e outras,

Outras pareciam uma pequena bolha numa mísera folha de alumio, no entanto, muito depois, o AL, perceba-se, símbolo químico do alumínio, em criança…

Sabíamos na ponta da língua qual era o símbolo químico da navalha,

K2ou3,

As tropas de Santarém estão a fazer a aproximação ao Terreiro do paço, e eu, e eu aqui sentado em frente ao Terreiro do Paço, como se fosse uma criança com cabelos compridos e loiros…

Nada de bom tenho, pensava, do pouco que me sobeja, não me sinto… digamos, discriminado,

Tenho mais sonhos sonhados do que a maioria de todos estes cacilheiros, e mesmo assim, querem que eu seja…

Deus.

Raio.

E se Deus quiser, um dia, qualquer dia, tanto me faz… o dia, desde que seja de noite, com luar, sem luar…

As tropas começam a desenhar sorrisos nos lábios da noite, eu tinha ficado por aquelas bandas, talvez tivesse adormecido num qualquer banco de jardim, não seria a primeira vez,

E a bolha, como os cacilheiros, dançava nas mãos de uma criança, que não gostava que as acácias chorassem,

Mas elas, teimosamente,

Choravam.

Vou por aí, andando e pensando, quando me dizem que não devia pensar, porque um tolo não pensa, porque quem pensa, é um tolo pensante…

E tanto as tropas como eu, estávamos a cagarmo-nos para o tolo, se pensava ou não pensava, se fodia ou não fodia, e a maior parte das vezes, era fodido,

Escrevia cartas durante a noite, para a noite. Eles e elas e os cacilheiros…

Indiferentes que eu tivesse dormido num banco de jardim.

Erguia-me, olhava-me no espelho da manhã, desenhava com um lápis de cor um pequeno sorriso na mão, e voava…

Quando nos teus braços, já as tropas de Santarém colocavam as algemas nos teus lábios,

Um baixote, muito baixo e muito gordo, que agora é proibido de dizer e de escrever,

Mas claro, eles querem que eu me foda, e claro também, eu, eu quero que eles se fodam,

Nomeadamente quando esse mesmo baixinho e gordo das tropas de Santarém informa a madrugada,

Alô, comando territorial do sono,

Lisboa é nossa.

Bravo, bravo…

Que sim. Que felizes eles estavam…

E eu, dormia num banco de um qualquer jardim da cidade dos sonhos.

Abraçava o Tejo, o Tejo abraçava-me, e sabíamos que numa qualquer manhã daquela Primavera… morreria a insónia.

Por aqui, cacilheiro número três mil e oitocentos, calça quarenta e quatro,

E na boca,

Na boca esconde um pedaço de sargaço.

Somos muitos, ouvia-os, e mesmo assim, não aconteceu nada…

Vou por aí, outras vezes por aqui, e de tolo em tolo, tínhamos tomado a cidade dos sonhos e toda a cidade era apenas nossa,

Não acreditava em janelas, não acredito em Deus,

E às vezes, converso com Deus…

E que não devia pensar, e que sou um tolo pensante, penso,

Penso como apareceu toda a matéria do Universo, toda ela concentrada num pequeno espaço como o da cabeça de um alfinete, e claro, eu acredito…

Eu acredito.

No entanto, o tolo que pensa, pensa

Quem colocou toda a matéria do Universo dentro daquele pequenino espaço do tamanho do da cabeça de um alfinete?

Claro que não foi Deus, porque naquela altura, certamente

Andaria muito ocupado.

Mas penso.

E admitindo que numa qualquer tarde, enquanto Deus se deliciava com o seu cigarro, ele, ele resolvesse colocar nesse mesmo pequenino espaço do tamanho do da cabeça de um alfinete,

Toda a matéria,

Será?

E toda a matéria, de onde veio?

Das mãos das tropas de Santarém que agora mesmo tomaram Lisboa aos cacilheiros,

Que porra.

O alfinete de tanto esperar, dizem que Deus é tão perfeito e ao mesmo tempo,

Muito vagaroso,

Diferente

De preguiçoso,

O desgraçado do alfinete, espirrou… um grande espirro…

E voilà,

E definitivamente

É criado o Universo,

Há bebidas grátis, há porco no espeto…

Claro que as coisas menores,

Aos poucos,

Foram crescendo no arvoredo da tarde.

