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sábado, 12 de novembro de 2022

Noite perdida nas tuas lágrimas em papel

 Uma mão de luz

Afaga o meu rosto silenciado pelo mar

E a fotografia que aprisiono no peito

Ergue-se na manhã desalinhada

Enquanto nos teus olhos de mel

 

Brinca uma triste gaivota

Somos pequenos instantes

Somos feitiços

Que lançam palavras

Em cada esquina do luar

 

E esta pequena mão de luz

Invisível

Que apenas os teus lábios conseguem iluminar

Poisam docemente sobre mim

Como poisavam as sombras das alegres marés

 

Que entretinham os meus barcos de brincar

E de pequenos instantes

Transformamo-nos em palhaços de sono

Em busca da noite perdida

Até que depois de abrir a janela para o infinito

 

Regressam as estrelas das tuas lágrimas

Que voam no meu rosto

E que procuram as árvores em cio

E que detestam as minhas mãos

E que me dizem que deixei de existir

 

 

 

 

Alijó, 12/11/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Maré de sémen

 Deste meu pequeno cubículo de sono

Enquanto o meu relógio adormece

Nos lábios das manhãs em desespero

Na algibeira procuro os cacilheiros

Que se abraçavam ao meu peito

 

Frio e escuro

Quando a âncora da saudade

Se despedia de mim

E voava como voavam as gaivotas

Na terra de ninguém

 

Poisava as mãos nas pobres águas

Onde habitavam as flores e as árvores e todos os pássaros

E sabia que lá longe

Uma ponte metálica me transportava

Para os teus braços

 

Enquanto das lágrimas do silêncio

Um fio de espuma

Levitava no teu cabelo amargurado

E eu sabia que quando regressasse a noite

A maré de sémen em pequenos gracejos

 

Se escondia na sombra da madrugada

Quando vento das palavras

Adivinhava sempre

Quando aquele cacilheiro

Vinha ao meu peito

 

 

 

 

Alijó, 27/10/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 6 de fevereiro de 2022

O prometido beijo

 

Voávamos entre a sombra do desejo e o beijo adormecido. Tínhamos dentro do corpo o silêncio que a noite depositou junto à praia das areias brancas. Ouvíamos o uivo dos lobos que regressavam da montanha, olhavam-nos e sentavam-se junto a nós.

Pegava num pequeno livro de poesia e lia-lhes poemas dispersos, diga-se, apenas os lobos a percebiam. Puxava de um cigarro embrulhado em solidão e, permitindo aos olhos alguma lubrificação, pequenas lágrimas de incenso se despregavam do rosto e acabavam por morrer no pavimento íngreme da eira.

Estava sol. Dentro dela, sem o saber, crescia um pedacinho de ninguém, uma coisa de milímetros, como se fosse apenas mais um poema. Havia gaivotas à nossa volta, num dos retractos, aparecia uma nuvem de pura lã virgem, que em pequeníssimos círculos, se dirigia para o mar. Talvez depois de acordar, esse minúsculo ser fosse apenas um fio de nylon esquecido num qualquer sonho, de uma qualquer manhã, sem remetente.

Desciam os pássaros o musseque. Uma Bedford amarela, puxada por um pequeno cordel, inventava ruelas e caminhos térreos, logo que depois, aparecia o velho Alberto e, nunca dando o ar da sua graça, lamentava-se da poeira causada pela mesma. O sonho, condutor da dita Bedford amarela, nunca se cansava do árduo trabalho, e de vez em quando, num pequeno caderninho, apontava cada silêncio que lhe aparecesse pelo caminho.

Eram chuvas sem medida.

Chegava a casa e, sobre um pedaço de ferro e zinco, um menino esperava-o; e todos os dias, ao final do dia, o menino recebia o prometido beijo, diga-se que, nunca era igual; o de ontem não é igual ao de hoje e, o de hoje jamais será igual ao de amanhã. Há quem lhe chame de amor, mas o menino, chamava aos beijos de: pedacinhos de insónia, camuflada pelo perfume das acácias.

Pela manhã, erguiam-se todos os pássaros e acordavam todas as flores, dos pequenos charcos que restavam da tempestade anterior, poucos ou nenhuns já existiam; quase todos eles, mortos.

