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terça-feira, 31 de outubro de 2023

Lábios amar

 Ilumina-se o teu cabelo

Com a luminosidade desta alegre lareira,

Brilha, o teu cabelo, como o sol da manhã,

Ilumina-se o teu cabelo

Com esta lareira em ebulição,

E da luz do teu cabelo,

Vejo a rua da alegria,

Vejo o silêncio quando mergulha no mar,

Quando o silêncio ilumina os teus lábios.

 

Quando o teu loiro cabelo

Se transforma em poesia,

Se veste de luz,

Se veste de dia,

 

Ilumina-se o teu cabelo,

Com a luminosidade desta alegre lareira,

Brilha, o teu cabelo, como a insónia luar…

Como a insónia madrugada,

Abraçada,

A luz do teu cabelo,

Na luz dos teus lábios amar.

 

 

31/10/2023

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Lado negro

 No lado negro da lua

Onde todas as noites me vou esconder

Onde escondo este poema

E ele amua,

No lado negro da lua

Onde passo as noites a escrever…

Na companhia desta lareira em chama,

Na companhia do meu sofrer.

 

No lado negro da lua

Onde me vou sentar

Neste pedaço de pedra cinzenta,

De onde vejo o mar…

E um sorriso pela manhã que me alimenta…

No lado negro da lua…

Onde tenho todo o meu sonhar.

 

 

30/10/2023

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Ribeira

 Escondo-me nesta fogueira

De vaidade

Que arde na lareira

Da saudade

 

Nesta fogueira sem nome

Desta fogueira sem idade

Com fome

E perdida nesta cidade

 

Escondo-me nesta fogueira

De sonhos interrompidos

Quando a noite foge para a ribeira

 

E o silêncio é luz-amanhecer

Nos sorrisos adormecidos

Dos sorrisos de perder

 

 

19/10/2023

sábado, 14 de janeiro de 2023

Gemidos nocturnos

 No silêncio da noite

Abraço-me às cinzas do teu olhar

Derradeiro desejo que toca a tua pele incandescente

Que no lençol do prazer

Deixa ficar as palavras murmuradas,

 

Na lareira

Os meus ossos desistem da madrugada

E a terra arável das minhas mãos

Evapora-se nos teus seios,

 

Como são transparentes as tuas mãos que me tocam

Num infinito gesto de protecção

Como são belos os teus olhos que me excitam

E desenham em mim as estrelas sem nome

E me oferecem os gemidos nocturnos da paixão,

 

Do silêncio da tua pele

Pedacinhos de mar escondem-se nas tuas coxas de insónia

E da lareira onde os meus ossos desistem da madrugada

Vem a mim o teu orgasmo disfarçado de sono,

E a manhã acorda numa fotografia

E traz a prisão das Pirâmides

E os dedos que te excitam nas noites envergonhadas…

 

 

 

 

Alijó, 14/01/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 1 de janeiro de 2023

A prisão do mar

 Da prisão

À da alma quando a vendes ao diabo

Na prisão de ventre

Da prisão dos braços

E das palavras que brincam nos teus braços,

 

A prisão sem pão

À prisão com pão

Tudo é prisão

Tudo

Tudo é uma prisão

Da prisão ao salário

Do salário às nuvens

A prisão do mar

Na prisão de um barco

Um barco preso no mar

Do mar sem salário,

 

A prisão da chuva

E do vento que transporta a chuva

Depois temos a prisão da lua

Do luar

E do corpo que dorme no luar,

 

À prisão do corpo

Quando este corpo semeia no teu peito

Uma prisão de silêncio

Numa prisão de desejo

E se o desejas

Prende-te ao desejo

Acorrenta-te às sombras que a noite deixa nos seios dela,

 

A prisão vaginal das manhãs sem poesia

À prisão do poema

Quando o poema

Dorme na tua cama

Dorme em cada dia,

 

E se a tua cama for um livro

Um livro com um só poema

Um poema

Uma mão

Quando te masturbas na madrugada,

 

Tudo

Tudo é uma prisão

Ou uma não prisão

De nada

Ou com tudo

Que a prisão aprisiona o teu pensamento,

 

A prisão de uma lareira

Quando um pássaro vadio canta à tua janela

E o pássaro sem pão

Pede-te que o libertes

Libertes da prisão

Na prisão deste mar,

 

A prisão dos teus mortos

Em uma prisão de fotografias

Na prisão de um álbum

À prisão numa pequena caixa de sapatos

Na prisão de uma lápide

Quando a lápide é uma prisão

De quatro pedras graníticas

Sem sol

Sem nada;

Uma prisão enganada.

