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quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

A equação de Deus

 Às vezes

Penso.

Sim

Penso.

Ao contrário do que muitos possam pensar

Pensarem que eu não penso

Pois enganem-se

Porque eu penso.

 

E olho as flores

E lá está

Estaciono o esqueleto e penso;

E o que penso eu

Pensando que penso

Pensar nas flores;

Bom

Será que todas as flores são belas?

Haverá flores menos belas?

E se eu não gostar de flores,

Serão para mim

Belas

As flores que não sei se são belas

Ou

Ou menos belas…

 

E se eu não gostar de chuva

E se a manhã está abraçada à chuva

Poderei dizer que não vou gostar do dia

Porque o dia tem a manhã

Porque o dia tem chuva

E eu

Que penso

Não gostar de chuva.

 

Odeio a chuva e seus derivados.

 

Voltando às flores

E à chuva

Acredito que a chuva está para as flores

Tal como

O cubo A está para o cubo B

Sendo o cubo A igual ao cubo B (dimensões)

E o cubo A está pintado de branco

E o cubo B está pintado de negro

E penso…

Porque eu penso

Às vezes

(E às vezes tenho de pedir autorização ao neurónio 1

Para dar uma ajudinha ao neurónio 2)

Serão estes dois cubos iguais?

Diferentes?

Ou a diferença reside apenas na cor…

E duas flores da mesma cor

Nos braços de outras duas flores de cor diferente…

Terei cubos

Flores

Cores

Cravos

Rosas

Crisântemos

Não importa

Pois tenho flores.

 

E cubos.

 

Um dia acordei

E nesse dia enquanto pensava

Pensei

O que pensam os outros

De eu pensar

Bom. Nada de especial.

 

E nesse dia que pensei

Pensava qual a possibilidade de eu voar…

Pensei

Pensei

E pensei

E acreditem que se Deus quisesse que eu voasse

Tinha-me feito pássaro

Avião

Nava espacial

Foguetão

Mas não

Deus fez-me humano…

E os humanos não voam

Como voam os pássaros

Como voam (os peixes?)

Será que os peixes voam?

E as árvores?

(essas, meu querido, essas apenas tombam no chão)

 

E enquanto me olhava no espelho

Às vezes

Sim

Às vezes

Porque olho-me tantas vezes no espelho

Como o número de vezes que penso

E se elevar tudo ao cubo

(não o cubo A nem o cubo B)

Obtenho nada

Digamos que

Nem as flores

Nem a chuva

Nem o espelho

Nem o cubo A

Nem o raio que parta o cubo B.

 

Para concluir

Que não penso

Para concluir que não me olho no espelho…

Enfim

Não penso.

 

E um belo dia

Como todos os dias que são belos

Pensei

Pensaste?

Sim

Meu querido

Pensei;

E não subam ao edifício mais alto da vossa aldeia

Não o subam até ao último andar

E…

(aterragem forçada no pavimento) (os humanos não voam)

E pensei

Será que todas as flores são belas?

Mesmo eu não gostando de flores?

Mesmo eu odiando a chuva?

Meu querido

A chuva nada tem a ver com as flores

 

Porque o raio do dia está para o cubo A

Como o cubo B está para um parque de estacionamento.

 

E o cubo B é um grande amontoado de sucata

Corpos

Ossos

E corpos sem ossos

E ossos sem corpos

E chuva sem o dia

E o dia sem flores

E as flores sem a chuva

(raio parta a chuva)

E a chuva sem nada

E o cubo B é um cabrão

Como o são todos os cubos B.

 

E penso

Penso

(porque penso)

Penso que um dia vou provar

Provar de verdade

Que Deus é uma equação matemática

Muito complexa

Não tem braços

Pernas

Mãos

Que Deus não tem sentimentos

Que se está a cagar para todos aqueles que sofrem

Como se estavam a cagar para mim

Todas as equações matemáticas muito complexas que resolvi;

E se Deus é uma equação matemática muito complexa

Então Deus é constituído apenas por números e letras.

(sombras)

(muitas sombras)

 

(poderei concluir que Deus é a palavra, um conjunto de palavras, um poema…, e se as flores gostam de poemas, então as flores gostam de Deus) (lógica, meu querido…, lógica)

 

E novamente penso.

 

Penso.

Penso que uma lareira é bela

Porque me aquece

Porque posso ler ou escrever junto a ela

Porque posso desenhar no teu corpo

E escrever

Escrever que penso

Não pensando

O que penso

No teu corpo;

Digamos que a lareira fica.

 

Depois temos os livros

Amontoados de livros

E novamente

Novamente penso

Os livros ficam

Os livros vão

E o rio desce a calçada nas tuas coxas

E as tuas coxas lêem todos os meus poemas

E os meus poemas

Os parvos

Os menos parvos

Todos eles

(que tal como eu

Não pensam)

E claro

Os livros ficam.

 

E enquanto penso

Se uma flor

Uma simples flor

É bela

Menos bela

Ou assim-assim

Levem

Levem-me as flores.

 

Deixem o cubo B

Esse fica comigo.

 

(levem o cubo A, levem a chuva, levem as flores, levem o dia, levem tudo, não me levem a lareira, não me levem as coxas dela, não me levem a mal…, mas eu, às vezes penso e escrevo cartas sem remetente)

 

E sim,

 

Podem levar também a corda de nylon.

 

 

 

 

 

Alijó, 14/12/2022

Francisco Luís Fontinha