domingo, 17 de fevereiro de 2013

Trinta e seis cachimbos e uma secretária

Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de beijos com sabor a silêncio, com a janelas do jardim das imagens encerradas, limito-me a desenhar no tecto das tuas mãos os orgasmos de ruído que a própria desintegração provoca nas paredes frágeis deixadas pelos antepassados pais em gesso e ripas e no interior palha seca,
Sei que me odeias, pensas tu quando abres as minhas cartas encalhadas nos rochedos que o mar da saudade esconde, um submarino de dor entranha-se nas tuas finas pernas, e o torpedo do amor rebenta contra os cabelos desassossegados que sobre ti deambulam como as borboletas palavras dos tristes livros sem poemas,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Amanhã, quando uma resma de papel acordar sobre o meu peito, (pediste do reciclado por causa do ambiente), mas esqueceste-te dos meus olhos desde ontem, prisioneiros numa almofada de cartão recheada com pedaços de amêndoa, tiraste-me os candeeiros da mesa-de-cabeceira, e pintaste no espelho do guarda-fato em espantalho de aço
Pergunto-te
Achas isso normal?
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
Ontem,
Quando cai sobre mim o meteoro do teu desejo, e aos poucos, em pedaços de luz, vai desfragmentando-se em grãos de beijos com sabor a silêncio, coisas suicidam-se nas manhãs de segunda-feira, e amanhã uma coisa qualquer vai morrer, desintegrar-se como fizeste com os meus olhos,
O que fiz eu aos teus olhos aparvalhadamente?
Deixaste-os, sós, sobre uma almofada de cartão recheada com amêndoas...
E depois?
Tive medo dos muros de betão que estão a construir à volta das nossas recordações, cada dia que passa, mais longínquas, distantes, em cinza dizias tu quando o meu cachimbo se apagava, e a noite entrava em nós como abelhas com sonhos nas asas e amanheceres nos lábios,
E depois, depois o muro ergueu-se até ao céu, colocaram-lhe sobre ele um tecto de lona, a a nova vida tornou-se num circo ambulante com clarabóias de chocolate,
Sinto-me, dizes tu, aparvalhadamente só,
Como eu,
À procura das linhas interrompidas que o pavimento da vida vai deixando submersas como as acácias de luz nos vidros opacos das janelas do destino, acordei cedo, deixei de fumar os três cigarros que fumava todos os dias ao acordar, pensava que não ia conseguir sobreviver, acordar, andar, amar, ser o mar, a lua, o cristal da paixão nas mãos de ti quando me abraçavas em pensamento, e consegui, e estou vivo, mas há qualquer coisa sombria nas tuas queridas mãos de seda, mas há
Que faço aos meus trinta e seis cachimbos?
Há um texto por escrever, há duas personagens que precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?
As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia, atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?
São de madeira, ardem!,
E eu sabia que nas tuas pálpebras brancas viviam socalcos desde o cimo da montanha até à linha férrea que circunda o mais belo rio, não sei
(Se primeiro este ou o Tejo)
Talvez sejam os dois os mais belos, únicos, artistas de circo que Portugal tem, hoje, hoje tenho saudades do Tejo porque poucas vezes o olho, e quando o olho, vêm-me as distantes lágrimas das manhãs de areia, e o Douro olho-o todos os dias bem lá longe, como os seios de manteiga da menina Aurora que era telefonista na companhia de seguros, eu, um simples corredor com portas, e um tecto falso, e ela, uma secretária, em pura madeira virgem, louco, louca
(Pura lã virgem),
E
Há um texto por escrever, há duas personagens que precisam de viver, darmos-lhes vida, tarefas, imagens a preto e branco, quem sabe, um filho, um miúdo de calções ou uma menina de saia correndo em volta de um círculo de capim, ou
Que faço?

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

P.S.
“As árvores abandonadas pelas chamas desérticas que trazias do teu mar e deixavas-as espalhadas pela casa da aldeia, atiravas pedras aos pássaros, por engano, partiste a cabeça a um rapazola da escola, ou da tua rua, ou alguém invisível que às vezes te acompanhavam nas tuas loucas brincadeiras, Que faço?”

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