 

 

 

 

 

Alijó, 01/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

O primeiro pingo de chuva

 Vou abrir todas as cancelas da noite

As visíveis e as invisíveis

Acendo o luar

E ligo a telefonia

Vou à janela

Abro-a

Puxo de um cigarro

Acendo-o

Estendo o braço

Abro a mão e pego o primeiro pingo de chuva

Fecho a mão

Encosto-a ao peito

Depois

Beijo o primeiro pingo de chuva

E chamo o mar

 

Enquanto o mar não vem a mim

Sento-me e espero

E o mar começa a entrar no meu corpo como um rio selvagem

 

Abraço-o cuidadosamente para não o magoar

E segredo-lhe baixinho ao ouvido

 

- Vem a mim

 

Depois vieram os barcos

E todos os peixes

E os barcos trouxeram as nuvens

E os peixes trouxeram a alegria

E as nuvens trouxeram as estrelas

 

Ao fundo da rua

Um transeunte

Olha-me

Eu olho-o

Eu ignoro-o

Depois

Ele ignora-me

 

Entre nós

Nem palavras

Nem das palavras

 

Apenas as sombras das palavras

 

Vem a mim

Traz as lanternas que alimentam o sono

E ensina-me a desenhar círculos de luz

Nas janelas da alvorada

E imagina quantos silêncios de pedra

Tem esta alvorada

Abre os olhos e planta as flores no meu peito

 

Depois

Traz as enxadas com que vamos capinar

Todo o capim das planícies

Onde às vezes

Deitas a cabeça e soletras o meu nome

 

Pego nos círculos de luz que me ensinaste a desenhar

E coloco-os nas vidraças da janela

Escrevo o teu nome

E o teu nome

Cresce na lareira

Enquanto o primeiro pingo de chuva começa a voar

E condenado que está

Fica prisioneiro do teu olhar.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 07/12/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Lareira da paixão

 

Poiso nos teus lábios a lareira da paixão,

 

Pequena flor

Em meu triste olhar,

 

E este barco cansado

Perdido neste grandioso mar,

Este barco apaixonado

No silenciado luar,

 

Este barco ancorado

Aos teus seios de amanhecer,

Sou este barco fundeado

Nos versos de escrever,

 

Pequena flor

Em meu triste olhar,

 

Que o vento lança ao meu coração,

 

Este barco que não se cansa de navegar,

Enquanto invento no teu cabelo estrelas de muitas cores,

Este barco de amar,

Amar todas as flores,

 

Pequena flor

Em meu triste olhar,

 

Do meu olhar

Tua dor,

 

Nos teus lábios a lareira da paixão.

 

 

 

Alijó, 28/11/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 22 de novembro de 2022

Nuvens poéticas em pérfidos luares

 Trazes nos olhos

O doce mel do mar

Que em teus lábios de fina madrugada

Dançam as andorinhas da adornada Primavera

Que na tua boca inventam o beijo,

 

Que no teu corpo

Menina em marítima lágrima de sono

As minhas mãos escrevem

O poema em construção

Do desejado Deus em oração,

 

As flores que transportas nas mãos

Do silenciado sorriso do centeio

Às pobres pedras da calçada

Onde danças

E brincas menina cansada,

 

E sorris à alegria janela

Que a manhã semeia e levita

Nas árvores envenenadas da paixão

E as nuvens poéticas em pérfidos luares

Poisam nas tuas coxas de ribeira acoitada,

 

É a tua voz que se liberta desta lareira

E em cada pedacinho de insónia

Diz-me ao ouvido

Que o doce mel que trazes do mar

São os sonhos que escreves no meu peito.

