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domingo, 8 de setembro de 2024

 


Luiz Pacheco, Luís José Gomes Machado Guerreiro Pacheco (Lisboa 7 de Maio de 1925, Montijo 5 de Janeiro de 2008).

Luiz Pacheco foi escritor, tradutor, crítico e editor (fundou a editora contraponto), onde publicou os maiores nomes do surrealismo português.

Luiz Pacheco foi e é um dos maiores escritores de meados do Sec. XX.

Actualmente os seus livros são raros, tenho-os quase todos, adquiridos em alfarrabistas e afins.

 

Editem o Pacheco, porra.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Luiz Pacheco

 


Um dia vou apresentar-te aos meus leitores. Dizer que és um dos melhores escritores do século XX, que a maioria das pessoas não gosta de ti ou nem te conhece e que os teus livros precisam de ser reeditados novamente.

Os teus livros são escassos, e os que aparecem custam os euros da cara; eu que o diga.

Um dia vou falar do teu magala em passeio por Braga ou da carta que escreveste para a Fátima; um dia.

 

Diário Selvagem

Luiz Pacheco

Língua Morta


sexta-feira, 7 de julho de 2023

O gato preto



Ao cair da noite

Ouvem-se os tristes gemidos

Do gato negro,

Logo eu

Que confesso a Deus que odeio gatos

(e Deus sorri, olha logo tu… um coração de manteiga)

Que fiquei muito chateado

Muito triste

Quando me convenci a adoptar um…

E depois

Coitado

Tal como o senhor Mário de Sá-Carneiro…

Perdeu os miolos algures,

 

Ao cair da noite

Gemem as mulheres e os homens em tristes pedacinhos de cio…

Quando uma gaivota

Nas mãos de uma vagina

Que vem de longe

Me abraça

E quase que come todas as quadriculas do meu corpo,

 

Vou à varanda

Ao longe

A Nossa Senhora dos prazeres

E logo eu

Um verdadeiro Ateu

Pensa

Sei lá em quantas coisas penso eu

Penso que às vezes

Não penso

Penso que se eu tivesse asas

Era um instantinho…

Até lá,

 

Depois penso em tudo o que semeio numa branca folha em papel

E daí nada de novo

Como o Senhor Grande Luiz Pacheco…

Puta que os pariu,

 

Ao caiar da noite

Sentem-se os orgasmos lunares

Que brevemente acordarão sobre cada alpendre

Das cabeças pensantes

E não pensantes,

Cai então a noite

E as mãos de um corpo

Procuram a saliva nocturna do desejo

Há um púbis desenhado

Algures por aí

Junto ao Tejo

Ou junto a outra coisa qualquer

Se Deus quiser

Amanhã será Sábado,

 

Cai a noite

Sobre todos os meus papeis

Uns já dormem

Outros passam a noite acorrentados a um pigmento de silêncio

Enquanto um marialva resolve pela calada…

Roubar a lua

O luar

E todas as estrelas desejadas,

 

O corpo esconde-se

Dentro de uma mão

Junto ao rio

O corpo mergulha no outro corpo

E um só corpo

Permanecerá junto ao jardim dos poemas,

 

Enquanto o meu corpo vagueia

Procuro nos poemas de AL Berto

O silêncio

A paixão

A arte de mandar foder

Ou então

Ser eu o ofendido

(digamos: fodido)

E o corpo que transporta os pássaros da noite

Passeia-se

Vende o corpo do vizinho

E habita num rés-do-chão…

Sem janela para o Tejo,

 

O corpo não sabe

O corpo desconhece…

Que dentro de cada corpo

Há um lápis de sonhar…

Quer de dia

Quer durante a noite…

Deixará sobre uma tela…

O teu nome.

 

 

 

07/07/2023

Francisco

domingo, 14 de maio de 2023

Do sono

 Um quilograma de sono, será sempre um quilograma…

E se eu dispensar um quilograma do meu sono,

Certamente,

Não será por isso que fico mais pobre,

Decidido; vendo um quilograma do meu sono.

Um quilograma a menos, talvez dê para começar uma tela…

Ou…

Simplesmente para olhar o pôr-do-sol.

 

Um quilograma do meu sono, vendo-o…

Ou quem quiser,

Troco um quilograma de meu sono por um dos livros de Luiz Pacheco…

Que ainda não tenha,

Um quilograma do meu sono,

Vendido

Ou trocado,

Tanto faz,

 

Será apenas um quilograma do meu sono.