Voávamos entre a sombra do desejo e o beijo adormecido e, acreditávamos que o dia seguinte, aquele que ainda não existia, certamente ia ser melhor do dia que estava prestes a terminar. E assim, aprendi a enganar os dias, e ainda hoje o faço, até que um punhado de flores tombem sobre o meu corpo e, uma gaivota voe em direcção ao mar.

Eis o teu retracto.

Eis a tua morada.

Porque eram chuvas sem medida.

 

 

 

Alijó, 06/02/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 7 de abril de 2019

As gaivotas de Luanda


O chão semeado de sombras,

Dentro de mim, o mar,

Descalço,

A convidar-me para brincar.

O cheiro da terra húmida,

As palmeiras envenenadas pelo silêncio,

Quando as gaivotas de Luanda, dormem na Baía…

Oiço-as.

O chão semeado de sombras,

O capim molhado com cheiro a sonho,

Sobre a terra,

Os barcos de papel da infância.

O som dos transeuntes mabecos perto da sanzala,

As crianças brincando com a tarde salgada,

Que um velho sábio trouxe do mar.

Abraço-me às mangueiras, deito-me no chão semeado de sombras,

Sonho com uma Lisboa desconhecida, onde se passeiam putas e bêbados…

Pelas avenidas escurecidas.

E, no entanto, ainda hoje, desenho no teu corpo, gaivotas.

Uma Lisboa embrulhada em cheiros e sabores,

As tasquinhas, nas paredes, o peixe frito com sabor a cebola,

O vinho misturado com a água salgada,

E as pipas parecem esconderijos de marinheiros.

As gaivotas, meu amor,

As gaivotas que desenhei nos teus seios,

Dos incêndios da minha infância…

Alucinações,

Eu, eu brincando com as galinhas da minha avó,

De calções,

Sandálias…

E sonhos.

 

E hoje, sou apenas um velho esperando a morte.

 

 

Querida Lisboa,

 

Dos enfartes que as guloseimas de uma criança, deixa sobre a terra,

 

Querida Luanda; as gaivotas dos teus braços.

 

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

07/04/2019

terça-feira, 2 de abril de 2019

Borboletas em papel


Borboletas no meu velório,

Apenas borboletas,

Ninguém,

Ninguém à minha espera,

Comigo, morreram as palavras,

Todos os livros, machos e fêmeas,

Segunda-feira ou Terça-feira?

O xisto amarfanhado pelo silêncio da poesia,

As frases afundaram-se nas tuas mãos,

Como gaivotas em cio.

O poço,

O cheiro nauseabundo dos velhos livros,

Abraçados a mim,

Tenho um corpo de merda,

E uma rua dentro de mim, sem nome, sem casa, sem nada…

Dormir,

Não durmo,

Comer…

Não como nada.

Peço aos amigos, a todos, paciência,

Nada mais do que isso,

Nem flores,

Odeio flores e odeio o teu sorriso,

Odeio o mar e o todos os rios…

São recheados de falsidade,

Como tu, pobre pomba poisada no meu ombro,

Dormir,

Não durmo,

Comer…

Quase nada.

Borboletas em papel,

Sombras em pastel,

Telas esbranquiçadas com lábios de suor…

É esta a minha vida,

Embrulhado em palavras,

Dormindo,

Não dormindo,

Dentro das sílabas assassinadas.

Despeço-me, e do cimo do monte…

Enterro o teu nome,

Escrevo na terra…

Amo-te, não te amo, amo-te… só quando nascer a noite.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

02/04/2019

sábado, 3 de junho de 2017

Tempestade


Não me interessa quem me apedreja,

Sou um desgostoso filho da noite branca,

Sou filho do feitiço amordaçado das tempestades sem nome,

Caminho nos teus braços como uma serpente sem veneno…

Despois do entardecer,

Vivo vivendo a vida quotidiana das amoreiras em flor,

E das tormentas encarnadas do amor…

Amanhã vou zarpar para a montanha desconhecida,

Levarei comigo um ramo de flores adormecidas pela tempestade,

E não haverá lágrimas no meu rosto,

Nem palavras nos meus livros desgraçados…

Um sonâmbulo pede-me lume,

Faço uma fogueira com a minha tristeza,

Sem perceber que durante o amanhecer

Uma árvore me visita,

E me abraça fortemente,

E a noite me incendeia…

 

O dia termina na minha mão,

Os teus dedos entrelaçados nos meus…

Sempre que o sol acorda livremente

Nos rochedos da solidão,

 

