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sábado, 4 de novembro de 2023

Musseque

 Ao longe o som da lareira

Abraçada aos barcos da minha infância mimada

Flautas de néon melodiam o teu olhar

Ao longe o sorriso da ribeira

Que não se cansa da madrugada

E corre sempre para o mar

 

Ao longe o teu cabelo em silêncio vento

Insónia noite ao despertar

Como as flores da Primavera adormecida

Ao longe o faminto alimento

Que o homem procura num pincelado olhar

Ao longe a luz prometida

 

Aos barcos da minha infância mimada

Ao longe as cubatas envenenadas pelo capim

Que a tarde construía em volta do musseque zincado

Ao longe o teu peito em tardes animadas…

Trazendo os cheiros do jardim

Quando o vento é apenas um sonho sonhado

 

 

 

04/11/2023

segunda-feira, 27 de março de 2023

O cálice de cicuta

 Bebo o cálice de cicuta

Peço ao diabo que coloque mais lenha na fogueira

Escrevo a última carta

Puxo de um cigarro

Desenho nos lábios da paixão

A forca

Depois

Recebo a visita do criador

Quer que eu me transforme em árvore

Digo-lhe que não me apetece

Digo-lhe que vá para o caralho…

 

Sento-me à porta do cemitério

E conto os barcos que passam

Desenho na mão os barcos que passam

E os barcos que choram

E de todos eles…

Sinto a falta do meu pequeno barco a motor

Que colocava numa pequena poça… junto ao mar

E passava as tardes em círculos

Toda a tarde

Em círculos

 

Termino o cigarro

Ainda respiro

Graças a Deus

Levanto-me da cadeira onde me sentava

Em frente ao cemitério…

E começo a escrever no sorriso da noite

Enquanto a noite ainda me sorri

Enquanto a noite…

É noite

 

Depois…

Depois sei que a noite se vai travestir de puta

Que a noite vai correr pelas ruas de Lisboa

Que a noite se vende por um cigarro…

E que o magala de ontem

É o magala de hoje

Que o magala de ontem

Fode o magala de hoje

E que todos os barcos de ontem

São a sucata de hoje

Que os miúdos de ontem

Hoje

Alguns

São assassinos

Bêbados e drogados

Putas e travestis…

 

Bebo o cálice de cicuta

Peço ao diabo que coloque mais lenha na fogueira

Escrevo a última carta

Puxo de um cigarro

E finalmente oiço a voz do silêncio

Pego na espada que transporto junto ao peito

Olho-a

Ela olha-me

E dou-me conta…

Que o triciclo com que eu brincava

Hoje é um monstro

De madeira

Tem olhos azuis

E come todos os magalas que brincaram junto ao Tejo.

 

 

 

Alijó, 27/03/2023

Francisco

terça-feira, 19 de novembro de 2019


Só.

Estar sentado nesta esplanada.

Só.

Descer, correr,

Só.

Deitar-me na calçada.

Só.

Menino de Luanda.

O cheiro do capim.

Os musseques envenenados pela sombra de mim.

Só.

Correndo. Descendo. As escadas da saudade.

Só.

Chorando.

Só.

Quando durmo. Quando acordo. Só.

Só.

Sem horários. Só. Sem relógio. Só.

Só.

Aqui.

Ali.

Sonhos. Sonhar. Viver não vivendo.

Só.

Entre palavras e desenhar.

O só eu.

Deitado no altar.

Em pedra.

Só.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

19/11/2019

domingo, 19 de agosto de 2018

Camarada das noites perdidas…


O que eu estranho na tua voz,

Os musseques de Luanda, ao longe, a praia e o mar…

Sinto o velho capim embrulhado nos meus braços,

Assobios,

Abraços,

Sinto no meu corpo o sorriso dos mabecos, enfurecidos pela tempestade,

Chove, a água alicerça-se no meu peito,

Estou morto, nesta terra sem fim,

Dilacerada como um cancro de chumbo poisado no meu sorriso…

A morte é bela,

E passeia-se pela minhas mãos.