Vendo ou troco um quilograma do meu sono…

Enquanto faço negócio, penso…

Tudo o que poderei fazer com um quilograma do meu sono a menos…

Um quilograma do meu sono;

Vendo-o,

Troco-o…

Dou-o.

 

 

 

Alijó, 14/05/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 15 de janeiro de 2023

Coitado do Alfredo

 No quarto ao lado, o senhor Álvaro de Campos preocupado com o Esteves à porta da Tabacaria e com a pequena se come ou não come os chocolates, porque comer chocolates é a melhor coisa do mundo; metafisica pura.

No meu quarto, nada.

Nem o Esteves à porta da Tabacaria, nem a pequena a comer chocolates, no meu quarto apenas tenho uma jarra com flores, flores muito velhas, flores sem nome, flores…

No meu quarto, ao lado do quarto do senhor Álvaro de Campos, em frente à Tabacaria, vejo-me no espelho do guarda-fatos, e não vejo nada, nem vejo o mar, nem vejo os filhos do mar e os irmãos do mar e os irmãos dos filhos do irmão do mar, no meu quarto, este quarto,  oiço o senhor Álvaro de Campos, oiço-o e percebo que do outro lado da rua, da minha rua, rua que nunca tive, porque nunca tive uma rua na minha vida, percebo que na minha rua há um gato, o Alfredo, um gato negro com uma estrela branca no peito, neste quarto, no meu quarto, o Alfredo olha-me e eu olho-o, e a única diferença entre o Alfredo e o crucifixo pendurado na parede, é que ambos gostam de mim; ao menos isso.

No quarto ao lado, neste quarto, este meu quarto, tenho sentado na cama um Pacheco descontente com a vida, descontente com o senhor Álvaro de Campos, descontente com todos os chocolates e com todas as pequenas que comem chocolates; quer lá saber o Pacheco dos chocolates do senhor Álvaro de Campos, enfim sós, ambos, os dois, os três, os quatro, nada.

No quarto ao lado do senhor Álvaro de Campos, o meu, o meu quarto, há uma janela virada para o Oceano, uma janela de sono, uma janela com lábios de espuma e nos olhos traz as estrelas deitadas fora pelo senhor Álvaro de Campos, coitado, coitado dele e de mim, coitado…

Poiso a cabeça no teu beijo, deixo-me ficar por lá e por cá, levanto a cabeça, poiso a cabeça sobre o teu seio direito, não porque o teu seio direito seja mais belo de que o teu seio esquerdo, mas porque o teu seio direito está perto da janela virada para o Oceano, beijo-o ferozmente, beijo-o como se apenas tivesse segundos de vida e fosse esta a minha despedida, depois abro a janela, lá fora começa a erguer-se o nosso último pôr-do-sol, pego nele, prendo todos os barcos ao pôr-do-sol, depois, depois acaricio o teu seio esquerdo, e puxo todos os barcos para este pobre quarto, ao lado do quarto do senhor Álvaro de Campos.

O Pacheco está cá, não se importa se eu beijo o teu seio direito, não se importa se eu acaricio o teu seio esquerdo e tão pouco se puxo todos os barcos para dentro do quarto.

Tão pouco se importa se eu poiso a cabeça no teu beijo, quer lá saber o Pacheco do teu beijo…

Abro as gavetas que há em mim, deito lá os barcos e adormeço-os; tão felizes que eles estão, tão felizes, meu amor.

Beijo o teu ventre, e com o rio que trago nas mãos, um rio sem nome e muito pequenino, escrevo todas as palavras do amanhecer,

Coitado, coitado do senhor Álvaro de Campos, coitado,

E não sabíamos que o crucifixo nos olhava.

Coitado do Pacheco, coitado…

Tão tristes, tão tristes estes barcos dentro das minhas gavetas, muitas, poucas, gavetas, gavetas onde escondo o silêncio do décimo terceiro andar.

Desenho no teu peito, desenho no teu peito um quadrado, um círculo, desenho no teu peito a primeira manhã de Inverno, na terceira rua, vire à esquerda, à esquerda do teu seio direito, uma nuvem, um silêncio, o beijo que se esquece no teu doce seio direito.

À porta da Tabacaria, o Esteves, coitado do Esteves. Coitado.

Coitado de mim.

Coitado do Pacheco. Coitado dele.

