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terça-feira, 3 de outubro de 2023

Adormecer

 Maré que me inventas

Todos os dias

A todas as horas do dia

Dos outros dias

Maré dos teus lábios de mel

Que inventa na minha mão o silêncio

E se despede de mim

Quando cai a noite

 

Maré que me inventas

Todos os dias

A todas as horas

Dos dias sem horas

Das horas sem dias

Quando se aproxima o cansaço

E se ergue dos teus braços

O abraço

 

Nas marés que me inventas

No mar dos teus olhos

Tão lindos

São os teus olhos

Quando se ergue na maré que me inventas

O sono

E o desejo

De dormir…

… nos teus braços.

 

 

03/10/2023

quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Mar salgado

 

A paixão cresce

Na planície de cardos

Enamorados;

E desta cidade de árvores e telhados

Oiço a tua voz nocturna que me aquece.

 

É a voz que oiço ao deitar

No diário que escrevo,

E sei que não devo,

Erguer-me manhã cedo…

Apenas para desenhar os teus olhos de mar.

 

Mas faço-o com todo o prazer,

Olhar os teus olhos de mar salgado

Que este meu veleiro desgovernado,

Só e cansado,

Galga a maré; e tudo faz para te ver.

 

 

 

Alijó, 30/11/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Dos livros estes livros

 Deixou cair as asas sobre o mar e adormeceu; no dia seguinte deu-se conta que todas as fotografias que tinha escondido dentro da pequena caixa de sapatos número trinta, rés-do-chão esquerdo, tinham desaparecido como anteriormente já tinham desaparecido dois livros de poesia de AL Berto, um livro do Pacheco e um outro de Lobo Antunes.

Com os livros de poesia de AL Berto, muitos anos antes de perder as asas, teve uma enorme discussão, pois estes quase sempre não gostavam de ser manuseados, folheados, quanto ao livro do Pacheco, esse, estava sempre com dor de cabeça.

O dia erguia-se entre os seios dela, da rua, regressavam aos poucos as loucas buzinas dos transeuntes em delírio, como regressam ao final da tarde os estorninhos parecendo uma orquestra de zumbis, mas quanto aos dois livros de poesia de AL Berto, hoje, e enquanto os folheava e manuseava, não se queixaram de tal, até que o livro do Lobo Antunes me questionou a razão do par de asas estar sentado sobre eles, quando poderiam muito bem estar na minúscula sala de jantar; e porque não suporto birras nocturnas, puxei de um cigarro e fui ver o maldito mar daquela última noite.

O mar estava chocho, a maré tinha acabado de deixar o quarto e nele deixou impregnado o invisível perfume que apenas as marés usam, junto à janela havia uma secretária onde dormiam pedaços de papel escritos no século passado e que ele já nem se recordava; que conste que tratava-se apenas de algumas cartas que nunca foram enviadas, portanto sem remetente, e duas ou três receitas de culinária que nunca se atreveu a experimentar.

O mar estava enjoado. Nos lençóis, uma pequena mancha de esperma, desenhava a manhã que mais tarde acordaria e ninguém saberia se ia terminar. Numa das paredes, pequenas frestas olhavam-no, e começou a acreditar que estava a ser observado pelo defeituoso silêncio que muitas vezes se alicerçava sobre o peito e, quase sempre não entendia a razão.

Sabia que um dia seria apelidado de anjo azul, de azul tinha o pulso pincelado, mas de anjo, de anjo nada tinha, apenas as asas que deixara cair sobre o mar.

Sabíamos que a noite trazia sempre uma pequena malga de sopa, uma sandes de nada e dois ou três cigarros, depois, acreditando que sabia voar, colocou as asas e lançou-se da clarabóia…

Estatelou-se no pavimento como se fosse um pássaro que acabasse de sofrer um AVC, até que do mar, em passo apressado, vieram em seu auxílio as fotografias que tinham desaparecido da pequena caixa de sapatos; ouviam-se os lobos que aos poucos se despediam da maré, e esta, partiu.

Ele, depois de acordar, abraçou-se aos pequenos lençóis e ainda hoje inventa o sono antes de regressar a noite às suas mãos.