Por aqui, por aí,

Os tolos que pensam, são os mesmos tolos que Deus enviou para Marte.

E até hoje,

Ainda não regressaram, nem regressarão mais.

Para concluir, senhor professor, diria que toda a matéria que existe no Universo veio do nada,

Portanto,

Do nada,

Um pouco de anda,

Poderá nascer tudo,

Acredita nisso, Francisco?

Acredito, professor, acredito…

E há quem duvida de toda a beleza criada por Deus…

E há quem duvide da existência de Deus.

 

 

 

 

Francisco Luís

Terreiro Paço, 10/06/1013

(ficção)

sexta-feira, 14 de abril de 2023

Partida

 Escondíamo-nos dos tristes candeeiros nocturnos

Quando a paixão espiava o acordar da noite,

Sabíamos que dentro daquele rio,

Envenenado até à foz,

Escondia-se o inferno de amar,

E cada palavra que semeávamos na árida terra de ninguém…

Uma gaivota de luz poisava-nos sobre os ombros estonteantes,

 

Éramos novos,

Passávamos a tarde a contar cacilheiros,

Linhas rectas traçadas no olhar…

E só acordávamos do outro lado do rio,

Quando ouvíamos os apitos em despedida…

A despedida,

A eterna despedida,

A ausência do corpo…

Quando o corpo pede o silêncio,

E da boca,

Chegava-nos o desejo…

E um longo beijo se erguia na alvorada,

 

Era triste o teu olhar,

Madrugada da simplicidade…

Eram tristes as manhãs junto às tuas mãos,

Quando do teu rosto,

As lágrimas se despediam da tua sombra,

 

Eram tristes as nossas tardes,

Como eram tristes todas as nossas bebedeiras e voos frenéticos junto ao mar…

Como ainda são tristes as tuas palavras,

Que escondo dentro de mim,

Como se pertencessem a uma lápide de luz…

Invisível,

Que apenas eu tenho acesso,

 

Eram tristes os poemas que te escrevia,

Como tristes se sentiam as minhas esferográficas…

Quando percebiam que te ia escrever,

E no entanto,

Escrevia-te…

Sem saber se junto ao rio,

O teu rosto de gaivota,

Ainda brinca com as crianças…

Ou se também ele já partiu,

 

Éramos tristes,

Éramos a ausência de uma cidade que constantemente vomitava silêncios…

E sempre que um de nós tombava no pavimento do medo,

Sentíamos a presença das estrelas que nos davam a mão…

E nos levantava…

Ora a mim,

Depois…

Depois,

 

Partiram todos os milhafres do nosso olhar,

Caravela quinhentista,

Gavião da minha tristeza,

Partiram todos…

Partiram sem se despedirem de nós…

Assim…

Como partem as andorinhas quando termina a Primavera,

Nunca se despedem,

Partem.

 

 

 

Alijó, 14/04/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 25 de março de 2023

Os pequenos sorrisos da infância

 Semeávamos as palavras nas lágrimas do Tejo, enquanto junto a nós, um velho cacilheiro se perdia de amores pelo primeiro raio de Sol da manhã, e em cada punhado de palavras que lançávamos ao rio, um pedacinho de silêncio partia em direcção ao mar,

Tínhamos dentro de nós todos os sonhos, tínhamos dentro de nós todas as brincadeiras de um novo dia que brevemente começaria, que brevemente partiria, também ele, como partiram todos os sorrisos que conhecíamos.

Abraçava-a, pegava-lhe no cabelo de Primavera e sabia que do outro lado do rio, que do outro lado do rio havia um barco com mãos de prata e lábios de sangue; era o barco que me trouxe do outro lado do Oceano.

Uma criança chorava. Uma criança desiludida com os dias e com as noites e com os machimbombos…

O Tejo sabia que um dia, que um dia o meu corpo seria absorvido pelas suas mãos, e desde então, procuram nas suas águas um esqueleto sem nome, um esqueleto com asas, um esqueleto de vidro…

Semeávamos as palavras nas lágrimas do Tejo, enquanto junto a nós, um velho cacilheiro se perdia de amores pelo primeiro raio de Sol da manhã, os cigarros entre pequenas pausas para o café, levitavam e desapareciam como pássaros depois da tempestade, e nunca soube o nome daquela tempestade; como deixei de saber o nome das coisas, de todas as coisas.

