Éramos só nós. Trazíamos no
dorso a triste enxada da saudade, quando logo pela manhã, aos Domingos, íamos
visitar os barcos, que após uma longa noite de sono, aos poucos, acordavam como
acordam as palavras do poema quando este, depois de zarpar do cais, se abraçava
à baía que hoje, muitos anos depois, é apenas uma lágrima de sangue.
No Mussulo, escrevíamos na
lápide areia branca as palavras envenenadas que só o silêncio consegue ressuscitar,
após o almoço, um barco de espuma erguia-se da montanha do sono, aqui e ali,
sabíamos que os meninos de calções, aqueles que sobreviveram à noite, começavam
a voar em direcção aos sonhos.
São as lágrimas, quando o
teu sorriso é uma tela pincelada de Inverno, como a nobre e labirinta geada que
após o luar começava a poisar nas nossas mãos e, do teu rosto, os pássaros
sabiam que sobre as árvores, que sobre as marés infiéis dos distantes
musseques, os velhos ditadores, um dia, morreriam de tédio; amém.
Éramos só nós, trazíamos
na algibeira a revoltada fome que emergia das tristes mangueiras que depois das
chuvas, o cheiro da terra se impregnava nas roupas como dentes caninos da
solidão; éramos só nós. Éramos só nós quando o barco começou a distanciar-se de
uma cidade engolida pelo sono, que após passar a linha do equador e, em
pequenos engasgamentos, a orquestra limitava-se a escrever na espuma, as
sílabas da inocência.
São as lágrimas, quando o
teu sorriso é uma tela pincelada de Inverno, são as lágrimas que guardo no
peito, as tuas lágrimas das manhãs de cacimbo.
Alijó, 7/07/2022
Francisco Luís Fontinha
Sem comentários:
Enviar um comentário