 

 

Alijó, 26/09/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Estas almas mortas que dançavam em nós, querida libertina

 

Perdias-me enquanto o mar entrava pela janela, e do silêncio das pedras, ouvíamos as palavras parvas das tardes de orvalho. Sabíamos que da noite ressuscitaria o poema que anos mais tarde se suicidaria nas velhas planícies das sílabas ensonadas.

E mesmo assim, perdias-me.

Levantávamos as estátuas embriagas que do jardim escutavam os gemidos nocturnos das marés em flor, depois, dançávamos até que o luar descia madrugada abaixo e,

Dançávamos,

E víamos os barcos em pequenas brincadeiras metalomecânicas que ainda hoje vagueiam nas esplanadas que só o rio sabia desenhar.

Dançávamos,

Até que o teu esqueleto de prata se fundia nas mãos do silêncio; acabava a noite quando lá longe, muito longe, a corda da solidão percebia que seria o último beijo.

Estou aqui. Estou acolá. E dançávamos até que acordava o penúltimo poema do desejo.

De pão, nada tínhamos. Mas tínhamos as pedras para amar. Mas tínhamos nas mãos o testamento segundo o seu último desejo; que nós fossemos sempre criança.

Crescemos, crescemos…

E ainda hoje somos crianças de farrapos.

Perdias-me enquanto o mar entrava pela janela, perdias-me enquanto a maré assassinava os teus seios numa tela cansada de luz,

Amém,

Que hoje gritam as almas mortas; assim seja, Nikolai Gogol. Que assim seja.

Porque dançávamos depois do banho, quando o mar entrava pela janela.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 7/07/2022

sábado, 4 de abril de 2015

O último beijo


A barca desgraçada

Recusa-se a regressar

Inventa palavras

Desenha gemidos nas pedras

Vãs

E cansadas

A barca

Não

Sabe

O horário da morte

Finge dormir debaixo de uma lápide

De espuma

Canta a cidade

Os húmidos sorrisos da madrugada

A barca

Desgraçada

Recusa-se

Regressar

Aos teus braços

Ao teu corpo

Noite

Cama

A janela enclausurada nas tuas mãos

Mão

De veludo

As cabeças dos ventrículos de vidro

Nas fretas da insónia

Há sonhos

Há… há um esconderijo no teu peito

Os olhos te prendem

E não consegues liberta o sofrimento

Adeus

Ontem

A mão

De veludo

Recusa-se

A beijar-me

O vício curvilíneo dos telhados de zinco

As crianças lançando bolas de farrapos

Em chamas

Balas

A espingarda do silêncio

PUM…

Nas camufladas salas de jantar

O cadeirão sem pressa para descansar

Cerra os prateados ombros

Deita-se

Deita-se nas linhas transversais do infinito

Não

Espero

Nada

Teu

Olhos

Mãos

Mão

Não


Suicídio nas tuas coxas

A claridade dilui-se docemente na tua boca

Finas

Cores

Da tela em supérfluas marés de medo

O sono

E a alma de não ter alma

Desamadas

As flores do jardim do último beijo

A última carícia do teu perfume

As calças de ganga

Sentadas no cadeirão em fuga

E depois de terminarem os cigarros

Nada

Hoje

Finjo e fujo

Saltando o muro dos teus lábios…

E nos teus lábios

STOP

O vermelho semáforo envenenado na tua pele

Os pregos

Os sítios obscuros do teu corpo

Dançam e cantam

Hoje

Não

Mão

Mãos…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sábado, 4 de Abril de 2015

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Ruas desnorteadas

foto de: A&M ART and Photos

A insignificante maré de desejo que a palavra deixa sobre o corpo envelhecido da morte
a espuma translúcida do abismo camuflado nas noites em delírio
o cigarro mal apagado
caminhando ruas pouco iluminadas
cadentes
velhas...
calçadas permitindo o sexo sobre os fantasmas das cortinas de fogo que saltitam do circo em miniatura
a insignificante maré que eu sinto na minha algibeira
fundeada em Cais do Sodré...
sem eira nem beira...
a terra não prometida
o deserto que te absorve e alimenta
e come em pedaços de açúcar misturados com azedos olhares
as árvores que sombreiam as tuas mãos de pérola emagrecida...
tão triste
e... e tão querida.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 6 de Janeiro de 2014

