sexta-feira, 19 de abril de 2024
terça-feira, 20 de fevereiro de 2024
Luiz Pacheco
Um dia vou apresentar-te aos meus
leitores. Dizer que és um dos melhores escritores do século XX, que a maioria
das pessoas não gosta de ti ou nem te conhece e que os teus livros precisam de
ser reeditados novamente.
Os teus livros são escassos, e os que
aparecem custam os euros da cara; eu que o diga.
Um dia vou falar do teu magala em
passeio por Braga ou da carta que escreveste para a Fátima; um dia.
Diário Selvagem
Luiz Pacheco
Língua Morta
sexta-feira, 7 de julho de 2023
O gato preto
Ao cair da noite
Ouvem-se os tristes gemidos
Do gato negro,
Logo eu
Que confesso a Deus que odeio
gatos
(e Deus sorri, olha logo
tu… um coração de manteiga)
Que fiquei muito chateado
Muito triste
Quando me convenci a
adoptar um…
E depois
Coitado
Tal como o senhor Mário
de Sá-Carneiro…
Perdeu os miolos algures,
Ao cair da noite
Gemem as mulheres e os
homens em tristes pedacinhos de cio…
Quando uma gaivota
Nas mãos de uma vagina
Que vem de longe
Me abraça
E quase que come todas as
quadriculas do meu corpo,
Vou à varanda
Ao longe
A Nossa Senhora dos
prazeres
E logo eu
Um verdadeiro Ateu
Pensa
Sei lá em quantas coisas
penso eu
Penso que às vezes
Não penso
Penso que se eu tivesse
asas
Era um instantinho…
Até lá,
Depois penso em tudo o
que semeio numa branca folha em papel
E daí nada de novo
Como o Senhor Grande Luiz
Pacheco…
Puta que os pariu,
Ao caiar da noite
Sentem-se os orgasmos
lunares
Que brevemente acordarão
sobre cada alpendre
Das cabeças pensantes
E não pensantes,
Cai então a noite
E as mãos de um corpo
Procuram a saliva
nocturna do desejo
Há um púbis desenhado
Algures por aí
Junto ao Tejo
Ou junto a outra coisa
qualquer
Se Deus quiser
Amanhã será Sábado,
Cai a noite
Sobre todos os meus
papeis
Uns já dormem
Outros passam a noite
acorrentados a um pigmento de silêncio
Enquanto um marialva
resolve pela calada…
Roubar a lua
O luar
E todas as estrelas desejadas,
O corpo esconde-se
Dentro de uma mão
Junto ao rio
O corpo mergulha no outro
corpo
E um só corpo
Permanecerá junto ao
jardim dos poemas,
Enquanto o meu corpo
vagueia
Procuro nos poemas de AL
Berto
O silêncio
A paixão
A arte de mandar foder
Ou então
Ser eu o ofendido
(digamos: fodido)
E o corpo que transporta os
pássaros da noite
Passeia-se
Vende o corpo do vizinho
E habita num rés-do-chão…
Sem janela para o Tejo,
O corpo não sabe
O corpo desconhece…
Que dentro de cada corpo
Há um lápis de sonhar…
Quer de dia
Quer durante a noite…
Deixará sobre uma tela…
O teu nome.
07/07/2023
Francisco
domingo, 14 de maio de 2023
Do sono
Um quilograma de sono, será sempre um quilograma…
E se eu dispensar um
quilograma do meu sono,
Certamente,
Não será por isso que
fico mais pobre,
Decidido; vendo um
quilograma do meu sono.
Um quilograma a menos,
talvez dê para começar uma tela…
Ou…
Simplesmente para olhar o
pôr-do-sol.
Um quilograma do meu
sono, vendo-o…
Ou quem quiser,
Troco um quilograma de meu
sono por um dos livros de Luiz Pacheco…
Que ainda não tenha,
Um quilograma do meu
sono,
Vendido
Ou trocado,
Tanto faz,
Será apenas um quilograma
do meu sono.
Vendo ou troco um
quilograma do meu sono…
Enquanto faço negócio,
penso…
Tudo o que poderei fazer com
um quilograma do meu sono a menos…
Um quilograma do meu
sono;
Vendo-o,
Troco-o…
Dou-o.
Alijó, 14/05/2023
Francisco Luís Fontinha
domingo, 15 de janeiro de 2023
Coitado do Alfredo
No quarto ao lado, o senhor Álvaro de Campos preocupado com o Esteves à porta da Tabacaria e com a pequena se come ou não come os chocolates, porque comer chocolates é a melhor coisa do mundo; metafisica pura.
No meu quarto, nada.