É tarde,

O tempo dorme docemente no meu ventre

Enquanto junto ao rio o voo das gaivotas me atormentam…

E tenho medo do teu sorriso pela madrugada,

Alimento-me de nada,

Alimento-me de uma vazia esplanada

Ancorada na sombra da Primavera,

 

(Não me interessa quem me apedreja),

 

E das pedras invisíveis…

Ergue-se a paisagem nocturna da janela sem cortinados,

Sente-se o teu desgostoso perfume

Contra o meu peito desajeitado,

Sem nome,

Sem morada…

Como sou,

Sem nada,

Despedido dos teus sonhos…

Me suicido na escuridão.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 3 de Junho de 2017

sábado, 23 de abril de 2016

A viagem do paquete amordaçado


Os poemas perdidos, a noite incendeia a solidão do corpo enquanto lá fora o silêncio da morte acorda os pedestres rochedos da insónia.

Desço às profundezas do rio, toco na sua boca como se alguém me empurrasse para a escuridão, feliz aquele que vive só, sem ninguém,

Os poemas perdidos que invadem a tarde junto ao mar, lá longe, os sifilíticos segredos da esperança, perdidos, as palavras, os sons e a melódica tempestade dos guizos,

Perdidos.

Os poemas na minha mão caminhando sobre as areias finas do desejo,

Invento crianças que brincam nos quintais de espuma,

Marés de incenso sobre a secretária desarrumada,

Milímetros quadrados de nada, de ninguém, que só os muros da geada conseguem atravessar, tenho pena do coração da Primavera; triste.

Como eu,

Triste

Nos poemas perdidos,

Amanhã renascerá uma estrela no meu peito e o meu corpo transformar-se-á em lâminas de prazer, amanhã terei os poemas perdidos fora do livro, esqueléticos casebres das montanhas de neblina, rios que invadem a cidade e trazem a morte, dos poemas, e dos livros com poemas,

Triste,

Os poemas perdidos quando incendeiam os dedos amachucados pelos cigarros em despedida,

As fotografias dentro de uma caixa de cartão à espera de serem resgatadas pelas palavras dos poemas perdidos, sem ninguém, procuro nela o meu rosto de infância, imagino-me a olhar os barcos entre apitos e partidas, e o medo absorve-me…

Deixo de ver a cidade, dou-me conta em pleno Oceano, sinto o cheiro das gaivotas percorrendo os trilhos do sono, e dos poemas perdidos…

O sangue que corre nas minhas veias, os dias iguais às noites, as noites iguais às sílabas de luar quando olho pelo camarote um finíssimo fio de nylon que me acompanha até ao meu regresso,

Despeço-me dos poemas perdidos,

Despeço-me da aldeia onde nasci e abraço uma Lisboa camuflada pelas âncoras do Tejo, os caixotes em madeira presos aos meus pés, sem nada, apenas tarecos, apenas pequeníssimas coisas sem nexo,

Os poemas perdidos,

Despeço-me,

Deles, delas…

 

Sem perceber que os poemas perdidos nunca existiram em mim.

 

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 23 de Abril de 2016

quarta-feira, 16 de março de 2016

Gaivotas assassinas


As gaivotas assassinas

Que atormentam os teus/meus sonhos,

O silêncio da pedra onde descanso

E sinto a sombra do sofrimento

Antes de acordar a noite,

O túnel da amargura suspensa na água transparente do desejo,

Desapareces entre as nuvens de algodão que alimentam o dia… e neste momento… mortas, feridas, e indesejadas pelos pássaros da avenida nocturna da paixão,

As complexas muralhas do sono nos cortinados das tristes madrugadas…

O beijo da aranha

Que habita o circo da minha infância,

E…

As gaivotas assassinas…

Nos meus/teus sonhos,

Vivo em ti e de ti, semáforo da tristeza

Sem perceber que a vida é uma jangada de pequenos sorrisos

E místicos poemas sem destinatário…

A vida só,

Só…

Como são todas as gaivotas assassinas…

 

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 16 de Março de 2016

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Porta com acesso à paixão

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Não me ouves da tua lápide
inventada por um louco
acreditas que as minhas palavras são húmus
resíduos inorgânicos
da paixão secreta
do sol pela poesia
não me ouves porque não existes
ou... ou... ou porque sou eu que não existo
ou talvez
eu
tu
nunca existimos
somos riscos
fumo desvairado de um cigarro amordaçado
somos riscos suspensos numa parede invisível
onde algures habita uma porta com acesso à paixão
eu
o medo
tu
o medo
e dos cortinados cinzentos dos teus cabelos...
o medo apodrece sobre os nossos ombros embrulhados no cacimbo da infância
procurando as sombras de um rio
com barcos de papel e gaivotas em cartão...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 12 de Janeiro de 2015