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

labirinto corpo de canela

foto de: A&M ART and Photos

tenho uma mão que não me pertence
da vida sobejam-me os sonhos que nunca me pertenceram
e no entanto acreditava na escuridão nocturna
vivo e vivia entre ruas e ruelas como esqueletos de ossos sacrificados ao jantar
vivia pensando que era uma gaivota
e que nos meus braças habitavam cegonhas e pernaltas
barcos e caravelas
portas e janelas

acreditava que estava só
e eu queria
e eu
… eu quero estar só

tenho uma mão que não me pertence
e acariciou o teu labirinto corpo de canela
acredita que vivia
não vivo
caminho somo sonâmbulo nos carris do medo
na paixão do segredo
acreditava e não o estou...
só abandonado triste desalmado e desamado

(acreditava que estava só
e eu queria
e eu
… eu quero estar só)

porque tenho uma mão de perfume que não me pertence
e que nunca me pertenceu
porque tenho um jardim com árvores e arbustos
bancos em madeiras e rapazes traquinas
saltitando
e nos anzóis que a tarde alicerça nas cancelas da maré
acreditava
e não estou só... porque tenho uma mão que não me pertence


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 23 de Outubro de 2013

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

os roseirais da tia Guilhermina

foto de: A&M ART and Photos

não percebes que vivo enclausurado num caixote de vidro
que uso suspensórios
tenho falhas de memória
não percebes que eu vivo
prisioneiro de uma tempestade de areia
onde vivem nuvens com perfume de laranjeira...
que adormeço sonhando com rochas suspensas no tecto do sótão enraivecido
dos gritos vulcânicos da montanha da morte

não percebes que és uma mentira vestida de negro
passeando pela noite até encontrar o espelho da vaidade
sorrindo às vezes
chorando quando caiem os desenhos abstractos das paredes envergonhadas...
(sou de ti) responsável pelo teu fingimento
como são os livros das tuas mãos
como são...
os roseirais da tia Guilhermina

marinheiros vagabundos dormindo sobre mesas embriagadas
e não percebes
não entendes
que há marés de madeira
e todas as semanas aparece um Pôr-do-Sol nos cortinados do medo
os roseirais da tia Guilhermina
morrem e querem de ti o esqueleto mentiroso
que as palavras dissipam na claridade dos pequenos teus olhos verdes


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 28 de Agosto de 2013

domingo, 11 de agosto de 2013

Reinventa-se e mergulha entre silêncios

foto de: A&M ART and Photos

O corpo do texto, emagrece, reinventa-se e mergulha entre silêncios e cavernas como a solidão dos primeiros dias da ausência dos sons poéticos e melódicos, o corpo ausente de tamanho, do zero ao doze, finge-se de morto, termina a linha, muda-se para baixo, travessão, ponto final, parágrafo, ponto de interrogação?
Desisto, pergunto se vale a pena continuar, e oiço-o como um vibrador dentro do meu ouvido,
Não, não continues, desiste rapaz,
E desisto,
E pergunto-me como será o Inverno, lá, depois de partir,
É como cá, respondem-me, respondem-me, respondes-me
Não faz mal, não faz mal, tudo é maleável como a sombra dos pinheiros em Carvalhais, tu
Tudo mesmo, mãe?
Tudo filho, tudo, o teu corpo é maleável, os teus sentimentos
Como são eles, mãe?
São em tecido e bordados com rosas, umas bravias, outras...
Como são as outras, mãe?
Menos bravias, mais calmas, mais
Belas, mãe, mais belas?
Muito mais, meu filho, muito mais,
O corpo do texto, o papel fica composto, cada vez menos espaços vazios, cada vez mais sofrimentos devidos às letras distorcidas da velha máquina de escrever, o teclado engasga-se, o teclado
Como são as outras, mãe?
O teclado prisioneiro das tardes junto ao rio, o teclado encalhado nos rochedos das sanzalas invisíveis dos panos encarnados, tapavam cadáveres, tapavam fome, tapavam o sol e os sonhos dos meninos, eu sonhava, ela sonhava, nós sonhávamos...
Com rosas, mãe?
Sim filho, sim
O teclado acabado de ser detido, criminalmente... ser oposição, escrever nas paredes negras da noite, e separadamente, éramos espancados vos chicotes de corda, com a ponta em fino papel, era assim, é assim, sempre o foi, sempre assim será, tudo
E se o velho morrer, mãe?
O venho nunca morre, meu filho, nunca, como nunca morrem as rosas bravias, como nunca morrem as sanzalas e os musseques e os charcos depois da chuva, e o velho, mãe, e o velho
Eterno, eterno sentado a olhar o mar,
O texto multiplica-se na maré doentia de Domingo, dizem-me que fiquei absorvido pelas nuvens que sobrevoavam os telhados de vidro, e o texto agora com pequenas imagens, e o texto agora com letras, grandes e pequenas e nenhumas... e algumas, tristes, alegres, negras, azuis e cinzentas, multiplica-se e vomita canções de amor, música, palavras declamadas por gargantas envenenadas pelos peixes e pelas tuas algas, havia um rio que nos prendia à madrugada, havia três caixas de cartão todos os papeis que lá jazem, têm o teu nome, e ainda tu não tinhas nascido
Mãe, como é isso possível? Porquê, mãe?
Estás lá, abro-as, o teu nome escreve-se como teclados domesticados, a tua fotografia hoje pertence aos esqueletos de cartão, morreu disseram-me depois de te ausentares
Morreu de quê, mãe?
Saudade?
Porque se morre de saudade, mãe?
Porque um dia o mar virá buscar-te, um dia, um, filho meu...
E o texto? E o texto cresce como árvores na Primavera, e o texto reinventa-se..., e dorme, e dorme em ti, sobre ti, e dorme na tua mão
O velho, mãe?
O velho morrerá,
E a liberdade dos pássaros e dos corpos... serão comestíveis como os teus mamilos quando salteias os lençóis nocturnos dos pequenos parágrafos, dos pequenos pontos finais, outras
Nem pontos, nem vírgulas,
E enquanto o velho não morrer, não felicidade, não vida, não sonhos.

