sexta-feira, 23 de agosto de 2024
domingo, 6 de agosto de 2023
O Tolo
(Ópera em três actos)
Música: Francisco.
Cenários: Luís.
Guarda-roupa: Francisco
& Luís, Associados.
Dança: Francisco Luís.
Personagens:
- Alzira;
- Carlos;
- O Tolo;
- Madame (X);
- Rio;
- Os socalcos e a sombra
dos socalcos;
Primeiro Acto:
(o Tolo descobre que
pensa)
(junto ao Tejo, um apito;
AL Berto)
Tão triste
Mário…)
Quando me sento
Nesta pedra cinzenta
Às vezes
Lamento
Outras vezes
Invento
Que me sento
Nesta pedra cinzenta,
Às vezes
Acredito
Que dito
O que penso
Quando não penso
E descubro que penso
Que descubro que me fica
lindamente
Este lenço em seda
Com que me enforco
E bordado pela inocência,
(Alzira aproxima-se, descreve
um semicírculo de cento e oitenta graus,
Toca-me, e pergunta-me)
Porque pensas
Carneirinho
Soldado do monte
Do pasto
Das cabras amansadas
Quando ao longe
Regressam os Cacilheiros
de Almada,
Não penses
Carneirinho
Não penses que as cabras
Que saltam de poiso em poiso,
(começa a orquestra: duas
palmadas no rabo e um travessão, ponto paragrafo, na sua mão, Alzira, treme de frio
ou de outra coisa qualquer, em pleno Agosto…)
Carneiro não pensa
Carneiro nasceu para
sofrer
Para foder
Ser fodido
E acabar num pote em ferro
À meia-noite
Em ponto,
(o parvo do Carlos
desliga o interruptor, apagam-se as estrelas, e apalpamo-nos uns aos outros
como Deus nos apalpou e comeu)
Começa o dia
Começa o dia e o gajo
descobre que pensa
Que existe
Pois claro
Mário de Sá-Carneiro
Pensava.
Um tiro nos miolos…
Florbela
Que era Espanca
Que era tão bela,
Três tentativas,
Duas falhadas,
Uma,
A correcta.
Abro a porta.
(Alzira corre pela seara
do trigo desejo em que ela tantas tardes, adormeceu nos braços do Tolo)
Não corras
Alzira
Corre tu
Carlos
Não corras
Corras
O risco
De ser Tolo
E pensar.
Segundo Acto:
(o Tolo apaixona-se pela
floresta)
(as calças que me deram hão-de
ajustar-se à medida do meu corpo…, AL Berto)
Estavam a floresta o rio
os socalcos e as sombras dos socalcos
Estavam todos á conversa
(batem à porta da
biblioteca, Madame (X), abre a porta numa rotação de trinta e cinco graus anti-horário,
espreita e sorri, quem será esta, penso)
Todos nós nos calamos
Calou-se o Tolo
Calou-se o rio
Calaram-se os socalcos e
as sombras dos socalcos
Uma voz em gritos
Agora podemos começar
Começamos então
Uns que se sentam
Outros tantos que se levantam
Menos os que morrem
E aqueles que partiram
Ficamos nós
Aqui em conversa
Dentro desta biblioteca
(o Tolo, sim, Madame, ela
que andava à procura do livro de AL Berto
“O Medo”
(perguntei-lhe se já
tinha ido procurar na casa de banho, ofendeu-se, respondeu-me mal e acusou-me
de assedio…)
E “O Medo” lá está
Por aí anda
Mas o que a Madame (X) queria
saber
O que ela queria
Saberia
O outro
Que não eu.
(Alzira acaba de pisar
uma mina num qualquer musseque em Angola)
(a orquestra suavemente,
ergue-se por entre a plateia, uma jarra com flores, que tocam flauta, começam a
mais linda melodia da noite; A Princesa.)
Os barcos
Os barcos atiram-se das
prateleiras
Numeradas
Ficção
Poesia
Pintura
Engenharia
Tesão
E física nuclear,
(cabeças de esperma
ressequido)
Do silêncio
A Madame (X)
Salta a janela
Mil e duzentos milímetros
Coisa pouca
Uma perna partida
E os ovários descaídos.
O Tolo
O Tolo beija loucamente a
floresta
E descobre
Que além de pensar
Que além de…
Também ama.
Terceiro Acto:
(o Tolo é preso pelos
leitores e pelas leitoras)
(mostram restos de esperma
ressequido naquelas cabeças ocas…, AL Berto)
O Carlos, fugiu.