Coitado de mim.

E coitada da pequena que tem de comer os chocolates. Coitada ela.

Coitado de mim.

Coitada.

Coitada dela.

Um grito. A voz alicerça-se às tuas mãos, mãos finas e débeis, mãos de árvore ensonada, mãos que também elas, também elas, elas gritam, gritam, gritam como gritam os teus uivos nas vidraças desta janela, e sabes meu amor, vivemos neste complexo Universo criado por Deus, Deus todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis, pai do Alfredo, que num ápice resolveu descansar ao Domingo, mas ao Domingo já não há descanso de pessoal, ao Domingo, que o Domingo seja a primeira canção da manhã.

Poderia ser, não o é, mas enquanto o teu seio direito é loucamente beijado, os meus lábios caminham em direcção ao sono. Fumo um cigarro. Olho-te nua, perdida nas minhas mãos… e todos os corpos ressuscitam ao terceiro dia.

Nos dedos, finos, magros, na ponta dos dedos uma gaivota, uma árvore, os suspiros do senhor Álvaro de Campos, os gritos do senhor Pacheco, gritos, gritos, urros, gemidos, porra, foi bom, foi maravilhoso, um poema, um adeus.

 E enquanto a pequena come os chocolates, tu, meu amor, tu escondes-te também, tal como os barcos, numa das gavetas que há em mim.

Coitado do senhor Álvaro de Campos.

Coitado do Pacheco.

Coitada da pequena que deixou de comer os chocolates.

Coitados.

Coitado de mim e do crucifixo que sempre nos olhou; tenho pena…

E o que pensará este crucifixo enquanto beijo o teu seio direito?

 

 

 

 

 

 

Alijó, 15/01/2023

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

sábado, 17 de dezembro de 2022

As finas lágrimas do Inverno

 Sabes pai

O irmão que me deste não gosta de poesia

Não gosta de literatura

Arte

O irmão que me deste

Pertence ao grupo daqueles que não querem ser nada

Percebes pai

Nada.

 

E ultimamente sentia pena

Do Álvaro de Campos

Ou do AL Berto,

 

Mas olha pai

Deixei de ter pena deles

Tenho de me preocupar comigo

E deixar em paz

Em paz o senhor Álvaro de Campos e o coitado do AL Berto.

 

O irmão que me deste

Sabes pai

Detesta Proust

Que lhe leia Proust

E sabes pai

Eu adoro Proust.

 

O irmão que me deste

Passa as noites numa taberna

E fica à espera que regresse o comboio de Santa Apolónia

E sabes pai

O coitado ainda não percebeu

Que o comboio de Santa Apolónia nunca chegará ao destino.

 

E sabes pai

O único destino de verdade

É sem dúvida a morte

Essa sim

Regressa sempre no horário certo.

 

Mas o irmão que me deste

Não quer saber de Proust

Ou da morte

Tão pouco se o comboio sem destino

Regresse

E se regressar

Tanto faz

Será apenas um comboio entre outros.

 

Um comboio estúpido

Um comboio que transporta as finas lágrimas do Inverno

E sabes pai

Ele não sabe

Ele nunca saberá

Que este comboio não existe

Que este comboio nunca existirá…

Tal como os livros de Proust que ele nunca leu

Detesta

E nem quer ouvir falar.

 

Mas sabes pai

Não estou chateado por me dares um irmão

Um irmão que detesta Proust

Que não quer que eu lhe leia Proust,

 

Estou chateado

Muito chateado

Pai

Porque o irmão que me deste é um cretino

Um cretino que nunca será ninguém

Um cretino

Um falhado

Um falhado que não gosta de Proust

Que detesta Proust

E não quer que eu lhe leia Proust.

 

E espero pai

Desejo muito meu querido pai

Que o comboio que vem de Santa Apolónia se estampe contra um lençol de lágrimas

E que morra como morrem os homens.

 

E sim pai

Eu gostava de ser um comboio com partida de Santa Apolónia

E pelo caminho estampar-me contra uma nuvem de sangue

Uma pequena nuvem com odor a naftalina,

 

Depois

Pego “Em busca do tempo perdido”

E sim pai

O cretino do meu irmão vai perceber que Proust

Sim pai

Que Proust morreu esgotado.

