quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Suicídio de um copo de uísque

 Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Depois

Pergunto-me quantas folhas tem a árvore

Depois

E se a árvore não tiver folhas

Mas com pássaros

E se a árvore não tiver pássaros

Mas com folhas

E se a árvore estiver deitada no chão

Enquanto dorme

Sem pássaros

Sem folhas

Com fome

Sem sono

 

E se a árvore beber

E fumar

E se a árvore tiver insónia

E passar a noite a olhar as estrelas

 

Estrarei feliz por esta árvore

Que eu olho

Que me olha

Ter pássaros

Ter folhas

Chorar de noite

Rir

E inventar o medo nas traseiras de um barco

 

E se o meu jardim não tiver árvores

Mas apenas sombras do tamanho do Universo

E se o meu jardim não tiver barcos

Beijos

Tristes beijos

Silêncios

E tristes silêncios

Sombras infinitas

Rectas

Retractos

Espuma

Círculos

Quadrados

Fios e pequenos silêncios de luz

Sémen

 

Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Que eu olho

Que me olha

 

Depois

Penso em desistir de sonhar

De fumar

Penso em deixar de olhar as árvores

Os pássaros

As árvores e os pássaros

As folhas e as árvores

E as folhas das árvores

E as árvores dos pássaros

E o raio das folhas dos pássaros

Que ainda não sabem onde se escondem os pássaros das folhas

Acendo o último cigarro

Invento o sono nas frestas que a noite me vai trazer

Espero que morra a lareia

E que o meu copo de uísque se suicide no meu peito

 

E seria a primeira vez que um copo de uísque se suicidava sobre o meu peito

 

Às vezes

Pergunto-me quantos pássaros estão poisados numa árvore

Que eu olho

Que me olha

A quem escrevo

Que me escreve

E lançam sobre mim todas as sombras do tamanho do Universo

 

E estes pássaros são em papel

Muitas cores

Muitos tamanhos

Em cruz

Vertical

Longitudinal

Em círculo

Em pequeninos círculos

Nos lábios

Dos lábios

 

E as árvores

E os pássaros

E as folhas

E as árvores sem folhas

E as árvores sem pássaros

 

E os pássaros sós

 

E tudo isto antes de eu adormecer

Antes de eu morrer…

 

 

 

 

 

 

Alijó, 07/12/2022

Francisco Luís Fontinha

Sem comentários:

Enviar um comentário