 

Ouves-me? Camarada das noites perdidas…

 

O que eu estranho na tua voz,

O silêncio das flores,

As raízes do cansaço em frente ao espelho, sinto e vejo… o susto,

O medo de adormecer no teu colo,

Meu cadáver de lata,

Recheado de lâmpadas encarnadas…

 

Ouves-me? Camarada das noites perdidas…

 

A jangada laminada,

O sorriso de uma pomba, correndo a Calçada,

E no final da tarde,

Antes da alvorada,

Uma pedra se parte, arde na minha mão, como uma faca de sombra…

Cravada no corpo.

 

Assobios,

Abraços,

 

Enquanto eu o que estranho na tua voz,

São as sílabas do desespero.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 19/08/2018

domingo, 11 de junho de 2017

O delírio fantasma da paixão


O delírio fantasma que a paixão oferece nas noites de melancolia,

Vivo nesta cabana encerrada e sem alegria,

Entre livros e papelada,

Entre copos e corpos sofridos na madrugada,

Tenho nas veias o teu nome,

E na algibeira as réstias da fome…

Do mendigo ancorado às esplanadas de lata,

O Domingo termina na sanzala…

No capim brincam as minhas mãos de fada…

Que um papagaio de papel inventou na alvorada,

Sinto neste meu corpo desajustado da realidade

O vício sintético da falsidade…

O orvalho clandestino,

O sorriso do menino…

Na praia do Mussulo,

Só e abandonado,

Só e amedrontado,

Só nos rochedos pincelados de palavras mortas

Pela caneta do poeta,

Fracassado,

Pateta…

O delírio fantasma

Dos arraiais da felicidade,

Foguetes, e pó de enxofre na claridade nocturna do sentimento,

Sofro, sofro e guardo no sorriso a tua despedida…

Sangrando as avenidas

Desta cidade perdida,

Um diário disperso, um livro desassossegado,

O vazio buraco negro do desgraçado…

Mendigo da multidão,

Haja alegria e pão na eira,

Que no corpo da feiticeira

Argamassam os lábios da solidão,

Não durmo, meu amor, deixei de dormir, meu amor…

E passo a horas a desenhar,

No teu corpo, meu amor,

O delírio fantasma da paixão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 11 de Junho de 2017

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Loucos pássaros


Fontinha – Outubro/2015
 
Ouvi-los… nunca,
Estes loucos pássaros envergonhados e tristes,
Estes homens sem fronteira
Galgando a sombra de outros homens,
Na fome, na miséria beleza
Quando o mar se aproxima, e mata, e eles fingem morrer,
Junto à ribeira,
Com o medo de tudo perder,
Eles, os pássaros, eles, os homens sem fronteira,
Agachados nos riachos envenenados pelo dinheiro,
Rastejando no capim outrora fértil de palavras…
E hoje, e hoje Oceanos de lágrimas laminadas.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 12 de Outubro de 2015
 


sexta-feira, 27 de março de 2015

Sentinelas da noite


Tenho no corpo

o sentido proibido do silêncio

os ossos choram todas as madrugadas

das lágrimas

as palavras

e nas mãos o feitiço do amanhecer

querer

não quero

ser

sem o saber

a leveza insignificante dos meus braços

suspensos no sorriso do luar

não acredito

acreditar

nas nefastas sentinelas da noite

o amor camuflado

caminhando no capim

as pálpebras cinzentas

misturadas nos cigarros embriagados

que só o fumo consegue desenhar

no triste pavimento da sanzala

oiço a sombra da paixão

voando sobre os coqueiros

o papel colorido

inventando poemas

nas nuvens cortinas do meu aposento

os livros

os livros são como homens em cio

cansados

cansados das sílabas em flor

e do rio

onde adormece a ponte do desejo

não desejando

desejar

não desejando

desejar o perfume do mar…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 27 de Março de 2015

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Lágrimas cor-de-rosa...