(antes de morrer, tremia de
frio, e nunca mais tive notícias da Alzira)
(suavemente, ergue-se o
coro de silêncios, começa a alvorada e junto à porta de entrada, A Multidão)
Graças a Deus
Estás vivo
Meu filho
Prefiro ver-te preso
De que ver-te morto
Não sei
Mãe
Não sei qual é a altura
ideal para morrer
(o coro de silêncio cessa
de desenhar sons invisíveis nos três círculos de luz, e dos olhos da Alzira,
uma cortina de fogo poisa sobre a mesa)
Um livro toca no tolo
Ele
Excita-se
Masturba-se dentro da
solidão
O livro que tem nome
Preso
Ele também
Às mãos do poeta
Sem porta
Sem janela
Sem cama
O livro vomita
Lança o esperma da madrugada
sobre um campo de papoilas
Um pequeno uivo
Coisa pouca
Dança sobre a mesa
O Tolo dança
O Tolo se esquece
Aos poucos
Dos poucos que nunca
esqueceu
Dos barcos
Do Céu
Das estrelas
E
(da puta que os pariu,
gaguejava o nosso ausentado amigo Luiz Pacheco)
Uma lágrima de sangue
Abre-lhe as algemas
E a prometida liberdade
Desce
Corre
Corre para onde,
O Tolo?
(o Tolo descobre que
pensa, o Tolo descobre que ama, o Tolo descobre que é prisioneiro dos seus
leitores e das suas leitoras)
FIM
06/08/2023
Francisco
sábado, 15 de julho de 2023
Um pouco mais de azul
Podia falar-te de
literatura,
Dos livros que amo,
De poesia,
Podia falar-te dos poemas
mais lindos que li,
Podia falar-te de
pintura,
Filosofia…
Mas não,
Já nada disso me dá
prazer,
Aliás,
Já nada me dá prazer…
A não ser…
Comer chocolates.
Podia falar-te dos meus
sonhos,
Que já não tenho,
E se ainda me resta algum…
É precisamente morrer no
dia do meu aniversário,
Num qualquer Vinte e Três
de Janeiro.
Podia falar-te do
Universo,
De Deus,
De tudo,
E de nada,
Podia falar-te…
A não ser…
Comer chocolates.
Sento-me,
Olho este pobre desenho
que acabou de nascer,
Dou-lhe vida,
Ergue-se um traço,
Abraçam-se dois traços a
um pedacinho de azul…
E eu,
Como chocolates.
Como chocolates e percebo
que nada faz sentido,
Enquanto isso, penso,
Como chocolates,
E dou razão ao senhor
Álvaro de Campos,
Quando da janela olha a
piquena…
E acaba por concluir que
não há nada melhor na vida…
Do que comer chocolates.
E enquanto a piquena come
chocolates,
Eu e o Esteves…, junto à
Tabacaria,
Desenhamos cigarros na
fimbria escuridão do mar…
Podia falar-te de AL
Berto,
Do Pacheco,
Podia falar-te do Kundera…
(Coitado,
Faleceu esta semana),
Podia falar-te de Lobo
Antunes, do António,
Podia falar-te de Cesariny…
Podia falar-te de Gunter
Grass,
Do Gogol e das suas Almas
Mortas,
Podia…
Mas já não telho prazer
de falar dessas coisas,
Já não tenho prazer de falar-te
de nada,
A não ser,
Comer chocolates.
Podia falar-te da minha
infância,
De uma Luanda que nunca
vou esquecer…
E que amarei até morrer,
Podia falar-te da chuva,
Do vento…
Podia falar-te da
Primavera,
Ou das primeiras lágrimas
da manhã.
Mas não. Vou falar-te de
chocolates.
Podia falar-te do
silêncio,
Da solidão,
Da loucura de estar vivo…
Podia falar-te de Hemingway,
Do Velho e o mar,
Podia falar-te de Proust,
Ou das cinzas que escondo
no coração…
Podia falar-te na hipótese
de viajar no tempo…
Mas não,
Prefiro comer chocolates…
E ainda acreditar que
quando abro a janela…
Todo o mar, entra.
