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quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

O assassino de telas

 

Conheci o Alfredo numa noite de copos e charros, conversávamos de literatura e poesia, e logo que o olhei percebi que além de estar todo vestido de negro com uma estrela branca no peito, era tímido.

No final da noite levei-o para casa, acomodei-o e dei-lhe comida, e quando o questionava sobre este ou aquele assunto, o Alfredo apenas me respondia que sim ou que não, e confesso que me é muito difícil conversar com alguém que quando questionado apenas responde, sim ou não.

Às vezes, acordava maldisposto, muito triste, mas sempre pensei que se devia ao facto de ele estar ausente da família e daqueles que amava.

Nunca percebi a tristeza do Alfredo.

Hoje, enquanto assassino telas em branco com os riscos de merda que lá coloco, o Alfredo olha-me como se me estivesse a dizer…

Oh meu rapaz, deixa-te de pincelares e assassinares telas porque não tens jeito nenhum para isso,

E quando olho as telas assassinadas por mim, percebo que o Alfredo tem toda a razão.

O Alfredo é um gatinho, é invisível e todas as noites me visita enquanto eu assassino telas e folhas de desenho.

Coitado do Alfredo; ter que conviver e coabitar com um assassino de telas e de folhas de desenho.

 

 

Alijó, 12/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

sábado, 17 de dezembro de 2022

As finas lágrimas do Inverno

 Sabes pai

O irmão que me deste não gosta de poesia

Não gosta de literatura

Arte

O irmão que me deste

Pertence ao grupo daqueles que não querem ser nada

Percebes pai

Nada.

 

E ultimamente sentia pena

Do Álvaro de Campos

Ou do AL Berto,

 

Mas olha pai

Deixei de ter pena deles

Tenho de me preocupar comigo

E deixar em paz

Em paz o senhor Álvaro de Campos e o coitado do AL Berto.

 

O irmão que me deste

Sabes pai

Detesta Proust

Que lhe leia Proust

E sabes pai

Eu adoro Proust.

 

O irmão que me deste

Passa as noites numa taberna

E fica à espera que regresse o comboio de Santa Apolónia

E sabes pai

O coitado ainda não percebeu

Que o comboio de Santa Apolónia nunca chegará ao destino.

 

E sabes pai

O único destino de verdade

É sem dúvida a morte

Essa sim

Regressa sempre no horário certo.

 

Mas o irmão que me deste

Não quer saber de Proust

Ou da morte

Tão pouco se o comboio sem destino

Regresse

E se regressar

Tanto faz

Será apenas um comboio entre outros.

 

Um comboio estúpido

Um comboio que transporta as finas lágrimas do Inverno

E sabes pai

Ele não sabe

Ele nunca saberá

Que este comboio não existe

Que este comboio nunca existirá…

Tal como os livros de Proust que ele nunca leu

Detesta

E nem quer ouvir falar.

 

Mas sabes pai

Não estou chateado por me dares um irmão

Um irmão que detesta Proust

Que não quer que eu lhe leia Proust,

 

Estou chateado

Muito chateado

Pai

Porque o irmão que me deste é um cretino

Um cretino que nunca será ninguém

Um cretino

Um falhado

Um falhado que não gosta de Proust

Que detesta Proust

E não quer que eu lhe leia Proust.

 

E espero pai

Desejo muito meu querido pai

Que o comboio que vem de Santa Apolónia se estampe contra um lençol de lágrimas

E que morra como morrem os homens.

 

E sim pai

Eu gostava de ser um comboio com partida de Santa Apolónia

E pelo caminho estampar-me contra uma nuvem de sangue

Uma pequena nuvem com odor a naftalina,

 

Depois

Pego “Em busca do tempo perdido”

E sim pai

O cretino do meu irmão vai perceber que Proust

Sim pai

Que Proust morreu esgotado.