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


A cidade camuflada pela espingarda das palavras,
o homem vestido de madrugada
esconde-se entre os candeeiros sem nome,
no cais,
encontra a solidão
e alguns cigarros de triste olhar,
há sobre ele o cheiro da saudade
e dos machimbombos puxados pelo cordel invisível do capim,
ouvem-se canções no musseque,
e dançam
e dançam
e dançam...
dançam em redor dos mabecos em fúria,
dançam imaginando pequenos charcos de água
como se o dia não tivesse acordado,
a cidade,
acorrentada,
o homem,
sufocado,
ele,
ela...
e não há poesia nos triciclos de madeira apodrecida, e não há poesia nos papagaios de papel,
esta cidade está infestada de sombras
e de lágrimas cor-de-rosa...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 13 de Janeiro de 2015


sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Soníferos da vaidade


Vadios soníferos da vaidade
que deambulam nas clandestinas ruas da saudade,
olhares prisioneiros da escuridão,
pincelados tentáculos de gelo descendo o teu corpo pérfido...
e às minhas mãos
o teu cabelo incendiado pelo desejo,
e às minhas mãos o odor censurado do teu coração,
voando sem rumo,
voando... voando embrulhado em lápis de cera que o tempo engole,
e não sabe que em mim habitam os cinzeiros de chita,
os cigarros de papel aromático desenhando lábios de medo na alvorada,
vadios soníferos da vaidade... vadios monstros da madrugada,
vadios meninos de Luanda,
sanzalas encalhadas no cacimbo zincado,
capim em luta pelo sexo,
sem horários como os calendários nocturnos dos mabecos em cio...
o rio se abraça ao barco náufrago que transporta a felicidade,
e a ponte se alicerça aos seios do amanhecer,
vadios os meus poemas
em meninos de Luanda,
a infância lapidada numa avenida sem estória,
como uma fotografia inseminada num estúdio negro,
assombrado,
sem número de polícia... ou paragem de machimbombo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 19 de Dezembro de 2014

terça-feira, 15 de abril de 2014

sonhos com sabor a papel...


nos teus lábios habita o solstício da paixão
sinto o odor cansado do teu cabelo voando sobre as sombras da solidão
há lágrimas no teu sorriso
há insónia na tua noite construída de trapos e cortinados negros
e dos teus olhos
o silêncio das caricias desenhadas pela mão de um coração
sinto-o
e oiço-o
como os sonhos que vivem dentro de mim
nos teus lábios habita o sofrimento envenenado
e lá fora alguém grita o teu nome
sons metálicos cambaleando sobre a dor
traços
triângulos
círculos com olhos verdes
nos teus lábios a imagem da criança em pequenas viagens
espera pelo machimbombo
um homem puxa-o com um cordel imaginário
e de rua em rua
e de casa em casa
leva mangas e cacimbo e capim
tem nas mãos a dócil fotografia de uma cidade perdida
o mar alicerça-se às pernas do menino...
a criança vê nos zincos telhados outros meninos
meninas
e sonhos como os dele...
sonhos com sabor a papel...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 15 de Abril de 2014

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

As tuas mãos gélidas

Foto de: A&M ART and Photos

(aos meus pais que fazem hoje 49 anos de casados)


As tuas mãos gélidas nas minhas pálpebras de insónia,
oiço-te sorrir junto ao tanque da agonia,
ao longe os gemidos trémulos do sino da Igreja...
percebo que nos teus olhos habitam lágrimas de papel colorido,
e sobre os teus ombros,
o peso,
o peso imensurável das sombras do abismo,
o peso... o peso da saudade saboreando as nuvens de algodão da madrugada,