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Vibração


Meninos
meninas
senhoras e senhores...
o grandioso espectáculo vai começar,
malabaristas,
trapezistas...
cobras amestradas e homens de vidro,
canções, poesia e melódicas palavras...
(em tesão)
grandioso espectáculo...
bonecos em barro,
borboletas em papel rebuçado,
loucos, loucas e vampiros em chocolate,
casas sem janelas,
moças donzelas...
e...
e... e... e gaivotas em porcelana,
hoje,
só hoje...
o grandioso espectáculo da neblina matinal,
oito,
apenas oito bilhetes para o inferno...
o espectáculo de Inverno,
e as crianças não pagam,
mas... mas também não entram!
em cinco, em quatro, em... um... e zero...
as sete charruas do mendigo,
os três forquilhas da Andorinha,
o palco em vibração,
a cabeça em abraçados cansaços de xadrez,
oito,
três,
o amor que não vê,
nem sabe... que este circo,
circoooooooooooooooooooooooo...
chegou hoje à cidade.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 10 de Novembro de 2014

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Solstício...


Há uma janela neste jardim da insónia,
um coração de palha com braços de aço,
um pássaro com vontade de amar,
há um vidro em estilhaços,
uma parede que ruiu...
há no olhar do amanhecer um falso sorriso,
uma rua em lágrimas,
em mim,
há uma janela, há uma janela com lábios de mar,
um paquete desgovernado...
tão triste, tão triste que não consegue olhar as amendoeiras em flor...
que habitam esta cidade enfeitada de amor,

Há uma janela com cortinados de dor,
uma cama suspensa nos rochedos de amar,
há um homem prisioneiro nas gaivotas de voar...

Há um solstício...
um cadáver vestido de sofrimento,
um velório, um velório de alegria,
há uma janela neste jardim da insónia,
um corpo mergulhado nas ervas daninhas...
uma multidão que grita,
e vomita...
palavras, frases, e árvores caducas,
há um jardim pertença de uma fotografia,
há um solstício...
em monotonia,
na janela da insónia...


Francisco Luís Fontinha - Alijó
Sexta-feira, 22 de Agosto de 2014

quinta-feira, 1 de maio de 2014

anónimo no meu peito

foto de: A&M ART and Photos
não o sei
às vezes desce sobre mim a voz do silêncio
o rio com mãos de porcelana
acorda
deita-se na nossa cama
chora...
olha-se ao espelho e grita
não o sei
e às vezes
pergunto-me porque há barcos em papel com coloridas manhãs de Primavera
e às vezes
não o sei

os sonhos sonhados quando a noite deixa de nos pertencer
as palavras escritas amadas e desamadas
e o palheiro da madrugada invadido pelos odores do jardim anónimo
não o sei
acorda
e às vezes
tantas vezes... meu Deus
percebo que há andorinhas com fome
e fome vestida de gaivotas
chora...
não o sei
porque vives escondida no meu peito.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 1 de Maio de 2014

domingo, 20 de abril de 2014

olhos de naftaleno...


a espuma em pálpebras de cianeto
o relógio suspenso entre o sono e a madrugada construída de esferas metálicas
a chuva miudinha entranha-se no corpo da serpente de chapa
enrola-se na sinfonia do teu olhar...
e descansa
dorme
e sonha com as sandálias do amanhecer
eu procuro-te na imensidão da escuridão nocturna do perfume

tu disfarçada de árvore e apenas em ti poisam gaivotas ensonadas
a espuma embainha-se nos teus seios floridos
há palavras inaudíveis no teu sorriso
há cansaços desgovernados vestidos de barcos
prostitutas com coração de marinheiro
e candeeiros em braços de lentidão
o amor fuma cigarros com poemas de cartão
e tu pareces a ponte iluminada da paixão

o amor é uma parvoíce
como todos os poemas que escrevo
como todas as palavras que grito...
a espuma é o teu corpo em pedaços de retracto
imagens simples
tristes
o amor é a noite desconexa
com olhos de naftaleno...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 20 de Abril de 2014