15/07/2023
Francisco
sexta-feira, 7 de julho de 2023
O gato preto
Ao cair da noite
Ouvem-se os tristes gemidos
Do gato negro,
Logo eu
Que confesso a Deus que odeio
gatos
(e Deus sorri, olha logo
tu… um coração de manteiga)
Que fiquei muito chateado
Muito triste
Quando me convenci a
adoptar um…
E depois
Coitado
Tal como o senhor Mário
de Sá-Carneiro…
Perdeu os miolos algures,
Ao cair da noite
Gemem as mulheres e os
homens em tristes pedacinhos de cio…
Quando uma gaivota
Nas mãos de uma vagina
Que vem de longe
Me abraça
E quase que come todas as
quadriculas do meu corpo,
Vou à varanda
Ao longe
A Nossa Senhora dos
prazeres
E logo eu
Um verdadeiro Ateu
Pensa
Sei lá em quantas coisas
penso eu
Penso que às vezes
Não penso
Penso que se eu tivesse
asas
Era um instantinho…
Até lá,
Depois penso em tudo o
que semeio numa branca folha em papel
E daí nada de novo
Como o Senhor Grande Luiz
Pacheco…
Puta que os pariu,
Ao caiar da noite
Sentem-se os orgasmos
lunares
Que brevemente acordarão
sobre cada alpendre
Das cabeças pensantes
E não pensantes,
Cai então a noite
E as mãos de um corpo
Procuram a saliva
nocturna do desejo
Há um púbis desenhado
Algures por aí
Junto ao Tejo
Ou junto a outra coisa
qualquer
Se Deus quiser
Amanhã será Sábado,
Cai a noite
Sobre todos os meus
papeis
Uns já dormem
Outros passam a noite
acorrentados a um pigmento de silêncio
Enquanto um marialva
resolve pela calada…
Roubar a lua
O luar
E todas as estrelas desejadas,
O corpo esconde-se
Dentro de uma mão
Junto ao rio
O corpo mergulha no outro
corpo
E um só corpo
Permanecerá junto ao
jardim dos poemas,
Enquanto o meu corpo
vagueia
Procuro nos poemas de AL
Berto
O silêncio
A paixão
A arte de mandar foder
Ou então
Ser eu o ofendido
(digamos: fodido)
E o corpo que transporta os
pássaros da noite
Passeia-se
Vende o corpo do vizinho
E habita num rés-do-chão…
Sem janela para o Tejo,
O corpo não sabe
O corpo desconhece…
Que dentro de cada corpo
Há um lápis de sonhar…
Quer de dia
Quer durante a noite…
Deixará sobre uma tela…
O teu nome.
07/07/2023
Francisco
terça-feira, 27 de junho de 2023
Tractatus Logico-Philophicus
Com quinze ou dezasseis anos
comecei a consultar o “Tractatus Logico-Philophicus” de Ludwig Wittgenstein, o
que eu procurava, ainda hoje não o sei, sei que passava noites quase abraçado a
esse tratado sobre tudo, e nada do que eu precisava tinha.
Também, como referi à
pouco, ainda hoje não sei o que procurava.
Consultava “Amor” e quase
que levava com uma resma de equações matemáticas, de tratados e almas mortas de
Gogol, e se é para ir para a fogueira, vamos então todos…
Também ainda não sei quem
são e quantos são; alguns,
Tal como parte do
manuscrito de “Almas Mortas” …
A minha mãe,
Fernando… marca uma
consulta ao nosso filho, olha que ele não anda bem…
E claro que sim,
E depois de milhares de
cartas escritas pelo Senhor Fernando António Nogueira para a sua grande amada,
A doce Ophelinha…
Não interessa…, deixei de
receber cartas.
Quanto a mim, prefiro o Senhor
Álvaro de Campos…, a tabacaria, a pequena dos chocolates, o Esteves…
Coitado do Esteves…, onde
andará ele!
Deu-me trabalho, mas
consegui convencer a minha mãe, que aquele calhamaço não era perigoso, e quase
era irmão gémeo da Bíblia que ela tinha em cima da mesa,
Olhou-me,
Franziu o sobrolho,
Apelidou-me de Francisco…
E eu,
Já estou fodido; vou
apanhar nos cornos.
A coisa passou, e eu
todas as noites à procura no “Tractatus Logico-Philophicus” de qualquer coisa…,
E sabes, meu amor,
O senhor Álvaro de Campos
tem algo de misterioso, não sei…
Tal como o que procurava
naquele livro,
Nada.
Os anos passaram, ele
acompanhou-me quase sempre, até quando fiz o serviço militar na Calçada da
Ajuda,
Que de ajuda,
Nada,
Como aquilo que eu
procurava.