As tuas mãos são como pedaços de barro esquecido na parede da solidão,
há em ti cabelos perdidos e alguns silêncios intransponíveis, ocultos... mórbidos,
há dentro de ti o cansaço,
o triste cansaço da vida,
e das tuas mãos as doces carícias do amanhecer,
há uma janela com palavras de acordar...
e palavras de acordar nos cortinados que cobrem as tuas mãos gélidas,
as tuas mãos de mim, as tuas mãos de uma sanzala enrolada em capim...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 27 de Fevereiro de 2014

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

A rosa embalsamada


Sento-me nas esferas anacrónicas dos beijos de papel,
sinto o perfume cansado de uma rosa embalsamada,
ela dorme dentro de um poeirento livro,
e chora e sofre... e sonha,
sento-me e percebo que sou um pedestal sem mágoa,
um triste infeliz construindo barcos de esferovite,
sinto-me aprisionado aos tanques de marfim onde mergulhavam os meus bonecos de criança,
e sei que lá fora, quando cai a noite sobre o capim...
chora,
a cobra de quatro cabeças,
a longa esferográfica perdidamente apaixonada por mim...
que loucamente inventa palavras, círculos... e quadrados com olhos de insónia.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 25 de Fevereiro de 2014

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Um menino em papel colorido com cabeça a preto-e-branco

foto de: A&M ART and Photos

Sentia-me surpreendentemente minúsculo no colo dele, sentia-lhe o medo na ponta dos dedos, sentia-lhe a ofegante madrugada a entranhar-se nos seus olhos castanhos, sentia-me
E ele percebia as minhas tristes pálpebras desde que acordei da noite e nunca mais adormeci, e nunca mais sonhei, e nunca mais..., amei, porque
Sentia-me envergonhado de ser um menino em papel colorido com cabeça a preto-e-branco, sentia-me envergonhado porque sabia que o vento me vinha buscar, e que eu, eu não tinha coragem de pronunciar a palavra “Obrigado”, porque, porque percebia-se nas telhas do casebre que mais tarde ou mais cedo algo de triste
Triste?
Que algo de triste ia acontecer, e aconteceu, e... senti-me ténue nas mãos garras da gaivota sem nome, pediram-me a certidão de nascimento, acanhadamente respondi-lhes que não a tinha, que nunca a tive, porque
Sou,
Sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu
Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos
Sou,
Pássaros como bolas de naftalina, como beijos prometidos e nunca dados, como beijos perdidos na avenida longínqua da saudade, e sentia-te sentir na minha mão os teus velhos lábios, os teus lábios inventados pelo batom encarnado, e de uma roulote ouviam-se-lhe os gritos da distância, no oitavo andar sentia-lhe os sons amorfos encurralados na janela de porcelana, ele chorava entre as linhas do velho, também ele, do velho
Caderno quadriculado?
Um lindo poema morre, e sou, sentia-lhe o cheiro da naftalina nas roupas emagrecidas, e eu conversava com as também velhas sombras de Deus, e de nada percebia, queríamos conversar e não tínhamos todas as palavras necessárias, Deus imaginava-me um louco vestido de andaime suspenso num oitavo andar da memória, Deus queria-me e eu sentia-lhe os sonoros melódicos suspiros do velho piano de cauda, um livro estava com febre, uma mão agachada no capim, tristemente agoniada... mão, não tinha força para se levantar, para gritar, para chamar os velhos pássaros que viviam nas velhas árvores no velho quintal,
Caderno quadriculado?
Sou,
Sou, sou um apátrida com dentes de marfim, e eu, eu sabia que morreria como um rio de encontro ao mar, que morreria como um barco encalhado num velho quintal de um velho bairro onde habitavam velhas casas, com velhas árvores, onde viviam velhos meninos, e que vestiam velhos calções e calçavam velhas sandálias... e nas mãos
Nas mãos velhos papagaios em papel pardo,
E nas mãos sentia-lhe o nome “pai”, e ele percebia o meu choro, as minhas lágrimas, como percebeu muito mais tarde o meu sonho...