Bebíamos pequenos tragos de uísque, dançávamos sobre a relva de Belém, à nossa volta, outros esqueletos preenchiam a tarde com piqueniques e outras coisas banais, fumávamos e bebíamos, e voávamos sobre uma Lisboa em construção,

Porque me mataram os esqueletos de prata?

Os barcos de regresso, diziam-nos que amanhã era o futuro, pequenos sorrisos num espelhos com janela para a Calçada da Ajuda, e ela, e ela percebia, aos poucos, que o meu esqueleto nunca mais seria encontrado naquele rio, naquele lugar, naquela cidade.

Hoje, hoje sou procurado pelas sombras daquela cidade, daquelas ruas, hoje sou maias uma das sombras que habitam os jardins onde crescem os pequenos sorrisos da infância.

Ergui-me da cama, abri a janela, puxei por um cigarro e ouvi da boca dela:

Vou embora.

Continuei a fumar, continuei a olhar o Tejo… até que ouvi o som desengonçado e perro da porta do quarto a fechar-se, como se fosse o fecho da tampa do meu caixão.

Depois, depois fechei a janela, escondi-me debaixo do chuveiro, e algumas horas depois, quando já de saída do quarto e chegando à rua, percebi que durante a noite alguém tinha mudado o nome daquela rua; e fiquei sem saber onde estava.

Apenas fiquei com o perfume de um rio, de um rio que pouco a pouco… morre dentro de mim, como morrem todas as coisas em que toco.

 

 

 

 

Alijó, 25/03/2023

Francisco

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Um poema de merda

 (Os teus poemas são uma merda, meu caro Francisco. São uma merda os teus poemas, são uma merda os teus textos, os teus desenhos; tu és uma merda)

 

Todas as manhãs um barco de insónia descia a Calçada da Ajuda, no porão, carregado de ossos e outras bugigangas, um pequenote saltitava de feliz e contente; às vezes, as crianças são felizes e sorridentes, mesmo calçando e vestindo o espelho da pobreza.

E ser pobre não é defeito. Este pequenote, carregando uns calções e nada mais de que isso, brincava em cima dos três caixotes que sobejaram de uma longa viagem, viagem essa que ainda hoje não chegou ao seu destino.

(os teus poemas são uma merda, meu caro Francisco)

No exterior do barco, um jovem soldado, de pistola na mão e apontando-a à cabeça, dispara: contra as paredes amarelas do muro da vergonha, um amontoado de miolos deu cor e brilho, obra de arte que durante semanas, mesmo depois da dita parede ser raspada e pintada, tornava-se assim atracção mundial.

(a arte de uma cabeça estoirada e lançada contra uma tela invisível)

À noite, o pequenote saía do porão, saltava do barco e em corrida descia toda a Calçada como se fosse à procura de um qualquer Cacilheiro que tinha ficado da tarde que já se tinha finado, e andasse por ali… ou por aí.

(Os teus poemas são uma merda, meu caro Francisco. São uma merda os teus poemas, são uma merda os teus textos, os teus desenhos; tu és uma merda)

Chegando ao rio, sentava-se junto à água e ficava horas a contar sombras e luzes que chegavam da outra margem, olhava o Cristo Rei e a Ponte que foi Prof. Dr. Oliveira Salazar e depois baptizada de vinte e cinco de Abril e acreditava que um dia, um dia todo aquele rio e todos aqueles barcos seriam só dele.

Horas depois e já o pequenote estando farto da Ponte, do Cristo Rei e de tantos barcos, zarpava e estacionava os calções em Cais do Sodré onde adormecia num qualquer quarto com janela para o inferno e sem casa de banho privativa.

(Os teus poemas são uma merda, meu caro Francisco)

E numa tarde de neblina o pequenote desapareceu sem deixar uma carta ou um poema…

Talvez um poema de merda, meu caro Francisco.

Um poema de merda.

 

 

 

 

 

Alijó, 09/01/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 13 de novembro de 2022

Este mar salgado

 Visitas-me enquanto ardem na lareira os pequenos pedaços de sono, na parede da sala, as minhas mãos envenenadas pelo mar salgado da infância, olham-te, e percebo que me morres a cada mínimo cansaço da manhã,

Curiosamente,

O vento leva-te de mim à velocidade de um simples olhar,

E olho-me no espelho silenciado das palavras que sobejam das janelas entreabertas e que nos transportam para as noites de paixão.