Nem o Esteves à porta da
Tabacaria, nem a pequena a comer chocolates, no meu quarto apenas tenho uma
jarra com flores, flores muito velhas, flores sem nome, flores…
No meu quarto, ao lado do
quarto do senhor Álvaro de Campos, em frente à Tabacaria, vejo-me no espelho do
guarda-fatos, e não vejo nada, nem vejo o mar, nem vejo os filhos do mar e os
irmãos do mar e os irmãos dos filhos do irmão do mar, no meu quarto, este
quarto, oiço o senhor Álvaro de Campos,
oiço-o e percebo que do outro lado da rua, da minha rua, rua que nunca tive,
porque nunca tive uma rua na minha vida, percebo que na minha rua há um gato, o
Alfredo, um gato negro com uma estrela branca no peito, neste quarto, no meu
quarto, o Alfredo olha-me e eu olho-o, e a única diferença entre o Alfredo e o
crucifixo pendurado na parede, é que ambos gostam de mim; ao menos isso.
No quarto ao lado, neste
quarto, este meu quarto, tenho sentado na cama um Pacheco descontente com a
vida, descontente com o senhor Álvaro de Campos, descontente com todos os
chocolates e com todas as pequenas que comem chocolates; quer lá saber o
Pacheco dos chocolates do senhor Álvaro de Campos, enfim sós, ambos, os dois,
os três, os quatro, nada.
No quarto ao lado do
senhor Álvaro de Campos, o meu, o meu quarto, há uma janela virada para o
Oceano, uma janela de sono, uma janela com lábios de espuma e nos olhos traz as
estrelas deitadas fora pelo senhor Álvaro de Campos, coitado, coitado dele e de
mim, coitado…
Poiso a cabeça no teu
beijo, deixo-me ficar por lá e por cá, levanto a cabeça, poiso a cabeça sobre o
teu seio direito, não porque o teu seio direito seja mais belo de que o teu
seio esquerdo, mas porque o teu seio direito está perto da janela virada para o
Oceano, beijo-o ferozmente, beijo-o como se apenas tivesse segundos de vida e
fosse esta a minha despedida, depois abro a janela, lá fora começa a erguer-se
o nosso último pôr-do-sol, pego nele, prendo todos os barcos ao pôr-do-sol,
depois, depois acaricio o teu seio esquerdo, e puxo todos os barcos para este
pobre quarto, ao lado do quarto do senhor Álvaro de Campos.
O Pacheco está cá, não se
importa se eu beijo o teu seio direito, não se importa se eu acaricio o teu
seio esquerdo e tão pouco se puxo todos os barcos para dentro do quarto.
Tão pouco se importa se
eu poiso a cabeça no teu beijo, quer lá saber o Pacheco do teu beijo…
Abro as gavetas que há em
mim, deito lá os barcos e adormeço-os; tão felizes que eles estão, tão felizes,
meu amor.
Beijo o teu ventre, e com
o rio que trago nas mãos, um rio sem nome e muito pequenino, escrevo todas as
palavras do amanhecer,
Coitado, coitado do
senhor Álvaro de Campos, coitado,
E não sabíamos que o
crucifixo nos olhava.
Coitado do Pacheco, coitado…
Tão tristes, tão tristes
estes barcos dentro das minhas gavetas, muitas, poucas, gavetas, gavetas onde
escondo o silêncio do décimo terceiro andar.
Desenho no teu peito,
desenho no teu peito um quadrado, um círculo, desenho no teu peito a primeira
manhã de Inverno, na terceira rua, vire à esquerda, à esquerda do teu seio
direito, uma nuvem, um silêncio, o beijo que se esquece no teu doce seio
direito.
À porta da Tabacaria, o
Esteves, coitado do Esteves. Coitado.
Coitado de mim.
Coitado do Pacheco.
Coitado dele.
Coitado de mim.
E coitada da pequena que
tem de comer os chocolates. Coitada ela.
Coitado de mim.
Coitada.
Coitada dela.
Um grito. A voz
alicerça-se às tuas mãos, mãos finas e débeis, mãos de árvore ensonada, mãos
que também elas, também elas, elas gritam, gritam, gritam como gritam os teus
uivos nas vidraças desta janela, e sabes meu amor, vivemos neste complexo Universo
criado por Deus, Deus todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e
invisíveis, pai do Alfredo, que num ápice resolveu descansar ao Domingo, mas ao
Domingo já não há descanso de pessoal, ao Domingo, que o Domingo seja a
primeira canção da manhã.
Poderia ser, não o é, mas
enquanto o teu seio direito é loucamente beijado, os meus lábios caminham em
direcção ao sono. Fumo um cigarro. Olho-te nua, perdida nas minhas mãos… e
todos os corpos ressuscitam ao terceiro dia.
Nos dedos, finos, magros,
na ponta dos dedos uma gaivota, uma árvore, os suspiros do senhor Álvaro de
Campos, os gritos do senhor Pacheco, gritos, gritos, urros, gemidos, porra, foi
bom, foi maravilhoso, um poema, um adeus.
