Às vezes
Pergunto-me quantos
pássaros estão poisados numa árvore
Depois
Pergunto-me quantas
folhas tem a árvore
Depois
E se a árvore não tiver
folhas
Mas com pássaros
E se a árvore não tiver
pássaros
Mas com folhas
E se a árvore estiver
deitada no chão
Enquanto dorme
Sem pássaros
Sem folhas
Com fome
Sem sono
E se a árvore beber
E fumar
E se a árvore tiver
insónia
E passar a noite a olhar
as estrelas
Estrarei feliz por esta
árvore
Que eu olho
Que me olha
Ter pássaros
Ter folhas
Chorar de noite
Rir
E inventar o medo nas
traseiras de um barco
E se o meu jardim não
tiver árvores
Mas apenas sombras do tamanho
do Universo
E se o meu jardim não
tiver barcos
Beijos
Tristes beijos
Silêncios
E tristes silêncios
Sombras infinitas
Rectas
Retractos
Espuma
Círculos
Quadrados
Fios e pequenos silêncios
de luz
Sémen
Às vezes
Pergunto-me quantos
pássaros estão poisados numa árvore
Que eu olho
Que me olha
Depois
Penso em desistir de
sonhar
De fumar
Penso em deixar de olhar
as árvores
Os pássaros
As árvores e os pássaros
As folhas e as árvores
E as folhas das árvores
E as árvores dos pássaros
E o raio das folhas dos
pássaros
Que ainda não sabem onde
se escondem os pássaros das folhas
Acendo o último cigarro
Invento o sono nas
frestas que a noite me vai trazer
Espero que morra a lareia
E que o meu copo de
uísque se suicide no meu peito
E seria a primeira vez
que um copo de uísque se suicidava sobre o meu peito
Às vezes
Pergunto-me quantos
pássaros estão poisados numa árvore
Que eu olho
Que me olha
A quem escrevo
Que me escreve
E lançam sobre mim todas
as sombras do tamanho do Universo
E estes pássaros são em
papel
Muitas cores
Muitos tamanhos
Em cruz
Vertical
Longitudinal
Em círculo
Em pequeninos círculos
Nos lábios
Dos lábios
E as árvores
E os pássaros
E as folhas
E as árvores sem folhas
E as árvores sem pássaros
E os pássaros sós
E tudo isto antes de eu adormecer
Antes de eu morrer…
Alijó, 07/12/2022
Francisco Luís Fontinha
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