(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 11 de Agosto de 2013

quinta-feira, 13 de junho de 2013

marés nocturnas de um quarto de pensão

foto: A&M ART and Photos

Não desistas cidade adormecida
em procurar o mar perdido
não não desistas dos rios submersos e das esplanadas inventadas
por mulheres embriagadas
homens cansados mergulhados em marés nocturnas de um quarto de pensão
não desistas dos sexos embainhados e prontos à janela
esquecendo que dos pobres candeeiros a petróleo sofrem as mãos do poeta
batendo teclas e acorrentado a um edifício em formato de cadeira de vime,

Não desistas beijos aos socalcos rio entranhado nos seios da montanha
ruas desertificadas desertas amontoadas como lixo sobre a areia molhada
não desistas de brincar
e de desenrolar os lençóis em linho pergaminho
mulher da vida invertida
como uma pequena equação sobre a pele polaroid dos teus círculos de prazer...
luzes de esferovite começam das lágrimas sobre a copa das árvores imaginárias
e dos barcos teus lábios eu sinto-te dentro de mim como um vulcão estonteante,

E nobre
perdidamente apaixonado pelas pedras veias dos xistos encarnados
ente os dias de solidão
e as nádegas húmidas dos torrões de açúcar sobre a mesa-de-cabeceira
farto-me da tua voz parecendo uma galinha implorando a chegada de um qualquer Sábado
de uma infinita semana
e nobre
teu meu corpo de serpente envenenada...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 27 de abril de 2013