 

 

 

Alijó, 17/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Palavras entre marés

 Estávamos no Inverno

E das tuas mãos finas longas e frias

Vinham a mim as palavras entre marés adormecidas

Sobre a frágil melancolia dos teus olhos

Um pedacinho de sorriso meu

 

Caía sobre o mar de insónia

Como crianças em brincadeira

À volta de uma fogueira invisível

E percebia-se das nuvens que nos abraçavam

As gloriosas flores em combustão

 

Todas as manhãs

Abro a janela para o mar

Limpo a poeira nocturna que sobre os meus livros dorme

E numa carícia

Invento o sono nos teus olhos de poesia

 

Guardo as tuas lágrimas de luz

Desço as escadas que me levam durante a noite

Às esplanadas dos grandes rochedos

Saltamos o muro da infância

E na tua mão acordam as madrugadas simples sem sótãos

 

O poema que trazes no corpo

Aos poucos

Puxa a minha triste mão

E de um cigarro anónimo

Regressam a mim as lareiras das tardes sem literatura

 

 

 

 

Alijó, 10/11/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Seara madrugada

 

Escrevo-te, enquanto acorda em mim

O triste silêncio da manhã,

E perco-me nos teus lábios,

Seara madrugada

Dos meus tristes pecados,

 

Escrevo-te, enquanto as minhas palavras

Acordam nos teus olhos silenciados

Pelo alegre luar,

Escrevo-te, enquanto olho este mar

Que leva para longe todas as minhas madrugadas,

 

E são infinitas.

Escrevo-te, janela lunar

Dos medos envenenados,

No corpo complexo e invisível

Dos bosques em esconderijo abraço,

 

Escrevo-te, milhafre

Das tardes junto ao rio,

Nas montanhas do Adeus…

Escrevo-te, poema milagre,

Que poisa sobre ti,

 

Antes de terminar o dia.

Escrevo-te, carta sem destinatário,

Menino dos calções…

Enquanto fugias da lareira

Das noites frias de Inverno.

 

 

Alijó, 17/10/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 8 de outubro de 2022

Borboletas

 Gosto de borboletas,

Gosto dos meus poemas,

Gosto de cabrito,

Gosto de leitão,

 

Gosto das tuas sombras sobre o meu corpo,

Gosto da geada,

Do frio Inverno,

Gosto,

 

Gosto dos teus lábios,

Da tua boca,

Gosto dos teus tristes olhos,

Das tuas finíssimas mãos,

 

Gosto de borboletas,

Gosto das minhas palavras,

Gosto do sol,

Da lua,

 

Gosto das noites apaixonadas,

Gosto das estrelas,

Gosto de ti,

E não gosto de nada,

 

Gosto das partes ósseas do cabrito e do leitão,

Gosto da tua pele,

Do teu perfume,

Gosto de me levantar cedo,

 

Deitar tarde,

Gosto de sonhar,

Gosto de envenenar a saudade,

Gosto de ti,

 

Gosto de mim,

Gosto,

E gosto muito de fumar…

Gosto muito de borboletas.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/10/2022

domingo, 3 de julho de 2022

O puto

 

Depois, tínhamos de inventar o sono. Enganávamos a noite construindo nas paredes do luar pequeníssimas flores em papel, diga-se; tínhamos trazido da antiga ilha da solidão todos os leitos do amor proibido. Nas ruas da cidade, ouviam-se os gritos dos cacilheiros que durante o dia transformavam o tejo em pequenas estradas de transeuntes e, sob o viaduto em Cais do Sodré, putas finas guerreavam-se por cinquenta escudos.

O sono, que de algibeira em algibeira, de lapela em lapela, desenhava-se no pavimento lamacento em pequenas vozes sinusoidais e ao fim de alguns gritos e gemidos, acabava sempre por regressar a uma Belém envenenada pelos putos em busca de sexo e depois de alguns escudos, escondiam-se rio adentro como que crianças em fuga da literatura que nesta ou naquela rua, se vendia a preço de saldo.

Uma noite mergulhei no poema da saudade, acreditando que depois do sono, acordarias sobre as lâminas do medo, mas mal visto, nada poderia na altura vaticinar que as janelas do teu olhar, hoje, sejam apenas cacos e pequenas migalhas.

O poema, às vezes, enquanto o poeta fumava cigarros de luz, mergulhava no rio e, ao longe, na varanda de um paquete que começava, aos poucos, em pequenas manobras, a aproximar-se de terra, mergulhava e só voltava depois de longas horas de espera, onde cadeiras e mesas já dormiam.

Hoje, ainda hoje, percebo que o poeta que sentado na margem do rio fumava cigarros de luz e o menino que na varanda do paquete via uma cidade imensa a entrar-lhe olhos adentro, eram um só; eu.

Anos depois, a cidade transformou-se num imenso sono de meninos em calções, sobre a mesa, o punhal com que ela numa noite inventada para a ocasião, espetou no peito do poeta, que ontem, sabia onde habitava o velho poema, e hoje, percebe que esse velho, que às vezes, vestido de marinheiro, pede esmola no musseque, deixou de pertencer aos jardins floridos do sonho.

