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domingo, 18 de junho de 2023

Carta aos pássaros

 

Meus queridos,

 

Podia Deus extinguir agora mesmo o Universo, porque eu, porque eu não me levantava desta pedra cinzenta,

Onde me sento,

E penso.

O que me interessa a mim o Universo…

Quero lá eu saber do Universo…

O que me interessa a mim do meu vizinho, vizinha, ou do filho de ambos, ou se há crianças com fome…

Deus que cuide deles, se ele quiser.

Levantei-me cedo, fui até ao campo colocar as armadilhas perfumadas, talvez ainda hoje consiga apanhar algumas pétalas de qualquer coisa…, ou apenas, ou apenas pedaços de lenha, e agora, e agora engano o tempo com algumas lâminas de silêncio que por aqui brincam.

Podia ser pior, meus queridos.

Podia ser pior…

Mais logo, mais logo não farei nada, como amanhã, como depois de amanhã, fazer o quê, meus queridos?

A não ser, pensar.

Mas pensar em quê?

Se o pensamento é apenas um momento repetitivo…

Não.

Mais logo, mais logo não farei nada, como amanhã, como depois de amanhã, fazer o quê, meus queridos?

Nem pensar?

Nem pensar, meus queridos.

Nem pensar…

 

 

 

Francisco

18/06/2023

domingo, 11 de junho de 2023

Janela

 

Da minha janela,

Da minha janela deixei de ver o mar;

Não me importo…

Aos poucos comecei a odiar o mar…

E odeio a minha janela.

 

Da minha janela,

Da minha janela ouvia os pássaros,

Hoje,

Hoje nem sequer tenho uma janela…

Hoje nem sequer sei o que são pássaros.

 

E hoje,

Hoje nem sequer me tenho a mim.

Da minha janela recebia o dia,

Umas vezes vestido de poesia…

Outras vezes,

Muitas vezes…

Abraçado à madrugada,

Hoje,

Hoje nem recebo o dia,

E tão pouco… sei o que é a madrugada,

E a minha poesia é uma merda,

Tal como a minha janela…

São pedacinhos de nada,

São pedacinhos de tudo nas mãos de uma caravela.

 

Da minha janela,

Coitada da minha janela…

Tal como eu, um tolo perdido na alvorada…

E tenho pena dela,

Da minha janela,

E tenho pena de mim,

De mim…

Sem janela com vista para o mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

11/06/2023

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Prisão solar

 Se sonhas,

Não sonhes,

Atira pedras às árvores e aos pássaros,

Aprisiona o sol na tua mão…

 

Se sonhas,

Não o faças,

 

Dorme dentro do quadrado,

Entre o silêncio do luar

E a pasmaceira das tardes junto ao mar,

 

O mar é uma merda,

Água,

Barcos em aflitas gargalhadas,

Depois…

Depois trazem a noite,

E com a noite,

A porcaria das estrelas,

Poeira cósmica,

Lágrimas de néon,

Pó,

 

Se sonhas,

Não sonhes,

Atira pedras às árvores e aos pássaros,

Aprisiona o sol na tua mão…

Cruza os braços,

Cerra os olhos;

Depois…

Desliga o interruptor que tens dentro de ti...

 

 

 

Alijó, 20/02/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Madrugadas

 Uma cegonha de luz poisa no teu doce olhar,

Como Cristo suspenso na cruz,
Da cruz onde pincela de lágrimas os teus lábios de mar,

 

E se o teu Deus o permitir,

Quando acordarem as manhãs ensonadas,

As tuas manhãs ensonadas,

Todos os pássaros vão fingir,

Todos os pássaros vão voar…

Voar em tuas madrugadas.

 

 

 

Alijó, 11/02/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 28 de janeiro de 2023

Palavras semeadas

 Traz o sono a esta lareira,

Traz nos teus lábios os incêndios da madrugada,

Traz as palavras para eu semear…

Semear nesta terra queimada,

 

Traz a tua mão,

A mão que o meu rosto vai acariciar,

Traz a lua

E a filha da lua

E o deslumbrante luar,

 

Traz-me os livros que escrevi,

Para escrever nos teus lábios,

Traz o sono a esta lareira

E todos os poemas,

E todas as estrelas

E todas as savanas,

 

Traz-me todos os rios,

Todos os mares…

Traz-me as árvores

E os pássaros de cantar,

Traz-me a chuva,

E faz com que as nuvens parem de chorar.