 

 

 

Alijó, 17/12/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 22 de outubro de 2022

Instantes num quarto de vento

 Meu querido,

 

Não sei como serias hoje, tão pouco se gostavas de Proust, e se mergulhaste “Em Busca do Tempo Perdido” ou “À sombra das Raparigas em Flor”, não sei, se tal como eu, enquanto a noite desce sobre mim, pensas como seria adormecer no colo de AL Berto ou estares uma tarde inteira a fumar cigarros com o Lobo Antunes ou como seria o rosto do Pacheco enquanto esgalhava uma.

Não sei, nem quero saber. Também não espero pedir-te perdão, porque o que está feito está feito e, se tivesse de pedir perdão a alguém, pedia-o certamente a mim, evidentemente.

Cansei-me muito, foram noites intermináveis e sem dormir, foram noites de ti enquanto eu pensava em mim, e quando percebi que jamais voltaria a ver os pássaros em pequenos voos de miséria, eis que esses mesmos pássaros voltaram para me atormentar e invadir novamente as minhas noites; não, meu querido, tu não tens culpa que as nuvens tenham regressado novamente.

Não sei o que pensaria Albertine de tudo isto, mas certamente pensaria o mesmo que eu, isto é, não pensava; talvez um dia percebas porque morreram os jardins da minha vida.

Naquela altura, meu querido, desconhecia o poder do fogo, porque a lareira onde me abrigava pertencia às manhãs submersas dos encalhados campos de milho de Carvalhais, e se pudesse estar sentado naquela pedra cinzenta, e se pudesse enquanto sentado fumar os meus últimos cigarros da tarde, e se pudesse olhar o Pacheco a esgalhar uma, à porta de uma qualquer casa de banho de um qualquer bar, acredita meu querido, fazia-o, mas não o posso fazer.

E como já te disse anteriormente, sim, cansei-me muito. Sim, chorei imenso. E sim, fui energúmeno para ti.

Mas… meu querido, como seria a madrugada se o vento tivesse morrido naquela noite fatídica em que voaste para o infinito; e talvez um dia, e talvez agora, te diga que foi melhor o vento não morrer.

Enquanto converso com a Adelina ou com a Maria Clara, percebo que fui um sacana para ti, mas depois regressam a mim as lágrimas infindáveis das três tristes serpentes sem cabeça, e quando converso com a Albertine penso como seriam os teus olhos; possivelmente iguais aos meus.

Mas os teus olhos um dia pertencerão às flores em cadáver que brincam no meu jardim, e pensando melhor, também não quero saber dos teus olhos, nem a cor dos mesmos.

Sabes Swann, tanta gente a quem tinha de pedir perdão, mas o tempo escoa-se pelas frestas da noite, e quando percebo que tenho sobre o corpo a espada da tristeza, oiço as vozes alegres dos monstros das noites em que te sentavas no meu colo enquanto te lia um poema de AL Berto, e do 14 de Janeiro, hoje, apenas tenho saudade de quando o mar entrava pela janela, e tu, sonhavas com as marés de silêncio que caiam sobre a mesa da sala de jantar.

Na algibeira levávamos os pregos sem cabeça, sem braços, apenas um corpo mortificado e doente, depois, tínhamos as Pachecadas que alimentavam as nossas tardes depois de voarmos sobre uma cama de nódoas num qualquer segundo andar, num qualquer quarto, de uma qualquer cidade.

E sabes, Albertine, depois da morte apenas ficam as fotografias.

Mas tu não percebes, claro que nunca vais perceber porque o fizeram; acredita que nem eu percebo porque não mataram o vento naquela triste madrugada.

Pertenço-te e não te peço perdão, de qualquer forma, o vento ainda ronda pelos campos de milho de Carvalhais.

E depois de levar o almoço à tia Adosinda, ela carinhosamente, dava-me dois e quinhentos ou cinco escudos, descia a rua, estacionava no Sr. Grifo e mergulhava nas carteiras de cromos ou nos chocolates.

A tarde separa-se das tuas mãos e da janela ouvem-se as crianças em pequenas brincadeiras, sobre o meu peito, poisas a cabeça, e num ápice, tal como o vento que não morreu naquela madrugada, percebemos que somos instantes, instantes num quarto de vento.

E não, não te peço perdão.

Nunca te vou pedir perdão.

 

 

 

 

Alijó, 22/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

A derivada da saudade

 

Quando o beijo

Se abraça à derivada

Da saudade,

Integra-se o desejo,

Liberta-se a madrugada…

E acorda a verdade.