Define-me paixão.

Uma pedra preciosa nas mãos de Deus.

Não percebi, mas acredito que o mar começa a correr para as montanhas e que os pássaros que poisam sobre as árvores são apenas sombras em papel.

Um olho de vidro, come-nos, como nos comeu a serpente que todas as manhãs de Primavera entrava em nós e nos libertava da escuridão,

A escuridão dos teus lindos olhos de pequenino incenso,

Abro-te e beijo-te, enquanto me aprisiono às cortinas de espuma que o mar trouxe e que voaram sobre o teu cabelo,

Sou omnipotente,

Enquanto me mato desta janela de vidro,

Oiço-te,

E beijas-me.

Então, sabendo que sou um crucifixo de medo, que transporto nos braços as algemas da timidez, beijo-te, e dos meus olhos pincelados de mar, transformo-me num barco que beija, transformo-me num barco que ama, transformo-me num barco que arde nos teus lábios,

Como assim, barco?

Um barco que foge da multidão,

Sentindo o medo de que esta lareira em paixão se extinga, e que sendo um barco, a luz diáfana da madrugada me embriague e me leve para ti, como esse pedaço de só que suspendes na parede nua de uma sala nua de uma madrugada nua de um corpo nu,

O teu corpo, mergulhado nos meus dedos.

Beijo-te.

Beijas-me e foges,

Enquanto tenho na algibeira a pobreza e a melhor das riquezas,

Os meus olhos, meu querido?

E pergunto-me,

O que têm os teus olhos que os meus olhos não têm?

A paixão,

E que Deus nos perdoe,

Como dizem que perdoou,

Enquanto os meus lábios mapearam cada milímetro quadrado do teu corpo travestido de seda púrpura e lantejoulas envergonhadas,

Em que pensas, meu adorado barco de insónia?

Nas metades da laranja dos primeiros dias da semana,

E o fogo inventa em ti as pobres migalhas que o pão deixou sobre a mesa, a mesma mesa onde descobriste que as minhas mãos eram apenas poemas incendiados numa qualquer lareira que traziam os teus braços ao meu pescoço, e

Como assim, barcos de ninguém?

Sem nome, sem identidade, sem palavras e sem destino

O sonho?

Porque são frias as manhãs dos teus lábios, meu amor?

E porque choram, sim, e porque choram as nuvens do teu cabelo?

Uma avenida engalanada sempre que chove e sempre que chove,

Sem destino,

Este pobre menino de porcelana falsificada pelas mãos do artesão que traz no peito os cigarros da noite anterior e que tal como o barco

Arderam em ti como camuflados cinzentos que o orvalho deixa nas escadas de acesso ao sótão.

Visitas-me enquanto ardem na lareira os pequenos pedaços de sono, na parede da sala, as minhas mãos envenenadas pelo mar salgado da infância, olham-te, e percebo que me morres a cada mínimo cansaço da manhã,

Curiosamente,

Olho-me nessa parede de sono,

E acredito,

E sei;

Sou apenas eu, o tímido e envergonhado marinheiro de uma Lisboa mergulhada no falso oiro, nas falsas palavras, nos falsos apitos em triste tesão

Como um cacilheiro de cigarro na boca à procura de engate,

Entre os parêntesis dos teus seios,

As minhas mãos erguidas para Deus.

Oiço-te.

Porquê?

 

 

 

 

 

Alijó, 13/11/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

As camufladas palavras do sonho


Roubaram-me o sono e os sonhos.

Roubaram-me a noite,

E todos os veleiros da marina.

Roubaram-me todas as palavras que tinha,

E não tinha,

E agora sinto a falta delas.

Roubaram-me os livros, a saudade, e a madrugada.

Hoje, nada tenho.

Roubaram-me a Calçada,

O rio,

E todos os Cacilheiros em viagem.

Roubaram-me as flores, as árvores e o meu próprio jardim…

Também ele, saqueado pelos piratas vestidos de negro.

Trouxeram-me a morte,

Adormecida em papel vegetal,

Num Sábado de Setembro,

Roubaram-me,

E se bem me lembro,

Ontem,

Nada me tinham roubado.