(ficção – não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 9 de Fevereiro de 2014

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Cabelos de cinza poeira

foto de: A&M ART and Photos

Hoje não percebi as minguas palavras dos teus lábios,
hoje tive medo às trémulas tuas mãos, parecem grãos de areia semeadas nas planícies dos sonhos adormecidos,
e lá fora, longe de ti, beijos que se entrelaçam como réstias de silêncio provocadas pelo diurno ciume, às lâmpadas os filamentos osmóticos da solidão vaporizada, e depois... o batimento do coração de uma doente árvore, há lágrimas, há... há sofrimento nas pálpebras do abismo, e há pássaros suspensos no peitoril da tua janela sem fotografias para o mar...
hoje sofri, hoje... hoje também tive a oportunidade de sorrir, brincar contigo... e dizer-te até amanhã sem que tu percebas que para mim... para mim é-me difícil entender o amanhã, porque sinto os alicerces dos Oceanos em papel, ou... ou porque recordo os barcos das tempestades de zinco sobre o capim em overdose de saudade...
há..., há cais marítimos onde os corpos mergulham no álcool da atmosfera saturada, cansada, pedindo perdão às mesas desertas... e coitadas delas, esperando as pinceladas vãs dos pequenos cadernos de argolas,
e hoje, hoje não percebi os teus olhos, tristes, magoados, negros... negros porque tu vestiste-te de noite e como noite, que és, percorres todas as sombras da triste cidade, vês passar o metropolitano, imaginas os mabecos de quando eras ainda um rebelde adolescente, não tinhas onde atracar... e só quando havia a preia mar e baixa mar... tu, ausente de ti, dizias-nos que eras uma flor de pétala encarnada... há, há cais marítimos em cio, há gaivotas em cio... há doenças em cio,
e os corpos são de aço quando sentes as ventosas nos teus abraços,
vives, e vives acreditando na penumbra marginal de veludo,
vives e olhas-me como se eu fosse uma rocha granítica voando sobre os teus cabelos de cinza poeira,
e hoje não percebi,
e hoje... hoje tive o pressentimento que a noite é uma prostituta embrulhada nos corpos do nada, sémen, sábado à noite, o bar encerrado, e hoje... hoje não tive coragem de chorar...



@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 3 de Janeiro de 2014

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

labaredas de palavras

foto de: A&M ART and Photos

não tenho vida
como as outras pessoas
com vida...
agacho-me e sinto nos tornozelos o silêncio do capim em delírio
e aos beijos
sento-me e oiço as pontes invisíveis da solidão que esperam o regresso das gaivotas
os barcos
e os caixões de aveia
não tenho
e nunca tive
vida como as outras pessoas
com... vida desenhada num pedaço de papel e transcrita no espelho... da vida

não tenho vida
como as outras árvores plantada na vida
com vida...
desisto
e invento labaredas de palavras para alicerçar os cacos restantes da...
… da minha não vida
não tenho
não quero... capas de pano sobre os meus joelhos de tédio
havia uma mão enfeitada com a aurora boreal das madrugadas vãs
entre escadas e varandas
há janelas como também... sem vida
tristes tristes porque a vida não vive em pessoas como nós... em pessoas de pedra com olhos de noz


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 4 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

como pronunciarás a palavra amor? meu amor!

foto de: A&M ART and Photos

outra coisa qualquer transformar-se-á em esqueleto de zinco
e o teu corpo permanecerá intacto e indolor como as árvores do jardim da tristeza
haverá sorrisos disfarçados de ramos
e ramos
disfarçados de ramos... sem folhas e sem lâminas de luz a atravessarem o horizonte
eu sentirei em mim as lâmpadas dos teus lábios embainhadas nos meus pulsos
sangrarei como um animal selvagem
e sonharei como uma pedra pronta afogar-se no rio da saudade
lembrá-te-ás de mim?
recordarás de como eram as minhas mãos de peixe?
e os meus olhos de pálpebras de vidro... como pronunciarás a palavra amor?
meu amor!

outra coisa qualquer aparecerá no divã onde te deitavas
e te enrolavas dentro da minha circular insígnia sombra recheada de estrelas encarnadas
outra coisa como um fino arame de papel
atravessará a rua dos cândidos sonâmbulos depois de acordarem as mártires estátuas de pedra
desenhava-te no térreo pavimento de capim argamassado como um túnel no centro das sílabas distraídas
parvas
e cansadas de ti
abraçava-te imaginando que abraçava um cargueiro rasgando as vaginais marés
dos Oceanos púbis em transatlânticos murmúrios que as palavras deixavam sobre a mesa-de-cabeceira
e adormecia acreditando que todas as noites eram sábado...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 28 de Outubro de 2013

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

vivo inventando rosas

foto de: A&M ART and Photos

odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores
vivo inventando rosas
amores
e chuva miudinha sobre as íngremes rochas do mar da tristeza
sou um barco em fuga das conversas loucas que iluminam os teus lábios de papagaio em papel
e sobes entre o Céu nocturno do desejo
e desces às catacumbas do silêncio
há em ti uma palavra prometida numa tarde de Outono
e éramos crianças vestidas de negro
dançando sobre a mesa de um velho café
esquecendo as amarras Luas dos sótãos clandestinos como divãs de areia
na mala de couro adormecido que a tua mão saboreava

me levavas encarcerado até encontrares os beijos das garças quando rompem o cacimbo embriagado pelo capim dos poemas encalhados
distantes
doentes
húmidos
… teu corpo e teu vestido
sós simples abandonados... molhados como saliva de sémen na clarabóia da insónia
o texto reflecte-se no espelho da agonia
dorme
vomita
sangra das veias suicidadas as ardósias com sabor a chocolate
e baunilha

terminas a noite voando sobre a cidade dos anjos
entranhas-te em mim
és minha
como todos os livros que vivem na minha algibeira,,,
imagino-te sentada no Rossio
vendando folhas de cartolina com caracteres inanimados
mortos
imagino-te brincando em Cais do Sodré correndo sobre os carris da paixão
escrevem-me e esqueço-me que deixaste de pertencer aos meus sonhos
que deixaste de fabricar sorrisos nos fósforos das manhãs embaciadas
ruas infinitas à volta de uma fogueira de casas abandonadas
e... odeio-me por existirem dentro do meu peito as palavras das encarnadas flores


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 2 de Outubro de 2013

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Hoje perco-me de ti nos teus braços de hoje, e ontem...


As palavras, os sons... porque hoje o silêncio mistura-se nas palavras por dizer e em trocados olhares, porque hoje, hoje tudo parece adormecer como uma doce boneca de trapos nas mãos de uma criança, e o céu, e o mar, e os sons... mergulham nas esplanadas do abismo, comem poemas não escritos, e, e escondidos nas clarabóias do nocturno beijo que as árvores de papel crepe deixam cair sobre as tuas mãos de acrílico sobre tela
Há uma tempestade dentro do meu coração,
Cair sobre os charcos que vivem nos musseques de ontem, e de hoje, e talvez amanhã, um sofrimento de capim grite sobre os telhados de zinco
Há uma,
Sobre tela, o acrílico desejo em sons uivos dos alicerces amaldiçoados pelos mabecos revoltados, embondeiros dormem de pé esperando a chegada do silêncio e este mistura-se nas palavras por dizer e em trocados olhares, porque hoje, hoje tudo parece adormecer como uma boneca de trapos nos ramos feridos das folhas mortas que vão caindo sobre o paralelepípedo castanho que as sílabas de prata escrevem no caderno em pequenas despedidas,
Perco-me de ti nos teus braços de hoje, e ontem...
Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem
Eu era um cadáver em movimento curvilíneo, suspenso por um cordel ao tecto das amendoeiras preguiçosas, sem flor, caindo em pedaços apodrecidos sobre as paredes do amor impossível, indesejado... do amor não vivido, do amor proibido, às palavras, às linhas transversais das marés de Inverno...
(o cosseno de trinta graus é raiz de três sobre dois)
Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem Havia uma tempestade dentro do meu coração, e ontem,
Há uma,
Havia muitas...
As palavras, os sons... porque hoje o silêncio mistura-se nas palavras por dizer e em trocados olhares, porque hoje,
Hoje perco-me de ti nos teus braços de hoje, e ontem...
(o cosseno de trinta graus é raiz de três sobre dois).