 

 

 

 

Alijó, 28/01/2023

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Meu amado menino

 Amado menino

Que nos calções voava sobre o mar

Tinha asas em prata

E corria nas calçadas sem tino

Um dia deixou-se encantar

Com os silêncios de uma cubata,

 

Deitava-se no alegre capim

Na companhia de seu amigo chapelhudo amado

E em pequenos círculos pelo jardim

Desenhava pássaros sem passado,

 

E de amado

A menino mimado

Este filho desejado

Por um sorriso foi alvejado,

 

Amado eu menino da saudade de Luanda

Entre calções e roupas de Inverno

E palavras em demanda

Este pobre menino com olhar de Inferno…

No inferno onde ninguém manda,

 

E este amado menino

Que nos calções voava sobre o mar

Hoje é um barco de brincar

E uma gaivota sem destino,

 

E este eu menino…

Espera que o mar

O venha buscar

E lhe diga baixinho

Olha meu menino

Não tenhas medo de amar!

 

 

 

 

Alijó, 28/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 25 de dezembro de 2022

O orgasmo

 Um dia

Qualquer dia

Ninguém vai saber

O que é um orgasmo,

Quando dois corpos

Se fundem nas lágrimas de uma estrela

E uma pequena sombra do luar

Entra no peito

(centro de massa)

E um silêncio de prazer

Explode nas nuvens do desejo.

 

O orgasmo

Quando os dedos tocam docemente nas páginas de um livro

Quando a mão acaricia a capa de um livro

E dentro do corpo daquele que toca e acaricia

Uma tempestade de estrelas acorda

E um lençol de sémen é lançado contra a madrugada.

 

O orgasmo de quando o poeta termina o poema

E quando o escritor termina o texto

E todas as personagens do texto

Movem-se com ovelhas no prado

E do prado,

O orgasmo do poema

O desejo do poema

O beijo

O orgasmo do beijo

Sobre uma cama de amêndoas doces.

 

O orgasmo de quando uma criança pergunta à mãe

Mãe como cantavam os pássaros

Quando ligavas o interruptor da manhã

E uma melodia poética entrava pela janela

E tu afagavas-me o cabelo,

 

O orgasmo de quando um menino pergunta ao pai

Pai como brincavam as acácias da tua infância

E me levavas a ver os barcos

E dos meus olhos um infinito orgasmo de pequenos gemidos

Eram lançados ao mar.

 

E do mar

Regressavam a mim as finas lâminas que só o prazer consegue fazer acreditar

E uma janela vaginal voa sobre as esplanadas da inocência

O sol poisava sobre os corpos fundidos em aço prazer

E às vezes o laminado silêncio da noite

Pareciam pássaros envenenados

Como abelhas perdidas no mel.

 

O orgasmo quando uma mulher abre a janela

E olha o mar

Como se fosse o seu primeiro beijo.

 

O orgasmo quando o luar brinca sobre a noite

Comendo palavras contidas num pequeno cartuxo de medo

E sem aviso nem agrado;

O grito da tua boca

Quando o gemido inventa o prazer.

 

 

 

 

 

Alijó, 25/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 11 de dezembro de 2022

As sílabas da insónia

 Deste jardim de flores envenenadas

Onde oiço as pequenas sílabas da insónia

E vêm a mim as envergonhadas estrelas

Deste jardim sem sono

Onde semeio as lágrimas do luar

E planto a solidão do mar.

 

Neste jardim

Abandonado

Onde habita uma ponte invisível

Que me levará ao teu olhar.

 

Neste jardim de medo

Sem janelas

Sem casas

Sem ruas para caminhar

E deste jardim onde tenho pássaros em silêncio

E tenho o vento a soprar;

Neste jardim sem barcos…

Os meus barcos de brincar.