Roubaram-me as lágrimas, e todo o sofrimento.

Roubaram-me o alimento,

Das palavras gastas,

Entre parêntesis e pontos de interrogação.

Roubaram-me tudo.

Tudo.

Que hoje, sentido a falta da presença das palavras do sonho,

Não estou triste;

Mas roubaram-me os pássaros da minha cidade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

25/11/2019

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Sombras sem sorriso


Deixei de sonhar com as tuas sombras sem sorriso,

Sufocam-me as tuas palavras amargas…

Sofridas e falsas,

Deixei de olhar o mar

E os barcos embriagados pela sonolência da noite,

Agora pareço um Cacilheiro amarrado às folhas ténues dos Plátanos,

Escrevo-te,

Mas não sonho com as tuas sombras,

Sem sorriso,

Agora,

Ontem…

A alegria de estar só.



Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 25 de Setembro de 2015

quarta-feira, 24 de junho de 2015

Entre poemas e poemas de ninguém


Não tenho pressa de voar nos teus olhos,

Meu amor,

Sei que nas tuas lágrimas existem diamantes invisíveis,

Um silêncio de noite

Cobre a tua pele,

Não tinha tempo para o amor,

Amar,

Ser amado,

Escrever no teu corpo os meus frágeis dedos,

Amo-te,

Amo-te sem perceber porque amo a noite,

Amo-te sem perceber porque hoje é noite,

Construída num quadrado de vidro,

Hoje ouvi os primeiros dos últimos sussurros dos pássaros daquele jardim envenenado,

Não sei, meu amor, escrevo-te sem saber se existes nesta Galáxia de alegria,

Amar,

Ser amado,

Amo-te sem perceber as palavras do teu corpo,

O poema,

A paixão,

A caricia das tuas mãos escondidas num caixote de sonhos,

Os desenhos, também eles te amam,

Meu amor,

Os barcos,

Os livros,

Cobrem a tua pele…

Sentado em ti,

Embrulhado nos teus beijos,

E mesmo assim,

Não quero regressar a uma Lisboa iluminada por Cacilheiros

E soldados de papel,

Ouvíamos os comboios em direcção a Cascais,

Belém brincava nos nossos braços,

E havia sempre uma esplanada para aportarmos,

Éramos âncoras de luz

Olhando as geométricas quadrículas do sexo,

Gemias,

Meu amor,

Entre poemas e poemas de ninguém,

Éramos odiados pelas serpentes dos eléctricos,

E pelos insectos da madrugada,

Fumávamos todos as estrelas,

Ignorávamos todas as pontes

E todos os abutres de aço,

Felizes eles,

E elas,

E eles,

Meu amor,

Fugíamos das noites com cortinados de desejo,

Tínhamos na nossa cama a solidão,

Os barcos de há pouco recordados,

Os acentos acorrentados à maré inseminada pelo pôr-do-sol.

Não o quero,

Meu amor,

Não o quero no meu corpo,

Na minha alma,

E nas minhas raízes…

Só elas conseguem aprisionar-me ao amanhecer,

E só tu consegues libertar-me desta cidade a arder…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Quarta-feira, 24 de Junho de 2015

domingo, 14 de junho de 2015

Vazio cubo de vidro…


Não sei onde habita a navalha de sombra

Que espetaste no meu peito,

Era noite,

Criança melancólica em pedaços de luar,

A vida parece uma roldana,

Sem tempo,

Horário,

Alimentando-se das horas,

Gritando as palavras dos teus lábios,

Em milhões de grãos de areia,

A fogueira no teu cabelo,

A caricia nas tuas mãos que só a madrugada sabe desenhar,

Não sei,

Porque me olha este jardim sem olhar,

Sem corpo,

Imune ao peso,

E ao vento,

Voa,

Sobre os Cacilheiros de prata,

Suicidando-se no Tejo…

Não tenho corpo também,

Sou um rochedo de xisto

Sem destino

Descendo a montanha até ao rio,

Morri…

Oiço-o nas catacumbas da prisão,

Encerraram-lhe as janelas

E o mar

E as árvores com janelas,

E um dia acordará no vazio cubo de vidro…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 14 de Junho de 2015

