Vou abrir todas as cancelas da noite
As visíveis e as
invisíveis
Acendo o luar
E ligo a telefonia
Vou à janela
Abro-a
Puxo de um cigarro
Acendo-o
Estendo o braço
Abro a mão e pego o
primeiro pingo de chuva
Fecho a mão
Encosto-a ao peito
Depois
Beijo o primeiro pingo de
chuva
E chamo o mar
Enquanto o mar não vem a
mim
Sento-me e espero
E o mar começa a entrar no
meu corpo como um rio selvagem
Abraço-o cuidadosamente
para não o magoar
E segredo-lhe baixinho ao
ouvido
- Vem a mim
Depois vieram os barcos
E todos os peixes
E os barcos trouxeram as
nuvens
E os peixes trouxeram a
alegria
E as nuvens trouxeram as
estrelas
Ao fundo da rua
Um transeunte
Olha-me
Eu olho-o
Eu ignoro-o
Depois
Ele ignora-me
Entre nós
Nem palavras
Nem das palavras
Apenas as sombras das
palavras
Vem a mim
Traz as lanternas que
alimentam o sono
E ensina-me a desenhar círculos
de luz
Nas janelas da alvorada
E imagina quantos
silêncios de pedra
Tem esta alvorada
Abre os olhos e planta as
flores no meu peito
Depois
Traz as enxadas com que
vamos capinar
Todo o capim das planícies
Onde às vezes
Deitas a cabeça e
soletras o meu nome
Pego nos círculos de luz
que me ensinaste a desenhar
E coloco-os nas vidraças
da janela
Escrevo o teu nome
E o teu nome
Cresce na lareira
Enquanto o primeiro pingo
de chuva começa a voar
E condenado que está
Fica prisioneiro do teu
olhar.
Alijó, 07/12/2022
Francisco Luís Fontinha