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sábado, 15 de julho de 2023

Um pouco mais de azul

 

Podia falar-te de literatura,

Dos livros que amo,

De poesia,

Podia falar-te dos poemas mais lindos que li,

Podia falar-te de pintura,

Filosofia…

Mas não,

Já nada disso me dá prazer,

Aliás,

Já nada me dá prazer…

A não ser…

Comer chocolates.

 

Podia falar-te dos meus sonhos,

Que já não tenho,

E se ainda me resta algum…

É precisamente morrer no dia do meu aniversário,

Num qualquer Vinte e Três de Janeiro.

 

Podia falar-te do Universo,

De Deus,

De tudo,

E de nada,

Podia falar-te…

A não ser…

Comer chocolates.

 

Sento-me,

Olho este pobre desenho que acabou de nascer,

Dou-lhe vida,

Ergue-se um traço,

Abraçam-se dois traços a um pedacinho de azul…

E eu,

Como chocolates.

 

Como chocolates e percebo que nada faz sentido,

Enquanto isso, penso,

Como chocolates,

E dou razão ao senhor Álvaro de Campos,

Quando da janela olha a piquena…

E acaba por concluir que não há nada melhor na vida…

Do que comer chocolates.

 

E enquanto a piquena come chocolates,

Eu e o Esteves…, junto à Tabacaria,

Desenhamos cigarros na fimbria escuridão do mar…

 

Podia falar-te de AL Berto,

Do Pacheco,

Podia falar-te do Kundera…

(Coitado,

Faleceu esta semana),

Podia falar-te de Lobo Antunes, do António,

Podia falar-te de Cesariny…

Podia falar-te de Gunter Grass,

Do Gogol e das suas Almas Mortas,

Podia…

Mas já não telho prazer de falar dessas coisas,

Já não tenho prazer de falar-te de nada,

 

A não ser,

Comer chocolates.

Podia falar-te da minha infância,

De uma Luanda que nunca vou esquecer…

E que amarei até morrer,

Podia falar-te da chuva,

Do vento…

Podia falar-te da Primavera,

Ou das primeiras lágrimas da manhã.

 

Mas não. Vou falar-te de chocolates.

Podia falar-te do silêncio,

Da solidão,

Da loucura de estar vivo…

Podia falar-te de Hemingway,

Do Velho e o mar,

Podia falar-te de Proust,

Ou das cinzas que escondo no coração…

Podia falar-te na hipótese de viajar no tempo…

Mas não,

Prefiro comer chocolates…

E ainda acreditar que quando abro a janela…

Todo o mar, entra.

 

 

 

15/07/2023

Francisco

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Dos livros estes livros

 Deixou cair as asas sobre o mar e adormeceu; no dia seguinte deu-se conta que todas as fotografias que tinha escondido dentro da pequena caixa de sapatos número trinta, rés-do-chão esquerdo, tinham desaparecido como anteriormente já tinham desaparecido dois livros de poesia de AL Berto, um livro do Pacheco e um outro de Lobo Antunes.

Com os livros de poesia de AL Berto, muitos anos antes de perder as asas, teve uma enorme discussão, pois estes quase sempre não gostavam de ser manuseados, folheados, quanto ao livro do Pacheco, esse, estava sempre com dor de cabeça.

O dia erguia-se entre os seios dela, da rua, regressavam aos poucos as loucas buzinas dos transeuntes em delírio, como regressam ao final da tarde os estorninhos parecendo uma orquestra de zumbis, mas quanto aos dois livros de poesia de AL Berto, hoje, e enquanto os folheava e manuseava, não se queixaram de tal, até que o livro do Lobo Antunes me questionou a razão do par de asas estar sentado sobre eles, quando poderiam muito bem estar na minúscula sala de jantar; e porque não suporto birras nocturnas, puxei de um cigarro e fui ver o maldito mar daquela última noite.

O mar estava chocho, a maré tinha acabado de deixar o quarto e nele deixou impregnado o invisível perfume que apenas as marés usam, junto à janela havia uma secretária onde dormiam pedaços de papel escritos no século passado e que ele já nem se recordava; que conste que tratava-se apenas de algumas cartas que nunca foram enviadas, portanto sem remetente, e duas ou três receitas de culinária que nunca se atreveu a experimentar.

O mar estava enjoado. Nos lençóis, uma pequena mancha de esperma, desenhava a manhã que mais tarde acordaria e ninguém saberia se ia terminar. Numa das paredes, pequenas frestas olhavam-no, e começou a acreditar que estava a ser observado pelo defeituoso silêncio que muitas vezes se alicerçava sobre o peito e, quase sempre não entendia a razão.

Sabia que um dia seria apelidado de anjo azul, de azul tinha o pulso pincelado, mas de anjo, de anjo nada tinha, apenas as asas que deixara cair sobre o mar.

