Natália,
Quando as gaivotas entre o vento e as ondas do mar desapareciam na chuva miudinha da tarde, as últimas palavras de Natália O link, amor, com beijinhos, desligou o interruptor da noite sem antes colocar sobre a mesa-de-cabeceira uma rosa que acabava de despregar-se do teto, cerrou os olhinhos, colocou as mãos trémulas sobre as árvores do peito, e partiu,
“E claro que o texto está bem escrito, e claro que Lobo Antunes não é para todos, e claro que para todos são as bibliografias de CR7 ou do camarada Mantorras, esses sim, verdadeiros campeões de vendas, porque Lobo Antunes é só para quem pode”, e quem pode manda, deslizava nos ponteiros do relógio a voz do Arrependimento,
Sobre a toalha uma chávena de lágrimas e o açucareiro submerso no vazio dos dias, a falta de dinheiro, a fome, as dívidas, a doença, o teto desaba e junto ao rodapé as nuvens que atravessam o tejo, e a Natália desesperava, e a Natália acreditava que o futuro não existia, e amanhã o sol não vai acordar, e o Arrependimento diz-me que não, não desaba o teto, não descem as nuvens até ao rodapé, e o sol acorda todos os dias,
E mesmo uma espingarda apontada à cabeça, esta, por motivos técnicos, pode encravar, e não me venhas com as estórias de sempre, Natália, tudo tem solução, exceto a morte, mas ficares sentada com o gás aberto não quer dizer que vás morrer, porque se não tiveres que morrer naquele momento não morres,
Sabes, Natália, sim diz, conheci uma gaivota que voou, voou, voou em direção ao céu, e quando já se encontrava muito longe da terra e quase em conversas com deus, começou a arder e desfez-se em pedacinhos de papel, deus olhou-a, e nas cinzas escreveu,
O link, amor, com beijinhos,
Natália…
(texto de ficção)
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