Semeávamos as palavras nas lágrimas do Tejo, enquanto junto a nós, um velho cacilheiro se perdia de amores pelo primeiro raio de Sol da manhã, e em cada punhado de palavras que lançávamos ao rio, um pedacinho de silêncio partia em direcção ao mar,
Tínhamos dentro de nós
todos os sonhos, tínhamos dentro de nós todas as brincadeiras de um novo dia
que brevemente começaria, que brevemente partiria, também ele, como partiram
todos os sorrisos que conhecíamos.
Abraçava-a, pegava-lhe no
cabelo de Primavera e sabia que do outro lado do rio, que do outro lado do rio
havia um barco com mãos de prata e lábios de sangue; era o barco que me trouxe
do outro lado do Oceano.
Uma criança chorava. Uma criança
desiludida com os dias e com as noites e com os machimbombos…
O Tejo sabia que um dia,
que um dia o meu corpo seria absorvido pelas suas mãos, e desde então, procuram
nas suas águas um esqueleto sem nome, um esqueleto com asas, um esqueleto de
vidro…
Semeávamos as palavras
nas lágrimas do Tejo, enquanto junto a nós, um velho cacilheiro se perdia de
amores pelo primeiro raio de Sol da manhã, os cigarros entre pequenas pausas
para o café, levitavam e desapareciam como pássaros depois da tempestade, e
nunca soube o nome daquela tempestade; como deixei de saber o nome das coisas,
de todas as coisas.
Bebíamos pequenos tragos
de uísque, dançávamos sobre a relva de Belém, à nossa volta, outros esqueletos
preenchiam a tarde com piqueniques e outras coisas banais, fumávamos e
bebíamos, e voávamos sobre uma Lisboa em construção,
Porque me mataram os
esqueletos de prata?
Os barcos de regresso, diziam-nos
que amanhã era o futuro, pequenos sorrisos num espelhos com janela para a
Calçada da Ajuda, e ela, e ela percebia, aos poucos, que o meu esqueleto nunca
mais seria encontrado naquele rio, naquele lugar, naquela cidade.
Hoje, hoje sou procurado
pelas sombras daquela cidade, daquelas ruas, hoje sou maias uma das sombras que
habitam os jardins onde crescem os pequenos sorrisos da infância.
Ergui-me da cama, abri a
janela, puxei por um cigarro e ouvi da boca dela:
Vou embora.
Continuei a fumar,
continuei a olhar o Tejo… até que ouvi o som desengonçado e perro da porta do
quarto a fechar-se, como se fosse o fecho da tampa do meu caixão.
Depois, depois fechei a
janela, escondi-me debaixo do chuveiro, e algumas horas depois, quando já de
saída do quarto e chegando à rua, percebi que durante a noite alguém tinha
mudado o nome daquela rua; e fiquei sem saber onde estava.
Apenas fiquei com o
perfume de um rio, de um rio que pouco a pouco… morre dentro de mim, como
morrem todas as coisas em que toco.
Alijó, 25/03/2023
Francisco
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