domingo, 1 de abril de 2012

O perfume da maré

O meu rosto impresso no espelho da alvorada, lá fora o rosnar dos carros embebidos no perfume da maré que me olham e querem levar-me para longe, abros as asas e em pequeníssimas bicadas no mar oiço dos teus olhos os fios de luz do desejo,
A gravidade puxa-me até ao centro da terra, e os teus lábios começam a desaparecer nas migalhas do pôr-do-sol, e a criança que há em ti atravessa o arame debaixo da tenda que encobre a vida, equilibras-te ao som de Wordsong (AL Berto) e todas os espetadores mergulham no teu corpo,
- Desejo-te quando acorda o dia
Abro as asas e sacudo a areia molhada que há em mim, olho-te em passinhos de algodão sobre o arame da manhã, o meu rosto impresso no espelho da alvorada, lá fora o rosnar dos carros embebidos no perfume da maré que me olham, e debaixo de ti lágrimas de suor voam em direção a deus,
- E quando termina o dia espero-te junto à janela onde entras todas as noites, e quando termina o dia desejo-te como desejo sair desta ilha naufragada, desejo-te como desejo voar até chegar ao sol, e sem nunca olhar para trás, e sem nunca olhar para trás abraçar-te no infinito,
Eis as palavras do meu corpo quando o sangue coagula nas frestas da infância, e barcos prisioneiros no rio procuram lagostins e pastéis de bacalhau, o sangue transforma-se em vodka e brota nas prateleiras da biblioteca, todos os livros embriagados, e oiço as vozes de cada poema, e oiço o abrir da janela e dizem-me
- Hoje ela não vem,
E dizem-me que os relógios dormem nos lençóis das tuas mãos como quando acordo e percebo que estou vivo e que tu
- Hoje Desejo-te quando acorda o dia,
E percebo que estou vivo e que tu caminhas sobre o arame debaixo da tenda que encobre a vida, línguas de fogo entre fatias de pão, e todo o mel derrete-se na tua boca, e todo o mel derrete-se no meu desejo,
E todo o mel
- Abraça-me Francisco,
E todo o mel nas portadas da manhã, entre fatias de pão e sumo de laranja…

(texto de ficção)

Sem comentários:

Enviar um comentário