 

 

 

 

Alijó, 22/11/2022

Francisco

domingo, 13 de novembro de 2022

Este mar salgado

 Visitas-me enquanto ardem na lareira os pequenos pedaços de sono, na parede da sala, as minhas mãos envenenadas pelo mar salgado da infância, olham-te, e percebo que me morres a cada mínimo cansaço da manhã,

Curiosamente,

O vento leva-te de mim à velocidade de um simples olhar,

E olho-me no espelho silenciado das palavras que sobejam das janelas entreabertas e que nos transportam para as noites de paixão.

Define-me paixão.

Uma pedra preciosa nas mãos de Deus.

Não percebi, mas acredito que o mar começa a correr para as montanhas e que os pássaros que poisam sobre as árvores são apenas sombras em papel.

Um olho de vidro, come-nos, como nos comeu a serpente que todas as manhãs de Primavera entrava em nós e nos libertava da escuridão,

A escuridão dos teus lindos olhos de pequenino incenso,

Abro-te e beijo-te, enquanto me aprisiono às cortinas de espuma que o mar trouxe e que voaram sobre o teu cabelo,

Sou omnipotente,

Enquanto me mato desta janela de vidro,

Oiço-te,

E beijas-me.

Então, sabendo que sou um crucifixo de medo, que transporto nos braços as algemas da timidez, beijo-te, e dos meus olhos pincelados de mar, transformo-me num barco que beija, transformo-me num barco que ama, transformo-me num barco que arde nos teus lábios,

Como assim, barco?

Um barco que foge da multidão,

Sentindo o medo de que esta lareira em paixão se extinga, e que sendo um barco, a luz diáfana da madrugada me embriague e me leve para ti, como esse pedaço de só que suspendes na parede nua de uma sala nua de uma madrugada nua de um corpo nu,

O teu corpo, mergulhado nos meus dedos.

Beijo-te.

Beijas-me e foges,

Enquanto tenho na algibeira a pobreza e a melhor das riquezas,

Os meus olhos, meu querido?

E pergunto-me,

O que têm os teus olhos que os meus olhos não têm?

A paixão,

E que Deus nos perdoe,

Como dizem que perdoou,

Enquanto os meus lábios mapearam cada milímetro quadrado do teu corpo travestido de seda púrpura e lantejoulas envergonhadas,

Em que pensas, meu adorado barco de insónia?

Nas metades da laranja dos primeiros dias da semana,

E o fogo inventa em ti as pobres migalhas que o pão deixou sobre a mesa, a mesma mesa onde descobriste que as minhas mãos eram apenas poemas incendiados numa qualquer lareira que traziam os teus braços ao meu pescoço, e

Como assim, barcos de ninguém?

Sem nome, sem identidade, sem palavras e sem destino

O sonho?

Porque são frias as manhãs dos teus lábios, meu amor?

E porque choram, sim, e porque choram as nuvens do teu cabelo?

Uma avenida engalanada sempre que chove e sempre que chove,

Sem destino,

Este pobre menino de porcelana falsificada pelas mãos do artesão que traz no peito os cigarros da noite anterior e que tal como o barco

Arderam em ti como camuflados cinzentos que o orvalho deixa nas escadas de acesso ao sótão.

Visitas-me enquanto ardem na lareira os pequenos pedaços de sono, na parede da sala, as minhas mãos envenenadas pelo mar salgado da infância, olham-te, e percebo que me morres a cada mínimo cansaço da manhã,

Curiosamente,

Olho-me nessa parede de sono,

E acredito,

E sei;

Sou apenas eu, o tímido e envergonhado marinheiro de uma Lisboa mergulhada no falso oiro, nas falsas palavras, nos falsos apitos em triste tesão

Como um cacilheiro de cigarro na boca à procura de engate,

Entre os parêntesis dos teus seios,

As minhas mãos erguidas para Deus.

Oiço-te.

Porquê?

 

 

 

 

 

Alijó, 13/11/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Noite de ninguém

 Oiço esta lareira em desejo

E sei que aos poucos

Ela morre

Tal como morrem

Todas as palavras que escrevo

 

Oiço esta lareira que sofre

Quando um pedaço de madeira

Invisível

Brinca

E espera que eu a acaricie

 

E quando coloco a minha mão

Sobre o seu cabelo

Esta lareira onde ardem as minhas palavras

Cerra os olhos

E olho-a enquanto se extingue na noite de ninguém

 

 

 

 

Alijó, 02/11/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 15 de outubro de 2022

As palavras de matar

 São estas as palavras que te vou deixar,

São estas as cinzas das palavras incendiadas

Que te vou deixar, quando partir.

