domingo, 16 de julho de 2023

Comboio para Nova Iorque

 O comboio para Nova Iorque acaba de partir da linha seis

Santa Apolónia em convulsão

Apeada de gente

Que geme

Que tem fome

Que ama

Não ama

Sem nome

 

O comboio para Nova Iorque apressadamente

Em corrida

Com um pequeno silêncio no peito

No centro de massa do coração

 

Santa Apolónia olha o Tejo

Mete os dedos na algibeira

Masturba-se

Enquanto o comboio para Nova Iorque

Descansa na Marateca

 

Uma gaja cantarola um pedacinho de luz

Faz-se ouvir na escuridão

De toalha na mão

Pensa que tem futuro como cançonetista

O comboio para Nova Iorque

Retoma o seu adorado destino

Enquanto um cacilheiro embriagado

Em círculos

Nunca chegará ao Seixal

Às mãos do adorado menino

 

O vento amua

O comboio apita

O cacilheiro

Morre

E Santa Apolónia

De olhos cerrados

De braços cruzados

A gaja que cantarolava

Deixou de o fazer

Agora passa as tardes no jardim

A vender cigarros de poesia

E poemas de framboesa

E charros de alecrim

 

O comboio para Nova Iorque

Esconde-se na neblina

Faz escala em Luanda

Depois passa pelo Mussulo

Que com sorte

E vento

Chegará a Nova Iorque pelas três da madrugada

 

São dezoito horas na rua Dr. César Ferreira

Quatro na Avenida Sá Carneiro

E zero horas na Senhora dos Prazeres

O vento é de 10 nós

E a temperatura da água

Cerca de vinte graus

 

Centigrados

 

O comboio apita

O cacilheiro geme

Grita

O comboio para Nova Iorque abre os braços

E começa a voar nos lábios do luar

Sobre o mar

Amém

Que o dia morre

Que a noite é uma prostituta com olhos de vergonha

Que o Tejo de tanto me esperar

Zarpou

E correu para o comboio para Nova Iorque

 

Onde está sentado à direita do pai.

 

 

 

16/07/2023

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