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Fugitivo nocturno


Quando as algemas do silêncio poisam no meu finíssimo pulso de fugitivo,
ando em viagem há quarenta e dois anos,
sonhei dentro de um paquete,
que hoje...
hoje apenas sucata,
voei sobre a cidade do beijo,
e...
e do Tejo,
cansei-me dos apeadeiros sem transeuntes,
desertos,
sós... como os pedintes,
só... como o desejo,

Fui vagabundo nocturno,
magala desalinhado,
obstruído nas catacumbas da solidão,
drogado de profissão...
embriagado das sanzalas de granito,
com fotografias para o obscuro corpo de uma bailarina,
quando as algemas do silêncio poisam...
e eu, e eu longínquo como os pássaros em cartão,
dormi na rua,
vagueei pela cidade à procura de nada,
apenas caminhava...
e não acreditava,

E não acreditava na ausência,
e...
e no amor eterno,
amor de “merda”
só a cidade me alimentava...
e acolhia,
apaixonei-me por cacilheiros e marinheiros invisíveis,
fui trapezista junto à Torre de Belém...
e sentava-me no pavimento cansado dos fins de tarde,
imaginava-te num caderno de desenho Cavalinho,
escrevia nas páginas adormecidas do “Doutor Jivago”...
e hoje pertenço às “Almas Mortas” do Nikolai Gogol.




Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 6 de Novembro de 2014

domingo, 21 de julho de 2013

Eu? Porquê?

foto de: A&M ART and Photos

Uma,
Apenas uma palavra, uma só...
Pensa numa palavra e escreve-a na minha mão,
Vou... vou escrever rui, é isso, RIO,
Una única palavra à janela dos teus lábios misturando-se no teu olhar o apaixonado rio, barcos e filhos, em círculos como crianças em volta de uma lareira imaginária, lágrimas de cacimbo engolindo sombras de mangueira, barcos e filhos, Cacilheiros e pontes, atravessávamos e do outro lado, o Seixal, e rumávamos a sul, paragem em Silêncios de Nada, uma pequena aldeia minúscula encalhada entre a poesia e um reles texto de ficção
(não revisto)
Claro que sim, não revisto, não aprovado, não
Vês, apenas uma palavra, RIO... e nas tuas mãos sei que habitam sorrisos, Louco, eu?
Claro, louco tu, porque
(não revisto)
Porque de uma palavra é impossível construir um texto, porque de um RIO é impossível viverem barcos e filhos e Cacilheiros, e dormirem pontes, e caminharem sobre ele
Comboios,
Filhos e filhas, e os pais, os barcos de braço dado em frente a um espelho, bâton nos lábios, desejos na boca, sigilo profissional, e tudo o que disser será usado contra a sua defesa...
(Foda-se)
Já o sabia, estes cabrões destes barcos novos... mal começam a navegar e já deixam entrar água e outros objectos indesejáveis aos habitantes portuários das Ilhas dos Pássaros Adormecidos, lembras-te amor?
Amor, eu? Qual amor seu parvalhão? Vai chamar amor ao...
Uma, vês, apenas uma
Parabéns ao vencedor!
Apenas uma e tu ficavas a perceber como se constroem os muros nocturnos das cinzentas escadas de acesso ao céu..., enrolavas-te numa toalha de linho
Eu? Deves ser malucos..., eu nunca, nunca...
E punhas-te à varanda a desenhar marés nas gaivotas com boca de Cacilheiro, ouvíamos os apitos, ouvíamos os muitos gemidos do pôr-do-sol, e ouvíamos o maldito som do Cuco do relógio de sala, sempre desgovernado, tu,
Amor, são quatro horas,
Eu,
Vai chamar amor ao...
Olhava a parede sonolenta e ele parado, estacionado ao lado do crucifixo em madeira, não sei muito bem porquê..., mas sempre
Eu? Porquê?
Tive, mas sempre tive a sensação que ele me espiava, quando entrava em casa madrugada dentro, embriagado, fazia-me de invisível e sabia que tu...
Porquê?
Amor, és tu?
Vai chamar amor...
Não, não sou eu, sinto muito, deve ser o Cacilheiro do quarto esquerdo, a brincar no ascensor, subindo, descendo, parando..., subindo, descendo, descendo, descendo,
Amor?
Olhava a parede sonolenta e ele parado, estacionado ao lado do crucifixo em madeira, não sei muito bem porquê..., mas sempre
Eu? Porquê?

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha