Quando tiveres um sonho, esconde-o, mostra-o apenas quando a primeira lágrima da manhã acordar…
18/07/2023
Das engrenagens da vida,
As correntes,
Correias,
Parafusos de pressão,
Esta mão,
Nesta pequena mão,
Rolamentos apaixonados,
Casquilhos,
Vedantes,
Meu Deus…
Transmissões,
Quando do vento,
Recebo do teu olhar,
O sol,
A paixão,
Tudo isto eu sinto,
De tudo isto me alimento,
Óleos,
Rodas dentadas,
Enquanto no teu sorriso…
Do teu olhar…
Vêm a mim as alegres
madrugadas.
Alijó, 26/01/2023
Francisco Luís Fontinha
No lírio cansado
do teu olhar
Partem-se as
amarras da paixão,
Desejas sem o
desejar,
Desejar um barco
no mar,
Do mar teu
coração,
No lírio desejo
dos teus doces lábios de mel,
Quando acorda a manhã
ensonada…
Escrevo, desenho…
invento palavras neste pobre papel,
Quando a insónia
se despede da madrugada,
No lírio cansado
do teu olhar
Há palavras de
escrever,
Há palavras de
beijar…
E há sonhos de
encantar.
Alijó,
25/01/2023
Francisco Luís
Fontinha
Finíssimas lâminas de luz
atravessavam o teu corpo habitado pelas gotículas incineradas que a madrugada
poisava e num ápice silencioso, à velocidade do desejo, voavam depois sobre as
marés lindas de Inverno; um barco apaixonado rodopiava nos teus seios que da
tela acabada de acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia
da saudade…
Amo-te.
Amo-te, não percebendo o
infame desejo que nas mãos do artista vive a insónia construída de luz e fogo.
Não sabíamos que nos candeeiros a petróleo que brincavam no atelier, alguns
deles, perfeitos anormais, existiam as cansadas estrelas da alvorada, quando lá
longe, alguém pestanejava ao silêncio teu corpo quando ainda menino, inventava
corridas á volta da lareira.
Tínhamos a fome do desejo
e a dor do prazer; as palavras desciam pela tua pele como se fossem pedacinhos
de chuva sobre o zincado medo das sanzalas de prata, e mesmo assim, amavas-me,
e mesmo assim, tínhamos entre mãos todos os poemas da cidade.
Pincelada pela noite
anterior, escrevia na fina areia da saudade os gemidos magnânimos dos pássaros
em cio, quando sabíamos que um dia a saudade seria apenas algumas folhas em
papel, cansadas pelas tempestades dos tristes sorrisos de Primavera, distantes
dos infelizes abraços que a noite transportava para o rio.
Amanhã, a sanzala grita
Das lágrimas invisíveis
dos tons de oiro que poisavam no teu cabelo, percebia-se que a cidade
fervilhava como fervilham os sexos junto ao mar, assim que acordávamos,
ouvíamos os belos socalcos do Doiro, entre rabelos e sombras de enxada nas mãos
calejadas da madrugada.
Amanhã, a sanzala grita
como gritam os teus braços quando se alicerçam aos distantes luares que uma
infância aprisionou antes do nascer do sol. A vontade de correr ficou
estacionada perto da ponte metálica que servia de esconderijo quando eramos
atacados pelos famintos pássaros que transportavam os desejados poemas em
pequenas quadriculas num qualquer papel de parede; morríamos.
Hoje, somos pedaços de
nada.
Que da tela acabada de
acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia da saudade…
Amo-te, sabendo que ontem
tinham morrido todos os riscos deixados sobre a areia da infância.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 03/08/2022
Desciam as escadas enquanto mergulhávamos nas palavras escritas que só o velho mendigo conhecia e depois acordávamos entre os pássaros da madrugada e depois olhávamos a maré em tons de cinzento sem percebermos que a noite é a morte vestida de estrelas abraçada à dor que apenas o corpo consegue desenhar na madrugada porque de luas e percebes estávamos fartos de desenhar na alvorada ora porque diziam que estávamos mortos se ainda conseguíamos escrever na areia molhada dos teus seios suspensos as canções de revolta enquanto uma enxada brincava no silêncio do deserto antes de acordarem os pássaros da madrugada?
És flor deste jardim construído
nos socalcos do desejo. Abro a janela do medo enquanto oiço as acácias que
brincam no teu corpo, depois, percebo que ninguém habita a tua mão onde deixo
ficar as minhas palavras como se estas fossem a despedida; o poeta vai partir
em direcção ao mar, porque neste porto apenas vagueiam barcos em papel e fotografias
da tua dor.
Desciam as escadas
enquanto mergulhávamos nas palavras escritas que só o velho mendigo conhecia e
depois acordávamos entre os pássaros da madrugada, sem percebermos que dentro
do círculo com olhos verdes, as palavras semeiam-se como se semeia o medo de
acordar junto ao velho plátano de uma infinita infância entre montanhas e
socalcos e seios de luz e lágrimas de luar; e aos poucos percebia da tua
respiração que em breve voarias como voam os pássaros quando percebem que o
silêncio é uma equação sem resolução. E que ainda hoje voas.
Diziam que estávamos
mortos se ainda conseguíamos escrever na areia molhada dos teus seios suspensos
as canções de revolta enquanto uma enxada brincava no silêncio do deserto antes
de acordarem os pássaros da madrugada, depois, ouviam-se as canções de
despedida embrulhada nas lágrimas que apenas o poema consegue descrever, quando
sentado num qualquer banco de jardim…
À dor que apenas o corpo
consegue desenhar na madrugada.
Nada mais.
E que ainda hoje voas.
Alijó, 23/07/2022
Francisco Luís Fontinha
Éramos só nós. Trazíamos no
dorso a triste enxada da saudade, quando logo pela manhã, aos Domingos, íamos
visitar os barcos, que após uma longa noite de sono, aos poucos, acordavam como
acordam as palavras do poema quando este, depois de zarpar do cais, se abraçava
à baía que hoje, muitos anos depois, é apenas uma lágrima de sangue.
No Mussulo, escrevíamos na
lápide areia branca as palavras envenenadas que só o silêncio consegue ressuscitar,
após o almoço, um barco de espuma erguia-se da montanha do sono, aqui e ali,
sabíamos que os meninos de calções, aqueles que sobreviveram à noite, começavam
a voar em direcção aos sonhos.
São as lágrimas, quando o
teu sorriso é uma tela pincelada de Inverno, como a nobre e labirinta geada que
após o luar começava a poisar nas nossas mãos e, do teu rosto, os pássaros
sabiam que sobre as árvores, que sobre as marés infiéis dos distantes
musseques, os velhos ditadores, um dia, morreriam de tédio; amém.
Éramos só nós, trazíamos
na algibeira a revoltada fome que emergia das tristes mangueiras que depois das
chuvas, o cheiro da terra se impregnava nas roupas como dentes caninos da
solidão; éramos só nós. Éramos só nós quando o barco começou a distanciar-se de
uma cidade engolida pelo sono, que após passar a linha do equador e, em
pequenos engasgamentos, a orquestra limitava-se a escrever na espuma, as
sílabas da inocência.
São as lágrimas, quando o
teu sorriso é uma tela pincelada de Inverno, são as lágrimas que guardo no
peito, as tuas lágrimas das manhãs de cacimbo.
Alijó, 7/07/2022
Francisco Luís Fontinha