Finíssimas lâminas de luz
atravessavam o teu corpo habitado pelas gotículas incineradas que a madrugada
poisava e num ápice silencioso, à velocidade do desejo, voavam depois sobre as
marés lindas de Inverno; um barco apaixonado rodopiava nos teus seios que da
tela acabada de acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia
da saudade…
Amo-te.
Amo-te, não percebendo o
infame desejo que nas mãos do artista vive a insónia construída de luz e fogo.
Não sabíamos que nos candeeiros a petróleo que brincavam no atelier, alguns
deles, perfeitos anormais, existiam as cansadas estrelas da alvorada, quando lá
longe, alguém pestanejava ao silêncio teu corpo quando ainda menino, inventava
corridas á volta da lareira.
Tínhamos a fome do desejo
e a dor do prazer; as palavras desciam pela tua pele como se fossem pedacinhos
de chuva sobre o zincado medo das sanzalas de prata, e mesmo assim, amavas-me,
e mesmo assim, tínhamos entre mãos todos os poemas da cidade.
Pincelada pela noite
anterior, escrevia na fina areia da saudade os gemidos magnânimos dos pássaros
em cio, quando sabíamos que um dia a saudade seria apenas algumas folhas em
papel, cansadas pelas tempestades dos tristes sorrisos de Primavera, distantes
dos infelizes abraços que a noite transportava para o rio.
Amanhã, a sanzala grita
Das lágrimas invisíveis
dos tons de oiro que poisavam no teu cabelo, percebia-se que a cidade
fervilhava como fervilham os sexos junto ao mar, assim que acordávamos,
ouvíamos os belos socalcos do Doiro, entre rabelos e sombras de enxada nas mãos
calejadas da madrugada.
Amanhã, a sanzala grita
como gritam os teus braços quando se alicerçam aos distantes luares que uma
infância aprisionou antes do nascer do sol. A vontade de correr ficou
estacionada perto da ponte metálica que servia de esconderijo quando eramos
atacados pelos famintos pássaros que transportavam os desejados poemas em
pequenas quadriculas num qualquer papel de parede; morríamos.
Hoje, somos pedaços de
nada.
Que da tela acabada de
acordar, pincelada pela noite anterior, escrevia na fina areia da saudade…
Amo-te, sabendo que ontem
tinham morrido todos os riscos deixados sobre a areia da infância.
Francisco Luís Fontinha
Alijó, 03/08/2022
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