Perdias-me enquanto o mar
entrava pela janela, e do silêncio das pedras, ouvíamos as palavras parvas das
tardes de orvalho. Sabíamos que da noite ressuscitaria o poema que anos mais
tarde se suicidaria nas velhas planícies das sílabas ensonadas.
E mesmo assim,
perdias-me.
Levantávamos as estátuas
embriagas que do jardim escutavam os gemidos nocturnos das marés em flor,
depois, dançávamos até que o luar descia madrugada abaixo e,
Dançávamos,
E víamos os barcos em
pequenas brincadeiras metalomecânicas que ainda hoje vagueiam nas esplanadas
que só o rio sabia desenhar.
Dançávamos,
Até que o teu esqueleto
de prata se fundia nas mãos do silêncio; acabava a noite quando lá longe, muito
longe, a corda da solidão percebia que seria o último beijo.
Estou aqui. Estou acolá. E
dançávamos até que acordava o penúltimo poema do desejo.
De pão, nada tínhamos. Mas
tínhamos as pedras para amar. Mas tínhamos nas mãos o testamento segundo o seu
último desejo; que nós fossemos sempre criança.
Crescemos, crescemos…
E ainda hoje somos
crianças de farrapos.
Perdias-me enquanto o mar
entrava pela janela, perdias-me enquanto a maré assassinava os teus seios numa
tela cansada de luz,
Amém,
Que hoje gritam as almas
mortas; assim seja, Nikolai Gogol. Que assim seja.
Porque dançávamos depois
do banho, quando o mar entrava pela janela.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 7/07/2022
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