Sabíamos que a noite trazia sempre uma pequena malga de sopa, uma sandes de nada e dois ou três cigarros, depois, acreditando que sabia voar, colocou as asas e lançou-se da clarabóia…

Estatelou-se no pavimento como se fosse um pássaro que acabasse de sofrer um AVC, até que do mar, em passo apressado, vieram em seu auxílio as fotografias que tinham desaparecido da pequena caixa de sapatos; ouviam-se os lobos que aos poucos se despediam da maré, e esta, partiu.

Ele, depois de acordar, abraçou-se aos pequenos lençóis e ainda hoje inventa o sono antes de regressar a noite às suas mãos.

 

 

Alijó, 26/09/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 5 de abril de 2015

Para ti meu amor


Desce a noite pelos teus ombros de silício

Percebo na tua voz

O silêncio poema da paixão

O falso livro

Embrulhando-se nos teus seios

Em prata

A sombra

O prateado fugitivo

Descansando o olhar numa livraria

Livros

AL Berto

Lobo Antunes

 

Saramago

Pacheco

Livros

Estórias

Cesariny

A sombra

Lapidando o teu corpo

Oceano de palavras

Mergulhadas no teu púbis

A madrugada

Livros

Perdidos

 

E achados

O amor

Meu amor

O significado verdadeiro da saudade

Nos dardos envenenados da solidão

A fala

Não

A sanzala mergulhada em lágrimas de cartão

O vento trazendo as coxas do capim

Oiço-a enquanto durmo

Os seios minúsculos

Masturbados na poesia nocturna da alegria

 

A noite

Não

A fala

Os lábios incinerados na lareira do prazer

O suor alicerçado à tua pele

A húmida vagina em imagens tridimensionais

O PET

O maldito PET

O juízo

A mentira

A insónia

Novamente

 

Triste


As ruas do teu sofrimento

A lotaria da vida

Morres

Não morres

Vives

Em mim

Meu amor

Vives nas minhas veias semeadas de tempestade

A saudade

Novamente

 

No meu corpo

O pénis encarcerado numa estrofe

O enjoo da solidão

Quando à nossa volta gravitam

Sombras…!

A penumbra tarde de Novembro

Nas janelas do Hotel da Torre

Belém

A vagina procurando cacilheiros de luz

Um cigarro

Dentro de mim

Aso beijos

 

E eu sabia que a carta

Sem destino

Morreu

O amor das sílabas encarnadas…

Travestis amigos numa mesa

A vertigem do amanhecer

Acariciando pássaros e cavernas de medo

Não tenho morada

Cidade

Casa

Rua…

Mas tenho um poema para ti meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Domingo, 5 de Abril de 2015

sábado, 1 de dezembro de 2012

Acrílicos voos do fatídico inverno

Saboreava-te percebendo que na rua sofrimentos e cansaços emergiam da literatura que sentados na esplanada em frente ao rio, ele, pegava na tua mão, silenciava os teus gemidos, e

- viste as minhas calças amor?

e percebia-se que lentamente como se o vento fosse uma lâmpada incandescente, covarde, lenta, e percebia-se que os outros miúdos de mãos na algibeira esperavam pelas quatro badaladas amorfas do relógio de água, Não, Não via as tuas calças e nem saudades tenho delas, às vezes, entra no quarto disfarçado de cadáver, cruza as mãos e poisa-as no peito dissecado sobre o mármore frio e longínquo dos barcos de papel que o novo inquilino trouxe do outro lado do rio, levantas as mãos até construíres um cordão de pedras preciosas à volta do meu pescoço, e novamente a tua voz de malmequer abandonado no jardim da saudade

- viste as minhas calças meu amor?

chaleiro, filho da puta, agora já sou o amor dele, Meu amor, Meu querido, grande cabrão este, da saudade até chegar ao Chiado, as ruas desertas, nuas, abruptas dentro dos lençóis levantes que as madrugadas de Belém deixavam na insónia entre espelhos e sofrimentos e cansaços emergiam da literatura que sentados na esplanada em frente ao rio, e não, Não vi as tuas calças nem desejos beijos às janelas sobre a cidade verde e ténue de cinza quando os orgasmos nocturnos subiam a Calçada da Ajuda, à direita olhava-a cambaleada nos paralelepípedo de cintilações que os corpos transeuntes questionavam nos folhetos de apresentação para o sarau onde sílabas e pedacinhos de peixe frito mergulhavam na geada poeirenta que em Trás-os-Montes se alicerça nos ombros dos vultos gaguejares com plumas de avestruz sobre o susto que a noite provoca no amor,

- sabes o que é o mar, guardião das minhas calças? Nele percebia-se a ausência melancólica das andorinhas e dos grunhidos fósforos semeados nas planícies húmidas do Tejo quando pescava mãos com os lábios cor de veludo, e ouvia-os em cada suicídio imprimido no pavimento circular do ciúme,

saboreava-te percebendo que na rua sofrimentos e cansaços emergiam da literatura que sentados na esplanada em frente ao rio, ele, pegava na tua mão, silenciava os teus gemidos, e