E enquanto a pequena come os chocolates, tu,
meu amor, tu escondes-te também, tal como os barcos, numa das gavetas que há em
mim.
Coitado do senhor Álvaro
de Campos.
Coitado do Pacheco.
Coitada da pequena que
deixou de comer os chocolates.
Coitados.
Coitado de mim e do
crucifixo que sempre nos olhou; tenho pena…
E o que pensará este crucifixo
enquanto beijo o teu seio direito?
Alijó, 15/01/2023
Francisco Luís Fontinha
(ficção)
sábado, 17 de dezembro de 2022
As finas lágrimas do Inverno
Sabes pai
O irmão que me deste não
gosta de poesia
Não gosta de literatura
Arte
O irmão que me deste
Pertence ao grupo
daqueles que não querem ser nada
Percebes pai
Nada.
E ultimamente sentia pena
Do Álvaro de Campos
Ou do AL Berto,
Mas olha pai
Deixei de ter pena deles
Tenho de me preocupar
comigo
E deixar em paz
Em paz o senhor Álvaro de
Campos e o coitado do AL Berto.
O irmão que me deste
Sabes pai
Detesta Proust
Que lhe leia Proust
E sabes pai
Eu adoro Proust.
O irmão que me deste
Passa as noites numa
taberna
E fica à espera que
regresse o comboio de Santa Apolónia
E sabes pai
O coitado ainda não
percebeu
Que o comboio de Santa
Apolónia nunca chegará ao destino.
E sabes pai
O único destino de
verdade
É sem dúvida a morte
Essa sim
Regressa sempre no
horário certo.
Mas o irmão que me deste
Não quer saber de Proust
Ou da morte
Tão pouco se o comboio
sem destino
Regresse
E se regressar
Tanto faz
Será apenas um comboio
entre outros.
Um comboio estúpido
Um comboio que transporta
as finas lágrimas do Inverno
E sabes pai
Ele não sabe
Ele nunca saberá
Que este comboio não
existe
Que este comboio nunca
existirá…
Tal como os livros de
Proust que ele nunca leu
Detesta
E nem quer ouvir falar.
Mas sabes pai
Não estou chateado por me
dares um irmão
Um irmão que detesta
Proust
Que não quer que eu lhe
leia Proust,
Estou chateado
Muito chateado
Pai
Porque o irmão que me
deste é um cretino
Um cretino que nunca será
ninguém
Um cretino
Um falhado
Um falhado que não gosta
de Proust
Que detesta Proust
E não quer que eu lhe
leia Proust.
E espero pai
Desejo muito meu querido
pai
Que o comboio que vem de
Santa Apolónia se estampe contra um lençol de lágrimas
E que morra como morrem
os homens.
E sim pai
Eu gostava de ser um
comboio com partida de Santa Apolónia
E pelo caminho
estampar-me contra uma nuvem de sangue
Uma pequena nuvem com
odor a naftalina,
Depois
Pego “Em busca do tempo
perdido”
E sim pai
O cretino do meu irmão
vai perceber que Proust
Sim pai
Que Proust morreu
esgotado.
Alijó, 17/12/2022
Francisco Luís Fontinha
sábado, 22 de outubro de 2022
Instantes num quarto de vento
Meu querido,
Não sei como serias hoje,
tão pouco se gostavas de Proust, e se mergulhaste “Em Busca do Tempo Perdido”
ou “À sombra das Raparigas em Flor”, não sei, se tal como eu, enquanto a noite
desce sobre mim, pensas como seria adormecer no colo de AL Berto ou estares uma
tarde inteira a fumar cigarros com o Lobo Antunes ou como seria o rosto do
Pacheco enquanto esgalhava uma.
Não sei, nem quero saber.
Também não espero pedir-te perdão, porque o que está feito está feito e, se
tivesse de pedir perdão a alguém, pedia-o certamente a mim, evidentemente.
Cansei-me muito, foram
noites intermináveis e sem dormir, foram noites de ti enquanto eu pensava em
mim, e quando percebi que jamais voltaria a ver os pássaros em pequenos voos de
miséria, eis que esses mesmos pássaros voltaram para me atormentar e invadir
novamente as minhas noites; não, meu querido, tu não tens culpa que as nuvens
tenham regressado novamente.
Não sei o que pensaria
Albertine de tudo isto, mas certamente pensaria o mesmo que eu, isto é, não
pensava; talvez um dia percebas porque morreram os jardins da minha vida.