Também te vou enviar

As cinzas dos quadros que vou queimar,

E depois de encaixotar,

Enviar,

Ao destinatário,

 

São estas as palavras que te vou deixar,

Depois de lhes retirar o veneno,

São estas as palavras,

As minhas palavras…

São estas as palavras de matar,

Matar o fogo que se liberta destas mãos,

Que escrevem,

As palavras que te vou deixar,

 

E enviar.

São estas as palavras que te vou deixar,

E semear,

Na terra que nunca foi minha,

Que nunca será minha. São estas as palavras,

As minhas tristes palavras,

Em pedacinhos de cinza,

E orar; amém.

 

 

 

Alijó, 15/10/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 19 de janeiro de 2014

Janelas de mármore...

foto de: A&M ART and Photos

Os últimos cacos de ti desaparecem nas amoreiras virgens dos telhados de colmo
a dor inseminada que sentiam as tuas dúcteis veias habitam hoje nas janelas de mármore
e durante a noite
a mão solitária da insónia rouba o mar que se ouvia das janelas de mármore...
sinto-te neste momento em finas placas de poeira
inventas o vento para que os teus despojos sejam selvaticamente levados para a montanha
uma ribeira alegremente chora
e no teu rosto de cacos
as pequenas lágrimas de cianeto que invadem o teu doce sofrimento
hei-de ser uma lareira acesa na tua mão de porcelana
um livro em forma de chocolate...
hei-de ser um dos últimos cacos de ti.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 19 de Janeiro de 2014

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A lareira da paixão

foto de: A&M ART and Photos

Perceber o fogo do corpo em suspenso
aquele que arde entre a morte e as palavras enraivecidas
escrever no corpo que arde em suspenso quando os lábios do fogo
não morrem... e permanecem inconstantes como um círculo descendo a calçada da Ajuda
perceber que o homem arde
fervilha
e dorme no colo de outro homem...
ergue-se o cansaço argiloso das andorinhas de papel
vem a nós os desejos preguiçosos das saudades de ontem
e fervilhas
como um pedaço de madeira nas mãos de Deus...
porque o rio se despediu de ti e tu permanecerás dentro da lareira da paixão.



@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 15 de Janeiro de 2014

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A colegial sem nome

foto de: A&M ART and Photos

A colegial sem nome que esconde os lábios na madrugada
o livro da colegial dorme como uma criança cansada
o cansaço inventa sorrisos nas mãos do desejo
e este
às vezes como um poço sem fundo
também como a colegial
sem nome
voa sobre as praças com candeeiros de prata,

Os lábios foram-me oferecidos pela madrugada
e a noite constrói-se nas lágrimas da chuva
dos orgasmos fingidos
que a colegial também esconde
não na madrugada
não no corredor da morte...
mas... mas esconde-os na alma do Diabo
como pétalas de insecto mergulhadas nas manhãs de Inverno,

A colegial é transparente
é imóvel
saboreia-se nas candeias que o destino lhe roubou
ela desconhece que a lareira existe apenas para a aquecer
despe-se para o espelho...
a colegial sem nome diz que quando for grande quer ser uma fotografia a preto-e-branco
perplexa
descobre o veneno dos zincos telhados que acordam a criança cansada...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 25 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

giba da paixão

foto de: A&M ART and Photos

brincava com as dúcteis tuas mãos de porcelana
vivia em nós o espelho giba da paixão
e sabíamos que das barcaças tontas dos malignos jacarés de palha...
palavras em fogo atravessavam os nossos corpos
eram agulhas de desejo
como serpentes envenenadas da selva dos beijos embriagados
comíamos coisas fúteis
bebíamos líquidos esbranquiçados com duas simples pedras de gelo...
a tua mão tremia
abraçada à tua voz de noz enfeitada com néons de linho nos cortinados vazios das esplanadas nocturnas de Belém... e os cacilheiros dentro de ti
choravas e uivavas...
e apitavas...