- viste as minhas calças amor? E quando o desassossego aparecia e silenciava os teus gemidos questionados pelos transeuntes amorfos do espelho da morte, ouvia-te chamares-me de dentro dos livros que eu deixava esquecidos sobre a mesa-de-cabeceira, e nunca tive coragem de pegar em ti, e possivelmente as tuas calças fazem parte dos cortinados inventados por ele, quando o rio se sentava no colo emagrecido do fim de tarde, vodka em cada suicídio imprimido no pavimento circular do ciúme

e percebia-se que ontem te ausentaste de mim como fazem as gaivotas depois do pôr-do-sol, sobe em ti a maré nocturna das palavras, lá fora uma lâmpada incandescente, covarde, lenta, e percebia-se que os outros miúdos de mãos na algibeira esperavam pelas quatro badaladas amorfas do relógio de água, Não, Não via as tuas calças e nem saudades tenho delas,

- há em mim o cheiro intenso a cadáver,

sem perceber que o ciúme telegráfico da tua língua brinca docemente nas asas do vento, e a cidade adormece nos teus olhos de milhafre esquecido nas nuvens fictícias das palavras inventadas nas tuas calças,
desejarei o amor ilimitado dos plátanos magoados pela noite teus abraços em pedaços de aço inoxidável pigmentado com acrílicos voos do fatídico inverno, e um dia desenharei o amor dentro de quatro paredes de vidro,

- viste as minhas calças meu amor?

experimenta na biblioteca, na prateleira do Lobo Antunes ou do AL Berto.


(texto de ficção não revisto)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Recordações de ontem

Reinvento a morte das palavras
nas lápides tardes sem o cheiro do amor
no auto dos afogados
as sílabas tontas
no estonteante assobio dos cigarros embriagados

(invisíveis
moribundo)

todas as ruas e todos os prédios em ruínas
“amo esta cidade
e amo loucamente este rio”
dentro da janela
onde vejo as flores partirem para o infinito

reinvento a morte das palavras
e o cálice de veneno
que deambula entre as vogais de “Proust”
e a Luanda ficção de “Lobo Antunes”
nas minhas mãos de gelo

(o miúdo à caça de gelados
na esplanada do Baleizão)

o circo
o circo sobre a mesa da esplanada
dentro da sombra da noite
com o tecto pintado de amendoins
e cucas loiras

Gogol triunfante entra com as suas queridas almas mortas
na gaguez das palavras

(invisíveis
moribundo)

passeiam-se nos olhos de Gogol
as velhíssimas gotas de vodka
e as simples folhas de orvalho

(reinvento a morte
dentro dos rios
onde vivem oceanos pintados de amanhecer)

“QUE SE FODA O AMOR
E
A LITURGIA DAS TUAS MÃOS”

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Porquê Natália?

O link, amor, com beijinhos,
Natália,
Quando as gaivotas entre o vento e as ondas do mar desapareciam na chuva miudinha da tarde, as últimas palavras de Natália O link, amor, com beijinhos, desligou o interruptor da noite sem antes colocar sobre a mesa-de-cabeceira uma rosa que acabava de despregar-se do teto, cerrou os olhinhos, colocou as mãos trémulas sobre as árvores do peito, e partiu,
“E claro que o texto está bem escrito, e claro que Lobo Antunes não é para todos, e claro que para todos são as bibliografias de CR7 ou do camarada Mantorras, esses sim, verdadeiros campeões de vendas, porque Lobo Antunes é só para quem pode”, e quem pode manda, deslizava nos ponteiros do relógio a voz do Arrependimento,
Sobre a toalha uma chávena de lágrimas e o açucareiro submerso no vazio dos dias, a falta de dinheiro, a fome, as dívidas, a doença, o teto desaba e junto ao rodapé as nuvens que atravessam o tejo, e a Natália desesperava, e a Natália acreditava que o futuro não existia, e amanhã o sol não vai acordar, e o Arrependimento diz-me que não, não desaba o teto, não descem as nuvens até ao rodapé, e o sol acorda todos os dias,
E mesmo uma espingarda apontada à cabeça, esta, por motivos técnicos, pode encravar, e não me venhas com as estórias de sempre, Natália, tudo tem solução, exceto a morte, mas ficares sentada com o gás aberto não quer dizer que vás morrer, porque se não tiveres que morrer naquele momento não morres,
Sabes, Natália, sim diz, conheci uma gaivota que voou, voou, voou em direção ao céu, e quando já se encontrava muito longe da terra e quase em conversas com deus, começou a arder e desfez-se em pedacinhos de papel, deus olhou-a, e nas cinzas escreveu,
O link, amor, com beijinhos,
Natália…


(texto de ficção)