Naquela altura, meu
querido, desconhecia o poder do fogo, porque a lareira onde me abrigava
pertencia às manhãs submersas dos encalhados campos de milho de Carvalhais, e
se pudesse estar sentado naquela pedra cinzenta, e se pudesse enquanto sentado
fumar os meus últimos cigarros da tarde, e se pudesse olhar o Pacheco a esgalhar
uma, à porta de uma qualquer casa de banho de um qualquer bar, acredita meu
querido, fazia-o, mas não o posso fazer.
E como já te disse
anteriormente, sim, cansei-me muito. Sim, chorei imenso. E sim, fui energúmeno
para ti.
Mas… meu querido, como
seria a madrugada se o vento tivesse morrido naquela noite fatídica em que
voaste para o infinito; e talvez um dia, e talvez agora, te diga que foi melhor
o vento não morrer.
Enquanto converso com a
Adelina ou com a Maria Clara, percebo que fui um sacana para ti, mas depois regressam
a mim as lágrimas infindáveis das três tristes serpentes sem cabeça, e quando
converso com a Albertine penso como seriam os teus olhos; possivelmente iguais
aos meus.
Mas os teus olhos um dia
pertencerão às flores em cadáver que brincam no meu jardim, e pensando melhor,
também não quero saber dos teus olhos, nem a cor dos mesmos.
Sabes Swann, tanta gente
a quem tinha de pedir perdão, mas o tempo escoa-se pelas frestas da noite, e
quando percebo que tenho sobre o corpo a espada da tristeza, oiço as vozes
alegres dos monstros das noites em que te sentavas no meu colo enquanto te lia
um poema de AL Berto, e do 14 de Janeiro, hoje, apenas tenho saudade de quando
o mar entrava pela janela, e tu, sonhavas com as marés de silêncio que caiam
sobre a mesa da sala de jantar.
Na algibeira levávamos os
pregos sem cabeça, sem braços, apenas um corpo mortificado e doente, depois, tínhamos
as Pachecadas que alimentavam as nossas tardes depois de voarmos sobre uma cama
de nódoas num qualquer segundo andar, num qualquer quarto, de uma qualquer
cidade.
E sabes, Albertine, depois
da morte apenas ficam as fotografias.
Mas tu não percebes,
claro que nunca vais perceber porque o fizeram; acredita que nem eu percebo
porque não mataram o vento naquela triste madrugada.
Pertenço-te e não te peço
perdão, de qualquer forma, o vento ainda ronda pelos campos de milho de
Carvalhais.
E depois de levar o
almoço à tia Adosinda, ela carinhosamente, dava-me dois e quinhentos ou cinco
escudos, descia a rua, estacionava no Sr. Grifo e mergulhava nas carteiras de
cromos ou nos chocolates.
A tarde separa-se das
tuas mãos e da janela ouvem-se as crianças em pequenas brincadeiras, sobre o
meu peito, poisas a cabeça, e num ápice, tal como o vento que não morreu
naquela madrugada, percebemos que somos instantes, instantes num quarto de
vento.
E não, não te peço
perdão.
Nunca te vou pedir
perdão.
Alijó, 22/10/2022
Francisco Luís Fontinha
(ficção)
segunda-feira, 22 de novembro de 2021
A derivada da saudade
Quando o beijo
Se abraça à derivada
Da saudade,
Integra-se o desejo,
Liberta-se a madrugada…
E acorda a verdade.
Depois de integrado,
O desejo voa em direcção
ao mar,
Senta-se no chão molhado,
Senta-se, senta-se para
conversar.
E conversa com o menino,
E brinca com a sombra
desse menino,
Depois, aparece a equação
do silêncio desesperado,
Triste,
Triste e cansado;
Triste, triste como o
sino.
Na igreja deitado,
Entre parêntesis e vossemecês
e excelências…
Menino traquino,
Menino das ciências.
Quando o beijo
Se abraça à derivada
Da saudade,
E da saudade,
Ouvem-se as palavras da
despedida.
São versos, são prosas,
são pedaços sem medida…
São beijos, são
esqueletos de lata,
Que correm, correm,
correm para o mar;
Para o mar que mata.
E esta equação
É tão preguiçosa,
Senta-se junto ao mar,
Lê AL Berto, Pachecadas e
afins…
Afins de matar.
Puxa da espingarda,
Fuma um cigarro
envenenado,
Escreve na ardósia:
abaixo a guarda,
Abaixo o enforcado.
Somos corpos enlatados,
Somos papeis descartáveis
nesta pobre cidade,
Abaixo os enforcados,
Abaixo a maldade.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 22/11/2021
domingo, 29 de março de 2020
A luz envelhecida da paixão
terça-feira, 23 de abril de 2019
O amor é fumo, pedaços de cinza, morrão, papel queimado.
domingo, 23 de março de 2014
Que estou vivo, que estou vivo sem o saber
sábado, 17 de agosto de 2013
Os calções brancos
foto de: A&M ART and Photos
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