foto: A&M ART and Photos
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Haverá mares suficientes para eu me esconder, sendo
eu, um barco sem motor, com uma velha vela, sempre, e sempre, à
espera, à espera que acorde o vento, à espera que acorde o meu
corpo de aço, me levante, abra a janela da maré, e oiça o teu
coração,
e falta-me a coragem para dizer que te amo, alga
silenciosa dos rios amordaçados,
Haverá assim ventos suficientes para te trazerem
até mim? E se tu nunca apareceres, e se tu, não sei, se tu uma
rocha que vive no fundo do mar, como saberás, eu não sei nadar, e
se mergulhar, certamente, e pelas leis da física, jamais voltarei a
olhar a luz nocturna das ruas de Lisboa, pensar que dos néons há
galerias de arte que esperam visitantes, e há caves a transbordar de
suor, e há sótãos a apodrecer, sobre a cidade, quando regressa o
vento, quando tu desapareces para posteriormente, ao outro dia,
ver-te sentada numa esplanada, como se não me conhecesses, como se
nunca tivéssemos dormido juntos, inventando sonhos juntos,
desenhando desenhos, não juntos, porque tu, apenas me olhavas
embrulhados nos pincéis e nas tintas e nas telas e nas minhas
loucuras, sempre eternas, sempre desérticas, como as Primaveras,
como as dália e as margaridas, sobre a terra, à espera pelo
regresso do vento, de vela pronta
zarpar,
Prometer, imaginar ser amado dentro de um cubo de
vidro, apaixonado, eu, um barco sonolento, de aço, envergonhado, não
adianta semear flores numa laje de cimento. não adianta escrever,
ler, não adianta amar fingindo viver, não adianta caminhar,
não adianta fingir ser feliz quando somos a pessoa
mais infeliz do universos, não adianta, não adianta mentir fingindo
que estamos bem, quando todos os caminhos, todos os rios, e todas as
luzes morreram numa noite de insónia,
Não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter
esperança...
Também tenho o direito de gritar e parar de fingir
que está tudo bem,
“tão triste eu quando acorda a noite e cresce e
cresce sobre as angustias do jardim um deus louco com uma perna de
pau, tão triste eu quando as tuas mãos ausentes percorrem o meu
corpo sitiado entre grades imaginárias de aço inoxidável e fios de
seda e terminam viagem nas minhas mamas; primeiro regressa a noite,
depois ausentas-te juntamente com a noite e voas de
árvore em árvore até mergulhares nos uivos dos meus olhos
castanhos, depois, tão triste eu quando acorda a noite, depois a
tempestade suspensa no corredor, passas apressadamente e não me
olhas, depois, depois caiem todas as nuvens sobre este mísero divã
e do relógio depois, depois as minhas mãos começam a envelhecer, a
envelhecer depois o cortinado, a janela sem vidros, a envelhecer este
quarto de pensão enfeitado de área de serviço, depois o relógio
tomba silenciosamente no pavimento e morre o tempo,
tão triste eu. Acorda o chocolate na minha boca e
imagino-te sentado no divã a fingires que do outro lado da rua vive
um rio com barcos, que do outro lado da rua, tão triste eu, do outro
lado da rua...
tão triste eu Meu Amor ausentada de ti.”
E conheci uma rosa que roubei do jardim numa noite
de Agosto inventado num livro que poisava na mão de uma menina, os
silêncios da noite ausentes de estrelas e alecrim, havia no ar o
perfume do desejo, havia o perfume da noite submerso na paixão da
literatura e da poesia, eu e a menina morremos, inventados no livro
onde envelheceu a rosa e ainda hoje habita, tristemente só,
tristemente inventada das palavras escritas apressadamente antes de
acordar a noite,
não adianta acreditar, sonhar, não adianta ter
esperança...
Não acredito em reencontros porque quando se perde
alguma coisa é para sempre ou então, ou então essa coisa não foi
perdida,
se eu escrever numa folha de papel e a amarrotar e a
esconder dentro de uma gaveta, um dia, mais tarde poderei reencontrar
esse manuscrito,
Mas se optar por a rasgar e destruir o reencontro
será impossível,
“Poema em cio”
Desesperadamente
as minhas palavras
coladas no vidro da morte
em pedacinhos amargos
a boca do poema
em cio
mergulha ele dentro do silêncio
no desejo dos barcos entre as estrelas
de papel
e a noite de fingir
assisto ao fim da noite
quando das vaginais madrugadas
ouvem-se os uivos das acácias em flor
desesperadamente
as minhas palavras
nos meus pequenos desejos de silêncio
amargo
caminhar dentro do mar
antes de acordar o pôr-do-sol
dos vidros da morte
as minhas mãos em crustáceos de
glicerina
os cogumelos da vaidade em sombras
sibilas
e a laranja do amor
aos poemas loucos
as migalhas do aço inoxidável
nos olhos do deus do cio
desesperadamente
(Desesperadamente
as minhas palavras
coladas no vidro da morte)
e a morte vive no meu corpo
desde o dia que acordei poema em cio
e todas as janelas da poesia não
tinham visibilidade para o mar
e todos os barcos
e todos os barcos
ouviam-se dentro das estrelas de papel...
Percebes agora porque haverá sempre mares
suficientes para eu me esconder, sendo eu, um barco sem motor, com
uma velha vela, sempre, e sempre, à espera, à espera que acorde o
vento, à espera que acorde o meu corpo de aço, me levante, abra a
janela da maré, e oiça o teu coração... e depois
dir-te-ei que te amo loucamente, sem medo, sem medo
de perder.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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