Depois de integrado,

O desejo voa em direcção ao mar,

Senta-se no chão molhado,

Senta-se, senta-se para conversar.

E conversa com o menino,

E brinca com a sombra desse menino,

Depois, aparece a equação do silêncio desesperado,

Triste,

Triste e cansado;

Triste, triste como o sino.

Na igreja deitado,

Entre parêntesis e vossemecês e excelências…

Menino traquino,

Menino das ciências.

Quando o beijo

Se abraça à derivada

Da saudade,

E da saudade,

Ouvem-se as palavras da despedida.

São versos, são prosas, são pedaços sem medida…

São beijos, são esqueletos de lata,

Que correm, correm, correm para o mar;

Para o mar que mata.

E esta equação

É tão preguiçosa,

Senta-se junto ao mar,

Lê AL Berto, Pachecadas e afins…

Afins de matar.

Puxa da espingarda,

Fuma um cigarro envenenado,

Escreve na ardósia: abaixo a guarda,

Abaixo o enforcado.

Somos corpos enlatados,

Somos papeis descartáveis nesta pobre cidade,

Abaixo os enforcados,

Abaixo a maldade.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 22/11/2021

domingo, 29 de março de 2020

A luz envelhecida da paixão


São horas.
Trago nos pulsos a terminante esperança de caminhar junto ao rio. As luzes das palavras são a caminhada para o futuro, já não tenho medo de caminhar, Paris é lindo, são os poetas, como eu, são os pintores, como eu e, os livros, como eu.
Também eu sou um livro, talvez a poesia tenha acordado em mim, já cá estava, sempre esteve, e agora, voltou a acordar. São horas são horas de caminhar em direcção ao caminho que sempre quis percorrer.
Tenho saudades, mãe, muitas saudades das tuas mãos, quando a colocavas no meu rosto, cinzento, fumegante dos cigarros envenenados e, o pai inventava lágrimas no meu olhar. As ruas estão recheadas de gente, bonita, nova, sempre a correr em direcção ao nada, com fome de escreverem na palma da mão o cansaço olhar da melancolia madrugada, já não tenho medo, mãe, já não tenho medo de amar, sorrir e, correr.
No entanto, às vezes, o poço que existia, deixou de existir, cansou-se de mim, morreu. Paris, mãe, Paris é linda, subi à torre Eiffel, quase que te encontrei, mas não estavas lá, ontem fui visitar uma igreja, coloquei uma vela por ti e pelo pai, sei que tu sabes que eu, o teu querido filho, não acredita em Deus, mas tu acreditas, mas o pai acredita, espero que gostes.
São 20:00 horas.
Comprei alguns livros, sobre o Louvre e sobre a cidade de Paris. Sabes, mãe, sou louco por livros, sabes, mãe, gosto de escrever, e escrevo-te deste sítio belo e encantado, todas as noites, e tu vais ajudar-me a vender os meus livros, os quadros e, no entanto, as palavras são o bálsamo da minha estória.
São 20:00 horas, a caneta expressa-se, vinga-se nas minhas mãos e, as palavras soltam-se como uma bala disparada por um canhão de espuma. Desenho-te no meu peito, escrevo-te, sinto as ruas desertas e não consigo adormecer com o silêncio das lâmpadas do desejo, oiço a voz das tristes alegrias e, por vezes, oiço a tempestade, e todos os livros dormem.
Que saudades do Pacheco. Meu querido Pacheco! Que saudades…
São horas. São horas de dormir, de comer, de passear em todos os caminhos, sempre em desespero de conseguir acompanhar o sofrimento da minha alma. Os pássaros, mãe, os pássaros que habitam na minha mão e, talvez estas palavras sejam o princípio de uma história, um velho poema amarrotado, um silêncio disperso na madrugada ou, nada.
Que saudades, meu querido Luiz Pacheco, que saudades das tuas palavras, palavras que absorvo com a saudade, com o medo, da noite, e é na noite que me perco nestas ruas esfomeadas de luz.


Francisco Luís Fontinha
Paris, 07/03/2020

terça-feira, 23 de abril de 2019

O amor é fumo, pedaços de cinza, morrão, papel queimado.


As rosas são como o amor.

As de papel, claro,

Secam,

Folheio cada pétala,

E em pedacinhos de nada,

Fumo-as.

O amor arde,

Será que depois fico apaixonado?

Ou louco?