Bebiam-se shots de fumo que apenas o cacimbo sabia onde se escondiam, depois do sexo, porque a cidade, aos poucos, começava a desaparecer do espelho tricolor da madrugada; e depois da chuva, o cheiro intenso da terra queimada. Levantava as mãos a Deus e agradecia por mais um dia que tinha terminado, e ele, ainda, mesmo a muito custo, se encontrava vivo e de boa saúde.

Depois, o velho poeta morreu numa noite de orvalho, mas deixando de acreditar no desejo, sabia que as margaridas que brincavam no jardim do sono, um dia, regressariam a mim. E hoje guardo com amor a pequena sílaba que ele me deixou de recordação e em testamento.

Depois, tínhamos de inventar o sono. Enganávamos a noite construindo nas paredes do luar pequeníssimas flores em papel, e mesmo assim, o puto trocava notas de cem escudos por ninharias que hoje habitam a casa das abelhas em flor.

E sempre que ele cerrava os olhos, via o imenso mar a entrar musseque adentro como o paquete, em pequenos roncos, atravessou o tejo até ao cais de desembarque e desfaleceu sem que ninguém o tenha, até hoje, ressuscitado.

Depois, morreste-me.

Depois, morri nas tuas mãos.

E sempre que invento o sono, vejo um musseque a entrar dentro do meu corpo como se fosse uma flecha envenenada, como se fosse um poema em delírio.

 

 

 

Alijó, 3/07/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Cidade das gaivotas amar

 

Fui à cidade em busca do teu olhar,

Procurei na cidade, o silêncio do teu olhar,

Sentei-me junto ao mar,

Na cidade,

Onde perdi os teus lábios madrugada,

 

E hoje, habitam os teus cabelos de vento amanhecer.

Venho da cidade,

Com medo de te perder,

Com medo da alvorada.

Fui à cidade,

 

Em busca de minha amada,

E na cidade, sentei-me,

No colo da manhã, antes de acordar.

Estou na cidade,

E sinto o meu corpo a arder,

 

Como uma fogueira desvairada,

Dançando na madrugada,

Brincando no mar.

Venho da cidade,

Oiço as vagas contra os rochedos nocturnos do desejo,

 

Que na tua boca,

Se desenha o beijo.

Estou na cidade,

Procuro nela a tua sombra antes de acordar,

E uma gaivota, te transporte para o mar,

 

Para o mar da cidade das gaivotas amar!

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/12/2021

domingo, 30 de abril de 2017

Feitiço da madrugada


O desgostoso ancorado

Autómato desajeitado das tardes infelizes

O corpo fumado

Entre paredes de xisto e perdizes…

Da montanha de areia

Descendo pela veia

No braço do enforcado

O desgostoso

E desamado

Feitiço da madrugada

O corpo encostado

Aos pilares sombreados da falsa calçada…

E do rio vem a semiófora rebelião do desempregado

Malditos carneiros

Pastando na planície do amortecido emplastro desassossegado

A fotografia rima com preto-e-branco

Mais branco do que preto

Os olhos pintados de sonâmbulas bolhas de luar

O desgostoso

E desamado

Feiticeiro da noite

Volátil cansaço dos silêncios abandonados

Quando regressam os rochedos

Aos claustros fumados…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 30 de Abril de 2017

domingo, 11 de setembro de 2016

O suicídio da pobreza


O sonho morre nas mãos do luar,

A insónia do meu peito, arde nos teus olhos,

E do sonho, pequenos panfletos de areia… voam em direcção ao abismo,

O papel onde escrevo alicerça-se aos teus lábios,

Fico sem palavras, também morro nas pétalas do sonho…

Fixando no olhar a tristeza do mar,

Assassino os meus dias com as pedras da solidão,

Cravo espadas na sombra da noite, como um pedestal apaixonado,

Louco,

O sonho morre,

Como eu…, aos poucos dentro da tempestade,

Sinto nas tuas mãos o poema em sofrimento,

Rodeado de finas lâminas de desassossego,

Nas mãos do luar,

Arde nos teus olhos,

Como um Deus desvairado…

Suspenso na madrugada,

Galgo as rochas do infinito adeus,

Percorro pirâmides de luz como uma espada queimada no meu peito,

E choro a ausência do esquecimento,

Da vida,

Da vida camuflada pelas marés de Inverno,

Os barcos cercados pelos anzóis da pobreza,

Marinheiros escorregadios…, saltam até ao próximo bar,

Bebem desenfreadamente os copos da alegria,

Sentindo no olhar a Cinderela manhã de inferno,

Escoa-se o tempo nas janelas do sofrimento,

Há nas pálpebras da doença o sentido proibido da morte,

As nuvens vão levar-me,

E a cidade desaparece no caderno onde desenho os teus beijos,

Como desapareceram todos os fantasmas do meu secreto olhar…

 