 

 

 

 

 

Alijó, 11/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Suicídio de um copo de uísque

 Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Depois

Pergunto-me quantas folhas tem a árvore

Depois

E se a árvore não tiver folhas

Mas com pássaros

E se a árvore não tiver pássaros

Mas com folhas

E se a árvore estiver deitada no chão

Enquanto dorme

Sem pássaros

Sem folhas

Com fome

Sem sono

 

E se a árvore beber

E fumar

E se a árvore tiver insónia

E passar a noite a olhar as estrelas

 

Estrarei feliz por esta árvore

Que eu olho

Que me olha

Ter pássaros

Ter folhas

Chorar de noite

Rir

E inventar o medo nas traseiras de um barco

 

E se o meu jardim não tiver árvores

Mas apenas sombras do tamanho do Universo

E se o meu jardim não tiver barcos

Beijos

Tristes beijos

Silêncios

E tristes silêncios

Sombras infinitas

Rectas

Retractos

Espuma

Círculos

Quadrados

Fios e pequenos silêncios de luz

Sémen

 

Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Que eu olho

Que me olha

 

Depois

Penso em desistir de sonhar

De fumar

Penso em deixar de olhar as árvores

Os pássaros

As árvores e os pássaros

As folhas e as árvores

E as folhas das árvores

E as árvores dos pássaros

E o raio das folhas dos pássaros

Que ainda não sabem onde se escondem os pássaros das folhas

Acendo o último cigarro

Invento o sono nas frestas que a noite me vai trazer

Espero que morra a lareia

E que o meu copo de uísque se suicide no meu peito

 

E seria a primeira vez que um copo de uísque se suicidava sobre o meu peito

 

Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Que eu olho

Que me olha

A quem escrevo

Que me escreve

E lançam sobre mim todas as sombras do tamanho do Universo

 

E estes pássaros são em papel

Muitas cores

Muitos tamanhos

Em cruz

Vertical

Longitudinal

Em círculo

Em pequeninos círculos

Nos lábios

Dos lábios

 

E as árvores

E os pássaros

E as folhas

E as árvores sem folhas

E as árvores sem pássaros

 

E os pássaros sós

 

E tudo isto antes de eu adormecer

Antes de eu morrer…

 

 

 

 

 

 

Alijó, 07/12/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Instante

 Primeiro levaram todas as crianças da montanha

Depois levaram todas as árvores e todos os pássaros

Num final de tarde

Levaram as pedras e todos os animais

Caiu a noite

E levaram a lua e todas as estrelas

 

E roubaram a noite

 

E aqui estou

Perdido nesta montanha de insónia.

 

 

 

 

 

Alijó, 05/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Cordel de sono

 Morreste-me sem que eu tenha escrito no mar

As canções de embalar que deixavas ficar sobre as minhas mãos

E acreditava que os teus papagaios em papel

Eram beijos

Que eu passeava pela rua puxando-os com um cordel de sono

 

Inventava triciclos com rodas de insónia

Enquanto um boneco parvo

Caminhava na minha algibeira

Tenho medo

E não percebo porque este navio sem destino

 

Ainda se passeia pelo corredor

Porque neste corredor

Apenas habitam sombras de ossos

E lábios de dragões envenenados pelo túnel do inferno

E os apitos deste navio

 

Mal respiram devido ao cansaço do fumo

Destes cigarros sem nome

Que transporto no olhar

Morreste-me sem que eu tenha escrito no mar

As tuas súplicas

 

Nas tuas noites de medo

Ouvia-te em sofridos suspiros enquanto desenhava num caderno

As árvores

As minhas árvores que deixei ficar

E apenas os pássaros que dormiam nessas árvores se recordam de ti.

 

 

 

 

Alijó, 16/11/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Tardes sem poesia

 Os braços morreram, enquanto estes parvos pássaros

Parecem felizes e contentes,

Os rios secaram, mas quanto aos peixes, brincam

Nos teus olhos de milhafre,

E do mar,

 

As pobres geadas das manhãs de Inverno.

Os barcos minguam sob o luar dos teus lábios,

As palavras que vêm a mim…

Tal como os braços, também elas morreram,

E ficou apenas uma velha caneta de tinta permanente

 

Esquecida sobre a secretária da insónia.