Será a loucura clonagem da saudade?

Ou será a saudade apenas o fingir que se ama…

Fico estonteante,

As rosas, em papel, depois de fumadas… enlouquecem as mãos do poeta.

A caneta de tinta permanente começa a lançar borrões sobre as palavras,

O resto das pétalas das rosas, como-as…

Como se fossem uvas,

Ou laranjas,

Ou tâmaras…

(fofam-se as tâmaras)

O amor é fumo, pedaços de cinza, morrão, papel queimado.

E no fim do dia, acabará o amor?

E se eu fumar o poema?

A cidade comer-me-á?

As rosas são como o amor.

As de papel, claro,

Secam,

Emagrecem,

E morrem.

Se as rosas morrem! O que acontecerá ao amor que é uma rosa em papel?

Os cromossomas,

As células loucas no pulmão da minha mãe…

Mas o amor… esse… vive… está lá…

Sentado sobre a mesa-de-cabeceira.

Ao lado tenho um livro de AL Berto…

Que mais poderia ser…

AL Berto.

O Pacheco é mais livro de secretária, de café,

Adoro tomar café com o Pacheco.

Sabes… puta que os pariu.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

23/04/2019

domingo, 23 de março de 2014

Que estou vivo, que estou vivo sem o saber


Recomeço, esqueço-me que estou vivo, oiço na TV um grupo de Jazz, deslumbrante para um Sábado sem memória, escrevo sem saber porque o faço, talvez recorde os teus beijos, talvez recorde a tua ausência, talvez viva sem o saber,
Que estou vivo,
Permaneço inconstante, finjo ser uma equação diferencial sem solução, pego numa integral tripla e acaricio os teus lábios de garra madrugada, e amanhã sobejam palavras escritas por mim na tua degradante janela, o velho Augusto pega no cigarro enrolado pela tristeza, amanhã não sei se estou vivo, amanhã não sei se estarás ao meu lado, amanhã sinto que tal como o título do Livro de Miguel Esteves Cardoso “O amor é Fodido” eu... eu estou fodido... tal como o amor, oiço o programa de jazz, imagino a tua pele rosada embainhada nos lençóis de uma cidade a que apelidaram de Lisboa, esqueço a poesia, tenho raiva da poesia, porque sou uma incógnita vestida de equação trigonométrica,
Que estou vivo,
Tenho medo que morras, porra... porque morrerás tu, porque escrevo sabendo que a inveja infesta as minhas palavras, os meus olhos, sei que existes dentro de um cubo de vidro, um aquário com barbatanas de papel, e lá fora regressam os corações de cintilantes pergaminhos com bordados e flores envelhecidas, percebo a tua dor, percebo que aos poucos te vou perder, e nada, nada consigo fazer para te resgatar do rio apelidado de medo, oiço-os, vejo-os na tua mão como se fossem pedras acabadas de nascer, que estou vivo? E amanhã o saberei,
A inveja dos outros quando as palavras crescem nos teus seios, a inveja de partires e não ser capaz de te procurar-te no Oceano mais longínquo das minhas veias argamassadas, via-te sentada numa esplada de vidro, sentia o pulsar do teu desejo quando abríamos um livros de AL Berto e líamos um dos mais belos poemas, depois... depois tínhamos o Pacheco e o magala travestido de poeta, eu, deambulando pela rua à procura do banco em madeira onde nos sentávamos, e... e pegava na tua mão, e escrevia no teu corpo, tantas e tantas... vezes em sentido, eu
Que estou vivo, que estou vivo sem o saber,
O uísque desaparece e entranha-se no gélido teu orgasmo, apaixonei-me pela escrita de António Lobo Antunes, cresci com Milan Kunera, e hoje, hoje apenas vivo finjindo que vivo, sou um cadáver em movimento curvíleneeo e uniformente acelerado, não sou Angolado, não sou Português... sinto-me apátrida como o destino, penso, não caminho, olho os jardins e sei que algures por lá andas escondida, talves te tivesses transfomado em arbusto, em saudade ou... ou em objecto de velharia na banca de uma qualquer feira, recomeço, esqueço-me que estou vivo, oiço na TV um grupo de Jazz, deslumbrante para um Sábado sem memória, escrevo sem saber porque o faço, talvez recorde os teus beijos, talvez recorde a tua ausência, talvez viva sem o saber,
Que estou vivo, que há pessoas prontas a assassinarem-me intelectualmente, mas eu, eu estou vacinado conta a inveja, mas eu, eu estou habituado a ser huminhado, e o velho Augusto perdido nos cigarros de enrolar, e eu perdido no gélido teu corpo de amendoeira, e, eu...
Que estou vivo, que estou vivo sem o saber,
Que amnhã existirá um amanhecer, que amanhã... amanhã sem o saber, tu, tu quererás pertencer às minhas palavras, porra... não podes morrer, não, não poedes,
Que estou vivo?
E uma âncora de desejo permanecerá no teu corpo...