percebia-se nos teus olhos o romper da madrugada
e o regresso das chuvas invisíveis com sabor a procissão desalmada
brincava
choravas
e vivíamos encalhados numa tenda de circo
com asas metálicas
e nariz em fibra-de-vidro...
não não éramos um avião
e vivia em nós o espelho giba da paixão
um fino sabor a hortelã vagueava no teu rosto desenhado no xisto de prata
e da lareira
uma nuvem de sofrimento fundia-se como chumbo no prato fundo da ribeira dos tristes orvalhos...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 9 de Dezembro de 2013

sábado, 2 de novembro de 2013

E um cordel de medo a atravessar o espaço vazio de nós...

foto de: A&M ART and Photos

A musicalidade das tuas mãos poéticas, sinto em mim as teclas do piano onde poisas o teu silêncio, e mergulhas no Sol e és levada para as nuvens invisíveis que habitam no meu peito, a rua está deserta, e chove, e a lareira ficou acesa, há um cadeirão pronto a receber-te e um livro esguio e macio para abraçar a tua doce pele de chocolate,
Sinto-me criança envolta de farrapos e antigos utensílios de cozinha, quero ligar o interruptor do amor, aquele que há muito foi desligado pela intempérie do desejo e não consigo, sou tão pequeno, sou tão baixinho... que não o alcanço com os meus dedos de arame envergonhados pelo reumatismo e pela insónia de procurar-te entre as fotografias e de nunca ser eu capaz de te encontrar, sem
Atrasado?
Sempre ignorado, vergado, mergulhado nos lençóis da infância quando apenas tínhamos um cobertor que servia para nós os três, não havia divisões na nossa casa,
E apenas
Chita suspensa num cordel,
A vedação de nós, separados por milímetros de estampados impregnados com cheiros do outro lado da rua, e uma varanda, de vez em quando, agoniava-se com a nossa presença,
E apenas pássaros sobre o teu cabelo curto de alfazema...
E apenas
Chita suspensa num cordel,
Sempre impermeável como um oleado telhado sobre a velha estrutura em madeira, chovia-nos e às vezes parecíamos candeeiros de parede esperando a mão de quem os acende, a chama era ténue, e tremíamos como arbustos esperando o regresso do Tejo dos tempos que nos visitava, entrava pela varanda, os primeiros dias ficava à nossa espera até que um de nós lhe pegava e o trazíamos para dentro, depois
E apenas
Chita?
Depois ele mesmo fazia as cerimónias da casa, subia à varanda, ora fica a fumar o seu cigarro ora entrava logo após regressar, e sentava-se no colo de um de nós, quase sempre fazia-o no meu, talvez porque eu era o que mais saudades tinha dos tempos dos barcos paquetes rasgando os Oceanos meninos das floreiras em tristezas Primaveras,
Chita suspensa num cordel,
E apenas queríamos viver como todos os outros viviam, e apenas esperávamos o regresso da vida condigna como todos os outros a tinham, e apenas..., sentíamos o pulsar dos corações da geada nos vidros estilhaçados, tínhamos janelas incompletas, vazias, doentes, janelas com quadrados espaços onde tudo entrava menos o calor e a saudade, tínhamos vergonha da vergonha quando em nada tínhamos de nos envergonhar, e sabíamos que as escadas graníticas, durante a noite, desapareciam, e ficávamos sem acesso à rua, madrugada dentro
Sempre,
A chita?
Entravam, embriagadas como varões em aço esperando a mão do operário especializado em ferro, e logo pela manhã, e logo que fosse dia, deitávamos-lhe água a ferver, desaparecia-lhe a embriaguez e o gelo e após alguns minutos voltávamos a ter escadas de acesso à rua, chita suspensa num cordel, metralhadoras ouviam-se em volta do chafariz junto à igreja, gorgulhos de felicidade cresciam nos arrozais dispersos dos teus lábios de lânguida manhã de Outono, e os outros besouros adormeciam na nossa varanda enquanto não regressava o Tejo, e de cigarro na boca, e de pulseira no braço, e de lenço ao pescoço...
Gargantilhas voando entre gafanhotos e portas de madeira prensada, tristes e belas, e envergonhadas pelas janelas sem vidros, e da casa
Sem paredes, nada, apenas
Chita?
E um cordel de medo a atravessar o espaço vazio de nós...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 2 de Novembro de 2013