De aço envergonhado

foto: A&M ART and Photos

Haverá mares suficientes para eu me esconder, sendo eu, um barco sem motor, com uma velha vela, sempre, e sempre, à espera, à espera que acorde o vento, à espera que acorde o meu corpo de aço, me levante, abra a janela da maré, e oiça o teu coração,
e falta-me a coragem para dizer que te amo, alga silenciosa dos rios amordaçados,
Haverá assim ventos suficientes para te trazerem até mim? E se tu nunca apareceres, e se tu, não sei, se tu uma rocha que vive no fundo do mar, como saberás, eu não sei nadar, e se mergulhar, certamente, e pelas leis da física, jamais voltarei a olhar a luz nocturna das ruas de Lisboa, pensar que dos néons há galerias de arte que esperam visitantes, e há caves a transbordar de suor, e há sótãos a apodrecer, sobre a cidade, quando regressa o vento, quando tu desapareces para posteriormente, ao outro dia, ver-te sentada numa esplanada, como se não me conhecesses, como se nunca tivéssemos dormido juntos, inventando sonhos juntos, desenhando desenhos, não juntos, porque tu, apenas me olhavas embrulhados nos pincéis e nas tintas e nas telas e nas minhas loucuras, sempre eternas, sempre desérticas, como as Primaveras, como as dália e as margaridas, sobre a terra, à espera pelo regresso do vento, de vela pronta
zarpar,
Prometer, imaginar ser amado dentro de um cubo de vidro, apaixonado, eu, um barco sonolento, de aço, envergonhado, não adianta semear flores numa laje de cimento. não adianta escrever, ler, não adianta amar fingindo viver, não adianta caminhar,
não adianta fingir ser feliz quando somos a pessoa mais infeliz do universos, não adianta, não adianta mentir fingindo que estamos bem, quando todos os caminhos, todos os rios, e todas as luzes morreram numa noite de insónia,
Não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter esperança...
Também tenho o direito de gritar e parar de fingir que está tudo bem,
“tão triste eu quando acorda a noite e cresce e cresce sobre as angustias do jardim um deus louco com uma perna de pau, tão triste eu quando as tuas mãos ausentes percorrem o meu corpo sitiado entre grades imaginárias de aço inoxidável e fios de seda e terminam viagem nas minhas mamas; primeiro regressa a noite,
depois ausentas-te juntamente com a noite e voas de árvore em árvore até mergulhares nos uivos dos meus olhos castanhos, depois, tão triste eu quando acorda a noite, depois a tempestade suspensa no corredor, passas apressadamente e não me olhas, depois, depois caiem todas as nuvens sobre este mísero divã e do relógio depois, depois as minhas mãos começam a envelhecer, a envelhecer depois o cortinado, a janela sem vidros, a envelhecer este quarto de pensão enfeitado de área de serviço, depois o relógio tomba silenciosamente no pavimento e morre o tempo,
tão triste eu. Acorda o chocolate na minha boca e imagino-te sentado no divã a fingires que do outro lado da rua vive um rio com barcos, que do outro lado da rua, tão triste eu, do outro lado da rua...
tão triste eu Meu Amor ausentada de ti.”
E conheci uma rosa que roubei do jardim numa noite de Agosto inventado num livro que poisava na mão de uma menina, os silêncios da noite ausentes de estrelas e alecrim, havia no ar o perfume do desejo, havia o perfume da noite submerso na paixão da literatura e da poesia, eu e a menina morremos, inventados no livro onde envelheceu a rosa e ainda hoje habita, tristemente só, tristemente inventada das palavras escritas apressadamente antes de acordar a noite,
não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter esperança...
Não acredito em reencontros porque quando se perde alguma coisa é para sempre ou então, ou então essa coisa não foi perdida,
se eu escrever numa folha de papel e a amarrotar e a esconder dentro de uma gaveta, um dia, mais tarde poderei reencontrar esse manuscrito,
Mas se optar por a rasgar e destruir o reencontro será impossível,
“Poema em cio”

Desesperadamente
as minhas palavras
coladas no vidro da morte
em pedacinhos amargos
a boca do poema
em cio
mergulha ele dentro do silêncio
no desejo dos barcos entre as estrelas de papel
e a noite de fingir
assisto ao fim da noite
quando das vaginais madrugadas
ouvem-se os uivos das acácias em flor

desesperadamente
as minhas palavras
nos meus pequenos desejos de silêncio amargo
caminhar dentro do mar
antes de acordar o pôr-do-sol

dos vidros da morte
as minhas mãos em crustáceos de glicerina
os cogumelos da vaidade em sombras sibilas
e a laranja do amor
aos poemas loucos
as migalhas do aço inoxidável
nos olhos do deus do cio
desesperadamente

(Desesperadamente
as minhas palavras
coladas no vidro da morte)

e a morte vive no meu corpo
desde o dia que acordei poema em cio
e todas as janelas da poesia não tinham visibilidade para o mar
e todos os barcos
e todos os barcos ouviam-se dentro das estrelas de papel...