(texto de ficção)
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 23 de Marvo de 2014

sábado, 17 de agosto de 2013

Os calções brancos

foto de: A&M ART and Photos

As hormonas fervilham, cobre-se a lua com um fino manto de sémen, há delírios dentro dos calções brancos, tínhamos deixado na atmosfera um leve e intenso cheiro a sonho e a desilusão, ela diz que o dinheiro tudo compra, eu
Não o tenho,
Ela diz que eu
Tu nada podes comprar,
Vende-se, prostitui-se intelectualmente como se tratasse de um livro ainda por escrever, as hormonas
Fervilham,
Transparente como a chuva depois de se masturbar sobre os zinco telhados das sanzalas, a sombra desce da cidade, cobre os ombros da mulher emagrecida, triste, como o tecido depois de molhado, depois
Fervilham,
Diz ela,
Porque para mim, um simples aldeão esquecido no musseque da escuridão, não fervilham hormonas, nunca existiram os calções brancos, nunca... como o sabor da manga depois de dissipado o Cacimbo das margens íngremes do rio, mabecos, girafas, zonzos, todos os bichos da selva, lá fora fumava-se erva e outras raízes, que só
Diz ela
Fervilham as hormonas,
Ai se não fervilham, que só em África existem, que só em África fervilham, e diz ela, que a cidade dorme, extingue-se no silêncio vestido de cansaço, acabam-se as realidades virtuais, e começam verdadeiramente os
(nem uma foto de calções brancos encontro, coloco a mulher onde quando em criança rabisquei todo o seu corpo, tinha... cerca de cinco anos, pobre, sem dinheiro, e ela, ela deixou-o fazer, por caridade, por nada)
Textos infestados por pequenos insectos, os calções, os calções brancos dançam no interior do ânus ao som de Pink Floyd, o escritor lê poemas de AL Berto e alguns textos de Luiz Pacheco, cobre-se a lua com um fino manto de sémen, há delírios dentro dos calções brancos, tínhamos deixado na atmosfera um leve e intenso cheiro a sonho e a desilusão, ela diz que o dinheiro tudo compra, eu
Não o tenho,
Ela diz que eu sou um sonhador perpétuo, difícil de construir, fui feito a partir do barro e dizem elas, lá do velho musseque, que,
Tu nada podes comprar,
Oiço-o dizer (“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto) e dos calções brancos, nada, nem barcos, âncoras, fins de tarde no Rossio, nada, nem o pobre cimento que segura as asas do vento, e tu
Diz ela
Nada podes comprar,
Não o tenho,
Ela diz que eu sou um sonhador perpétuo, difícil de construir, fui feito a partir do barro e dizem elas, lá do velho musseque, que, o barro é como o cristal, lindo e belo, só que... muito mais barato, ele diz-me que eu com cinco anos escrevi todo o corpo das películas em desejo que chegavam até mim, bebíamos, e comestíveis cinzentas neblinas junto ao porto camuflavam todos os barcos em regresso, e ficávamos
A ouvir o mar,
E ficávamos...
Simplesmente a ouvi-lo,
(“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto)
Fervilham as hormonas dentro dos finos calções brancos, (nem uma foto de calções brancos encontro, coloco a mulher onde quando em criança rabisquei todo o seu corpo, tinha... cerca de cinco anos, pobre, sem dinheiro, e ela, ela deixou-o fazer, por caridade, por nada), e uma nuvem de gelo entra porta adentro da miséria cubata invisível...
Uma placa sobre a porta de entrada,
“Há caracóis”, e vivíamos felizes como serpentes no interior do ânus abraçados à fina réstia em tecido dos calções brancos,
Definitivamente,
Hoje, Hoje há caracóis...
(“tão triste mário sobre o tejo um apito” - de AL Berto).

(não revisto – texto de ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 17 de Agosto de 2013