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 1 de Outubro de 2013

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Trinta e seis cachimbos e uma secretária

Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de beijos com sabor a silêncio, com a janelas do jardim das imagens encerradas, limito-me a desenhar no tecto das tuas mãos os orgasmos de ruído que a própria desintegração provoca nas paredes frágeis deixadas pelos antepassados pais em gesso e ripas e no interior palha seca,
Sei que me odeias, pensas tu quando abres as minhas cartas encalhadas nos rochedos que o mar da saudade esconde, um submarino de dor entranha-se nas tuas finas pernas, e o torpedo do amor rebenta contra os cabelos desassossegados que sobre ti deambulam como as borboletas palavras dos tristes livros sem poemas,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Amanhã, quando uma resma de papel acordar sobre o meu peito, (pediste do reciclado por causa do ambiente), mas esqueceste-te dos meus olhos desde ontem, prisioneiros numa almofada de cartão recheada com pedaços de amêndoa, tiraste-me os candeeiros da mesa-de-cabeceira, e pintaste no espelho do guarda-fato em espantalho de aço
Pergunto-te
Achas isso normal?
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de beijos com sabor a silêncio, coisas suicidam-se nas manhãs de segunda-feira, e amanhã uma coisa qualquer vai morrer, desintegrar-se como fizeste com os meus olhos,
O que fiz eu aos teus olhos aparvalhadamente?
Deixaste-os, sós, sobre uma almofada de cartão recheada com amêndoas...
E depois?
Tive medo dos muros de betão que estão a construir à volta das nossas recordações, cada dia que passa, mais longínquas, distantes, em cinza dizias tu quando o meu cachimbo se apagava, e a noite entrava em nós como abelhas com sonhos nas asas e amanheceres nos lábios,
E depois, depois o muro ergueu-se até ao céu, colocaram-lhe sobre ele um tecto de lona, a a nova vida tornou-se num circo ambulante com clarabóias de chocolate,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
À procura das linhas interrompidas que o pavimento da vida vai deixando submersas como as acácias de luz nos vidros opacos das janelas do destino, acordei cedo, deixei de fumar os três cigarros que fumava todos os dias ao acordar, pensava que não ia conseguir sobreviver, acordar, andar, amar, ser o mar, a lua, o cristal da paixão nas mãos de ti quando me abraçavas em pensamento, e consegui, e estou vivo, mas há qualquer coisa sombria nas tuas queridas mãos de seda, mas há
Que faço aos meus trinta e seis cachimbos?
Há um texto por escrever, há duas personagens que precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia, atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?
São de madeira, ardem!,
E eu sabia que nas tuas pálpebras brancas viviam socalcos desde o cimo da montanha até à linha férrea que circunda o mais belo rio, não sei
(Se primeiro este ou o Tejo)
Talvez sejam os dois os mais belos, únicos, artistas de circo que Portugal tem, hoje, hoje tenho saudades do Tejo porque poucas vezes o olho, e quando o olho, vêm-me as distantes lágrimas das manhãs de areia, e o Douro olho-o todos os dias bem lá longe, como os seios de manteiga da menina Aurora que era telefonista na companhia de seguros, eu, um simples corredor com portas, e um tecto falso, e ela, uma secretária, em pura madeira virgem, louco, louca
(Pura lã virgem),
E
Há um texto por escrever, há duas personagens que precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

P.S.
“As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia, atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?”