domingo, 16 de fevereiro de 2014

criança dos teus olhos

foto de: A&M ART and Photos

há silêncios nos teus olhos
existe uma mão que absorve as lágrimas dos teus olhos
tens cabelos semeados pelo vento que cerram os teus olhos
o medo que cruza os teus braços que aprisionam os teus olhos...
há silêncios nos teus olhos
há palavras que descrevem a cor dos teus olhos
imagens
negras
a noite
o dia
a morte... que brinca nos teus olhos
há silêncios de amor nos teus olhos

há silêncios de ciume nos teus olhos
searas campos montanhas árvores nuas
despidas cidades amargas ruas cansadas
que os teus olhos vêem e se calam como pedras silenciosas
há rios mares barcos e gaivotas
há desejo nos teus olhos
há corpos em cio que magoam os teus olhos
há madrugadas onde habitam os teus olhos
bares mesas de bares copos recheados de uísque em bares dos teus olhos...
jardins inclinados
tristes tristes como os teus olhos chorados
há seios que me esperam na criança dos teus olhos


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 16 de Fevereiro de 2014

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Quatro esquinas de paixão

foto de: A&M ART and Photos

A face oculta do silêncio entre quatro esquinas de paixão,
o sofrimento que cresce, que dorme... que alimenta o cansaço do triste Inverno,
as três pedras da literatura que habitam sobre ti como rios indomáveis, doentes...
como solidões prisioneiras nas árvores do medo,
a face da maré envenenada quando os peixes voam na cidade do inferno,
quando o vento bate na tua janela e cedo percebes que a madrugada não existe,
que ela não é mais do que uma sílaba tonta nos lábios de um homem de palha molhada,
que hoje me sinto tão cansado... que perdi a minha face na lareira do fim de tarde,

A face tua que me deixa nas penumbras luzes dos holofotes de areia,
a palavra não dita,
esquecida,
a palavra maldita que transportas na tua boca...

Que hoje, hoje pareço um farrapo mergulhado em fenol...

A face planície das gaivotas de porcelana,
às tuas mãos o distante caminho da esperança,
acreditas,
e fazes-me acreditar nos lençóis de amianto,
nas flores em papel crepe,
no orvalho,
e na geada envelhecida das noites sem poesia,
e o poema morre nos teus olhos de vidro...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 10 de Fevereiro de 2014

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Um menino em papel colorido com cabeça a preto-e-branco

foto de: A&M ART and Photos

Sentia-me surpreendentemente minúsculo no colo dele, sentia-lhe o medo na ponta dos dedos, sentia-lhe a ofegante madrugada a entranhar-se nos seus olhos castanhos, sentia-me
E ele percebia as minhas tristes pálpebras desde que acordei da noite e nunca mais adormeci, e nunca mais sonhei, e nunca mais..., amei, porque
Sentia-me envergonhado de ser um menino em papel colorido com cabeça a preto-e-branco, sentia-me envergonhado porque sabia que o vento me vinha buscar, e que eu, eu não tinha coragem de pronunciar a palavra “Obrigado”, porque, porque percebia-se nas telhas do casebre que mais tarde ou mais cedo algo de triste
Triste?
Que algo de triste ia acontecer, e aconteceu, e... senti-me ténue nas mãos garras da gaivota sem nome, pediram-me a certidão de nascimento, acanhadamente respondi-lhes que não a tinha, que nunca a tive, porque
Sou,
Sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu
Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos
Sou,
Pássaros como bolas de naftalina, como beijos prometidos e nunca dados, como beijos perdidos na avenida longínqua da saudade, e sentia-te sentir na minha mão os teus velhos lábios, os teus lábios inventados pelo batom encarnado, e de uma roulote ouviam-se-lhe os gritos da distância, no oitavo andar sentia-lhe os sons amorfos encurralados na janela de porcelana, ele chorava entre as linhas do velho, também ele, do velho
Caderno quadriculado?
Um lindo poema morre, e sou, sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu conversava com as também velhas sombras de Deus, e de nada percebia, queríamos conversar e não tínhamos todas as palavras necessárias, Deus imaginava-me um louco vestido de andaime suspenso num oitavo andar da memória, Deus queria-me e eu sentia-lhe os sonoros melódicos suspiros do velho piano de cauda, um livro estava com febre, uma mão agachada no capim, tristemente agoniada... mão, não tinha força para se levantar, para gritar, para chamar os velhos pássaros que viviam nas velhas árvores no velho quintal,
Caderno quadriculado?
Sou,
Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos meninos, e que vestiam velhos calções e calçavam velhas sandálias... e nas mãos
Nas mãos velhos papagaios em papel pardo,
E nas mãos sentia-lhe o nome “pai”, e ele percebia o meu choro, as minhas lágrimas, como percebeu muito mais tarde o meu sonho...