Os papeis, todos os desenhos e todas as sombras…

Ardem na tua boca infestada de desejo;

Os braços morreram, as palavras morreram,

Apenas restam as pequenas janelas do sótão

 

Onde habitam ratazanas, árvores e desejos…

Os braços morreram, os pássaros contentes

Escondem-se nas pequenas sílabas do inferno,

E uma sanzala de medo diverte-se nas tristes manhãs

Onde poisam os socalcos da saudade,

 

E as enxadas do silêncio.

Ergo-te as mãos enquanto oiço a morte dos braços

E as brincadeiras dos parvos pássaros,

Invento-me e escondo o mar

Na algibeira das tardes sem poesia.

 

 

 

Alijó, 31/10/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

O mendigo da cabeça cortada

 

Ordenou-lhe que se ajoelhasse, ele fê-lo sem hesitar, e só depois de sentir no pescoço o frio da lâmina da espada que o Rei Nu segurava com as duas mãos, percebeu que este lhe ia cortar a cabeça; durante alguns segundos viu-a rolar calçada abaixo, depois, acordou sobressaltado e deu-se conta que estava a sonhar.

Algo de errado se passava com a sua vida, pois o Rei nunca cortaria a cabeça a um mendigo, e este último não sonha.

Então mergulhou na sombra e questionou-se… porquê eu?

Será porque escrevo nas paredes da casa de banho?

O dia estava frio. Na silenciada manhã ouviam-se os gemidos dos primeiros cigarros em combustão, aos poucos, muito devagarinho, as primeiras crianças deslocavam-se para a escola, e num ápice, como se tivesse caído do céu uma montanha de pássaros, toda a rua ficou intransitada; chovia torrencialmente e apenas de barco era possível chegar ao cais.

Sabes, ouvi dizer que todos os mendigos são felizes…

Eu sei!

Como vou agora atravessar a rua com toda esta enxurrada?

De relance viu sua majestade o Rei Nu, mas como tinha sonhado que este lhe tinha cortado a cabeça, hesitou, pensou muito bem, e decidiu não lhe pedir ajuda,

E se o gajo hoje me corta mesmo a cabeça?

Um mendigo sem cabeça não é anda, é um corpo, como tantos outros, que passam apressadamente para o trabalho.

E não seremos todos nós… corpos?

Adiante.

Meteu-se à água muito pausadamente para não se enfiar em algum buraco que estivesse submerso, chegou ao cais, e com algum esforço, deitou a mão ao muro de vedação e num pequeno salto no escuro, atravessou-o sem dificuldade.

Do outro lado da rua e já no cais, deu-se conta que tinha esquecido o pequeno saco que trazia na mão, onde algumas bugigangas se escondiam no seu interior, neste caso, todos os seus pertences, e mentalmente deparou-se com o dilema de voltar a atravessar novamente a rua ou partir mesmo assim; sem nada.

Partiu assim mesmo.

Na algibeira, juntamente com dois ou três cigarros, tinha a caneta de tinta permanente que lhe tinham oferecido e que de nada lhe servia, pois não tinha papel com ele, tão pouco uma secretária e cadeira onde sossegadamente poderia sentar-se e escrever alguma coisa. Sentiu o vento no rosto; e pensou que tudo se conjugava para pegar no barco à vela e zarpar em direcção ao desconhecido.

Perdeu-se de amores por uma Princesa, nunca soubemos se era a filha do Rei Nu ou outra qualquer, tem um rebanho de cabras e dizem, quem já o viu, que é muito feliz.

Como são felizes os mendigos que se perdem de amores por uma Princesa e têm um rebanho de cabras.

 

 

 

Alijó, 21/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Árvore enamorada

 

Caem de ti

As sílabas do silêncio,

Árvore enamorada,

Caem de ti

As pequenas lágrimas

Sobre esta calçada,

Caem de ti

As minhas tristes palavras…

 

Palavras de nada.

Caem de ti

Os cabelos cinzentos do destino,

Caem de ti

Os pássaros enforcados,

Nas mãos daquele menino.

Caem de ti

Todos os corações amargurados.

 

 

 

Alijó, 20/10/2022

Francisco Luís Fontinha