 

Francisco Luís Fontinha

domingo, 11 de Setembro de 2016

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Carta a ninguém


Vagueio no teu corpo como se eu fosse um mendigo
Em busca de pão,
Paz
E desejo da liberdade,
Quando regressa a noite ao teu olhar
Todas as estrelas se suicidam no teu sorriso,
E as minhas palavras ardem nos teus lábios…
Vagabundo e apaixonado,
Mendigo e iletrado,
Pássaro,
Avião,
É tudo o que eu sou… em busca de pão…

Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 1 de Outubro de 2015

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O amor de tão pouco…

(Francisco Luís Fontinha)
 
 
O amor entre quatro paredes em vidro
Pincelado por um louco,
O amor de tão pouco…
Em nada satisfaz a luz da solidão,
Um coração dilui-se na madrugada semeada nas palavras,
O livro que o louco tem na mão…
Arde como ardem os cigarros das quatro paredes em vidro,
Esqueci como era o mar,
Esqueci como enferrujado está o meu corpo,
Sem perceber a mendicidade nocturna das pontes entrelaçadas nos petroleiros do luar,
O meu relógio cessou de gritar,
Afogou-se numa esplanada de vento…
 
Quando o rio brinca nos meus lábios,
Sinto-te correndo em direcção às quatro paredes em vidro,
Escondes-te no meu peito,
Sofres,
E não sabes o nome da minha cidade,
O amor de tão pouco…
Louco travestido de alvenaria,
Entro, sento-me… e fico até encerrar a livraria,
A paixão é uma tempestade de saudade,
E nunca sei se hoje há literatura nas tuas coxas,
E nunca sei se hoje há coxas embrulhadas em literatura…
Porque tu és um quarto escondido entre quatro paredes em vidro.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 12 de Agosto de 2015
 

sexta-feira, 1 de maio de 2015

Pérfidos orgasmos de prata


“Mãe, as pedras falam?

Um dia, um dia… meu filho!”

 

O silêncio adormecia em ti

Como adormecem todas as tristezas

Dos dias insignificantes

Entre poesia

E viagens ao desconhecido

Tínhamos todas as imagens do sono

Habitava em nós o cansaço

E a solidão da noite

Ouvíamos o ranger da janela

Em pérfidos orgasmos de prata

O silêncio das coisas inacessíveis

O sexo desacreditado

Numa cama de um qualquer hospital

As lágrimas

Nas janelas

Para…

O mar, mãe?

Um dia, um dia… meu filho!

No poço da penumbra

Os teus braços engasgados no medo

O amor

Quando inventado na madrugada de papel

E deixamos perder o luar

Amanhã, mãe, amanhã as pedras falam?

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 1 de Maio de 2015

quinta-feira, 30 de abril de 2015

Das minhas tristes palavras…


O significado da paixão

De todas as noites


Encerrado entre cinco paredes

Um pavimento

E tecto

Aluga-se

Meu amor

Barato

Farto das palavras

E do sindicato

Todos os Domingos

Feriados…

E… Domingos

Lembro-me de ti

Meu amor

Da carroça de bois

Penhorada ao silêncio

Das ervas

E

Dos cheiros

A morte alimenta-me

Sinto-a perto de mim

Como sentia o cheiro a “puta”

Quando…

Lisboa

Cais do Sodré

Fome

Não fome

E literatura

Farto-me

De ti

De mim

E deles

O significado da paixão

Pintado na parede da solidão

As palavras reduzias ao pó da insónia

Cresce

A

Noite

Em ti

Meu amor

Das palavras

E palavras

Limitada

Angola à vista

Apenas no mapa da infância

Meu amor

As sílabas apaixonadas do teu corpo

No meu corpo

O inferno

A chuva

Outra vez…

A paixão

O ódio das tristes tardes no jardim

Outra vez o jardim

E o beijo

Outra vez a vida

E o desejo

Em ti

Das minhas tristes palavras…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 30 de Abril de 2015