(ficção – não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Fevereiro de 2014

Gaivota embriagada

foto de: A&M ART and Photos

Sinto-me uma gaivota embriagada em busca do barco adormecido,
um livro perdido,
na tua mão,
esquecido,
na tua mão,
cansada de amar,
sinto-me o volátil nocturno inferno das canções ensonadas,
o velho e eterno... triste coração das estrelas apaixonadas,

Triste Inverno,
sinto a madrugada construída numa folha em papel,
triste, triste, não amada,
triste, triste... como todas as vozes caladas,
silêncios desertos em bosques de areia,
uma veia de aveia,
uma veia... uma veia sentido-se como eu, uma gaivota embriagada,
à procura de um barco, à procura do céu.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Fevereiro de 2014

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Hoje

foto de: A&M ART and Photos

Hoje preciso de sorrir,
simplesmente... hoje, um simples olhar, como as pálpebras do silêncio entranhada nos teus olhos,
hoje sinto-me como uma gaivota apaixonada,
alegre,
não cansada, pelo contrário... cessaram os cansaços,
os... cessaram os triste segundos de tristeza...
hoje, hoje apenas um sorriso,
hoje... como ontem sentíamos os desejos em pequenos pedaços de papel...


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 7 de Fevereiro de2014
(só agora percebi que tenho andado a publicar poemas escritos em Fevereiro e coloco-lhes a data de Janeiro... coisas da vida)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Saturno

foto de: A&M ART and Photos

Saturno nas tuas trémulas mãos de sede,
o infinito que habita nos teus olhos despede-se da maldição madrugada,
há um livro em desgraça,
uma fogueira inventada que consome a tua fúria no centro da praça,
há uma calçada com braços e mais nada,
e... e Saturno que teima em viver dentro de ti,
assim,
como vivem as plantas nos charcos das sanzalas de prata...
como tu desenhando cigarros de lata nos vidros da janela azul,
Saturno sempre nos teus lábios,
comendo Primaveras,
aos Sábados... em tristes sábios,

Saturno saturado da cidade,
da chuva,
do vento que teima em desabitar os teus cabelos das nuvens cinzentas...
Saturno é como as árvores que cobrem as tuas pálpebras de solidão,
e sempre que uma gaivota grita o teu nome em vão...
Saturno não se cala,
se revolta,
se revolta como os homens de uma canção,
Saturno nas tuas trémulas mãos de sede,
correndo cinzeiros,
escrevendo palavras no corredor da morte...
Saturno... Saturno sem sorte... sorte que nunca teve porque de feiticeiro nasceu o texto com beijos de avião...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 27 de Janeiro de 2014

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Nesta vida de nada

Foto: Ellestudio.net / Fabien Queloz photographi

Nesta vida de nada
que não me pertence porque amanhã sou apenas um grão de areia
vagueando pelas calçadas da cidade
nesta vida sem nada
caminho caminhando... procurando as palpitações das pálpebras embriagadas
e sinto-me pertencer aos mausoléus da saudade
e às janelas quebradas...
nesta vida há o nada e o alguém
que ama
que busca
que cresce... e morre também
nesta vida eu sou o quê? uma pedra um sapato pontiagudo ou uma enxada?

Nada não sou nada
nesta vida de ninguém
nesta triste vida de nada,

Eu sinto-me uma alma penada
um pedaço de papel ardendo nos teus seios
nesta vida de corpos circunflexos... e anexos... e nesta vida de equações lineares
em nada
sou o nada
e sinto-me uma pedra pesada
tão pesada como a penugem de uma gaivota
nesta vida malvada sou um crucifixo disfarçado de madrugada
uma lápide
ou uma dolorosa argila sofrendo nas mãos do pedreiro
que antes de uma vida de anda
foi mestre em culinária e barbeiro... e carpinteiro... poeta sofredor... e nada... nada de doutor.



@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 20 de Janeiro de 2014