Percebes agora porque haverá sempre mares suficientes para eu me esconder, sendo eu, um barco sem motor, com uma velha vela, sempre, e sempre, à espera, à espera que acorde o vento, à espera que acorde o meu corpo de aço, me levante, abra a janela da maré, e oiça o teu coração... e depois
dir-te-ei que te amo loucamente, sem medo, sem medo de perder.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Marinheiro de Luz


Achas-te superior
indigente
com falta de amor
como muita gente,

achas-te superior
rainha das coisas boas
montanha de luz
achas-te uma flor
uma simples flor
com pernas de cansaço
e braços
aos abraços
oiço o balançar da porta de entrada
truz truz truz
ninguém será certamente para me dar nada
nem uma simples corda de aço,

um prato com sopa de legumes encarnados
vinho do porto velho como os pássaros com asas de mar
(achas-te superior
indigente
com falta de amor
como muita gente)
e às vezes
multiplicam-se as manhãs de inverno
cresce o inferno
maré de marinheiro
quando eu sentado no barbeiro
penso solitariamente nas nuvens de barbear,

sinto-te em espuma no meu rosto envelhecido
e das saudades
as pequenas saudades
correr amar correr livremente
e voar
e amar
voar até cair nos teus braços
abraços
uma corda de aço
do tão construído cansaço
a espuma de ti mergulhada no meu simples desenho da alvorada
e tão triste e tão só tudo aquilo que foi esquecido,

achas-te superior
indigente
com falta de amor
como muita gente,

mas continuarás a ser uma resma de palavras
sem nexo
moribundas quando a mergulhada canção de amor
não é uma flor
é uma canção
que sofre
que dói
e mói
as pedras finas da calçada dos amores proibidos
e dói
mói
a doçura tristeza do desejo.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sábado, 7 de abril de 2012

O esboço da maré

Este barco sem rumo
Nas águas cansadas onde dormem as rosas vermelhas
Este barco sem rumo de âncora aguçada
Entre as nuvens e a lua atormentada
O poeta faz um esboço na maré
Com o carvão inventado das lágrimas da noite
O poeta é um parvalhão
Dentro do barco sem rumo
À procura das sandálias da infância
Teso sempre teso como o fio-de-prumo
Que liga a janela da noite à janela do dia
E o corpo do poeta
Nada mais de que as palavras em revolta
Nada mais
Poeta parvalhão
Sempre teso
Sempre sem tostão
Poeta de merda.

domingo, 1 de abril de 2012

O perfume da maré

O meu rosto impresso no espelho da alvorada, lá fora o rosnar dos carros embebidos no perfume da maré que me olham e querem levar-me para longe, abros as asas e em pequeníssimas bicadas no mar oiço dos teus olhos os fios de luz do desejo,
A gravidade puxa-me até ao centro da terra, e os teus lábios começam a desaparecer nas migalhas do pôr-do-sol, e a criança que há em ti atravessa o arame debaixo da tenda que encobre a vida, equilibras-te ao som de Wordsong (AL Berto) e todas os espetadores mergulham no teu corpo,
- Desejo-te quando acorda o dia
Abro as asas e sacudo a areia molhada que há em mim, olho-te em passinhos de algodão sobre o arame da manhã, o meu rosto impresso no espelho da alvorada, lá fora o rosnar dos carros embebidos no perfume da maré que me olham, e debaixo de ti lágrimas de suor voam em direção a deus,
- E quando termina o dia espero-te junto à janela onde entras todas as noites, e quando termina o dia desejo-te como desejo sair desta ilha naufragada, desejo-te como desejo voar até chegar ao sol, e sem nunca olhar para trás, e sem nunca olhar para trás abraçar-te no infinito,
Eis as palavras do meu corpo quando o sangue coagula nas frestas da infância, e barcos prisioneiros no rio procuram lagostins e pastéis de bacalhau, o sangue transforma-se em vodka e brota nas prateleiras da biblioteca, todos os livros embriagados, e oiço as vozes de cada poema, e oiço o abrir da janela e dizem-me
- Hoje ela não vem,
E dizem-me que os relógios dormem nos lençóis das tuas mãos como quando acordo e percebo que estou vivo e que tu
- Hoje Desejo-te quando acorda o dia,
E percebo que estou vivo e que tu caminhas sobre o arame debaixo da tenda que encobre a vida, línguas de fogo entre fatias de pão, e todo o mel derrete-se na tua boca, e todo o mel derrete-se no meu desejo,
E todo o mel
- Abraça-me Francisco,
E todo o mel nas portadas da manhã, entre fatias de pão e sumo de laranja…

(texto de ficção)