Talvez procurasse um
pássaro, talvez procurasse a insónia de uma pequena estrela de silêncio…,
E ainda não encontrei
neste “Tractatus Logico-Philophicus” nada sobre Alhetas, que o calor que entra
mais o calor gerado é igual ao calor que sai mais o calor acumulado…
E eu, meu amor,
De tanto calor…
Já nem sei se hoje é segunda-feira
ou se amanhã é quinta-feira…, no entanto, recordo todas as palavras do Senhor
Álvaro de Campos, e eu, de Tabacaria em Tabacaria, que deixei de comer
chocolates para não ganhar peso, lá está ele,
O Esteves,
Coitado do Esteves,
E, no entanto, pareço o
Esteves, à procura de um cigarro e que o vento me leve,
A minha mãe…
Estás bem, meu filho?
Já conversamos, quando eu
regressar da lua...
Desenhava um abraço no
meu rosto, e ficávamos horas a conversar sobre coisas; ela, que Deus era/é um
ser maravilhoso, que ia sempre proteger-me de tudo e de todos…, coisa assim e
coisa assado, e eu, eu perdia sempre porque não conseguia explicar o que
existia antes da grande explosão na teoria do Big Bang, dava-lhe um beijo, e ia
até à galáxia mais próxima.
Às vezes penso, e se tudo
isto não existir.
E formas apenas um
pedacinho de sono, em pequenos círculos…, na ponta de um elástico…, nas mãos de
Deus?
Enquanto isso, ele…
Consulta o “Tractatus
Logico-Philophicus” …
O Senhor Mário de Sá-Carneiro
dispara o revolver na sua própria cabeça,
Aos vinte e seis anos…
Apetecia-me pedir ao
Pacheco algumas das suas Pachecadas, e ir por aí…
Ir por aí a declamar os
poemas de AL Berto.
E sabes, mãe…!
Está tudo no “Tractatus
Logico-Philophicus”, de Ludwig Wittgenstein.
27/06/2023
segunda-feira, 26 de junho de 2023
Silêncio de minerais acesos…
Enquanto oiço alguns poemas
do AL Berto
Penso
Enquanto me sento nesta
tábua invisível
Enquanto procuro o sono
no sono
Desta tábua invisível
Penso
Penso e guardo dentro de
mim
Algumas das frases dos
poemas de AL Berto…
“demoraste tanto, meu
amor…”
“nesta cama de minerais
acesos…”
Penso
Que sou muito parvo em
pensar…
Enquanto oiço alguns poemas
do AL Berto
Penso
Semeio alguns rabiscos
nesta pobre folha em papel
Procuro dar vida
Ao que jamais terá vida
Mas procuro…
Procuro neste silêncio de
minerais acesos…
Sei lá eu o que procuro…
Demoraste tanto, meu amor…
Desta cama acesa no
interior de uma caverna
Oiço-o
Penso…
Pensarão que estou louco…
e alguns… dizem-no
E se aquilo que tenho é
loucura…
Estou tão feliz, louco…
Dessa cama de minerais
acesos...
Demoraste tanto, sílaba
do sono,
Penso
Afrodite do medo
Alucinação das praias
doiradas do Sul…
E oiço-te, meu querido…
Oiço dentro deste
silêncio onde poiso a enxada do sonho…
A luz
E acredito em ti, meu
querido…
E penso
Sim
Meu querido
Penso
Quando dizes… “nessa cama
de minais acesos…)
Imagino o sono
Dançando nos braços da
madrugada sem destino
Depois
Pergunto-me o que faz
esta circunferência de luz…
Na minha mão…
Demoraste tanto…
E oiço-te
E escrevo-te
Enquanto oiço alguns poemas
do AL Berto
Penso
Enquanto me sento nesta
tábua invisível
Enquanto procuro o sono
no sono
Desta tábua invisível
Penso
E deixei de acreditar em
ti…
Mentes-me
Sempre
Dizes-me vezes sem conta
que abres a janela…
E o mar todo entra pela
janela…
MENTIRA
Abro a minha janela…
Grito pelo mar…
E nada…
Nem a espuma dos dias
Nem
Os dias em espuma…
Mas oiço-te
E dirão que estou louco
por te ouvir…
Não me importo
Com a tua paixão
Tão pouco com a minha…
Apenas desejava
Meu querido
Que quando gritasse pelo
mar…
O mar todo entrasse pela
janela…
26/06/2023