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domingo, 1 de outubro de 2023

O eu sofrido

 Sirvo-me e pergunto-me de que me sirvo

Se não há nada para me ser servido

Penso

E nada há para pensar

A não ser

Servir-me

Do que não me serve

 

Sirvo-me do quarto com serventia

Com acesso à casa de banho

Um par de sapatos

Que já não me servem

E servir-me daquilo que deixou de me servir

 

Sentado

Não me serve

Nem me serve o devido ser-me servido

No entanto

Penso

Que já nada me serve

 

Nem este pobre lenço

Que só servia para esconder baba e ranho

Não

Não me serve ficar sentado

Servindo-me disto e daquilo

Coisas que às vezes

Servem

Que outras vezes

Deixam de servir

 

E sirvo-me quando me pergunto

De que me serve tudo

Não me servindo nada

Não me servindo o pouco

Penso

Que não me serve pensar

Porque me cansa

Porque me faz chorar

Pensar

Que me sirvo

Não me servindo

Tão pouco sei se me posso servir

Desse pedaço de bolo

Que não me serve para nada

Apenas para saciar a minha fome

Que tem nome;

Serve-me por favor algo que ainda não tenha sido servido.

O sofrido servido do triste sofrido

O eu, o eu fodido.

 

 

01/10/2023

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Fome

 

Há gente com fome

Fome de pão

O pão que não come

A gente com fome

A fome do coração.

 

Há gente que come

As palavras sem nome

A fome

Da fome

Quando há gente que não come.

 

Há gente sem nome

Com fome

Gente com nome

Que come

O pão da gente com fome.

 

 

 

Alijó, 15/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 13 de fevereiro de 2022

Poema envenenado

 

Não sei porque chove

Neste poema envenenado.

Não sei porque chove

Nestas palavras sem nome.

Não sei porque chove

Neste corpo cansado,

Cansado da fome.

 

Não sei porque chove

Nos teus lábios de amanhecer.

Não sei porque chove

Na tua boca de luar.

Não sei porque chove

Neste corpo de morrer,

De morrer junto ao mar.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13/02/2022

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Insónia de viver

 

Escrevo o teu nome

Nas arcadas do pensamento,

Grito. Fico com fome

Das palavras alimento.

 

Os beijos desenhados

Na tua perfeita mão,

São abraços cansados

Que ardem no coração.

 

Tenho nas palavras abençoadas

A insónia de viver;

Do medo às caminhadas,

 

Quando o teu perfume

Me obriga a escrever.

Meu amor! Salva-me deste maldito lume,

 

Onde eu tenho de adormecer.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó 12/02/2021

domingo, 8 de dezembro de 2019

A fome da saudade


Trago em mim a fome da saudade.
Não sei quem sou, nesta cidade deserta,
Cansada da verdade.
Trago em mim a fome da tristeza,
Quando o vento se alicerça nos teus lábios.
Trago em mim o silêncio da noite,
Quando um livro perdido, se levanta, e avança contra a escuridão.
Trago em mim o sofrimento do desejo,
Como uma cancela escondida pela geada,
E na montanha, tenho escondidas as lágrimas da calçada.
Trago em mim a morte,
A dor,
E o sonho de adormecer no teu colo.
Trago em mim a saudade,
A fome,
A vaidade.
Trago em mim a felicidade,
De um dia, voar,
Nas tuas mãos,
No teu sonhar.
Trago em mim a fome de sofrer,
Dentro de um relógio indignado com o tempo.
Trago em mim a fome de escrever…
Escrever palavras de alento.
Trago em mim a fome de ser,
Ser quem não sou,
Que sou ser,
Invisível,
Nesta Galáxia complexa da noite.
Trago em mim o prazer,
O sonho,
A vontade de viver.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
08/12/2019

domingo, 14 de abril de 2019

Recordações


Recordações,

Equações diferenciais em construção,

Pedaços de silêncio suspensos numa mão,

A mão que assassina, a mão que escreve,

E nunca esquece, as planícies da minha infância.

Recordações,

Pequenos livros em promoção,

Livraria UNI VERSO,

Sempre em verso,

Nas palavras corações,

Nas palavras a clemência…

O silêncio verso,

O silêncio amanhecer,

De escrever,

Morrer…

Sem perceber,

Os dias da semana.

A fome em pedaços, em prestações,

O papel amarrotado,

Coitado, do papel, amarrotado,

Como as plantas,

Envenenadas pela voz da razão.

Um coração palpita,

Grita…

Junto ao mar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

14/04/2019

terça-feira, 25 de julho de 2017

A janela esfomeada


Uma janela esfomeada

Virada para o mar,

O cansado dia prisioneiro na janela virada para o mar,

Uma janela esfomeada

Na luminosidade obscura da cidade,

Entra um barco em soluços,

Embriagado pelo sal,

Uma janela esfomeada

Na sombra das árvores do quintal,

Um pássaro vestido de janela…

Procurando o cortinado do anoitecer,

A prenda,

O segredo de hoje,

Os indignados de ontem…

Com a notícia de hoje,

O prego enferrujado no “CU” de Judas…

Longe de mim,

Perto de ti…

Uma janela esfomeada

Sem coração,

Recheada de beijos,

Abraços…

E o carrasco enforcado na janela esfomeada,

Virada para o mar…

Termina o Sol,

Nasce a noite nos socalcos do cansaço…

E vai-se vivendo ouvindo as tuas palavras vãs…

O anão,

O eterno anão a “cagar” no deserto.

FIM.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25 de Julho de 2017

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Uma alma aborrecida


As máquinas infernais do sofrimento não cessam de chorar,

Escavam o corpo até que a madrugada surja no horizonte,

 

Os ruídos sinusoidais da pequena vergonha de viver

Adormecem como cães raivosos deitados ao luar,

Chamo por ti, meu querido mar…

E sinto na arte de escrever

O sinfónico e desgraçado monte,

 

Sou uma alma aborrecida.

 

Sou uma alma faminta.

 

Os pássaros quando brincam na minha janela

E lá longe acordam as planícies de cartão

Dos dias desesperados à luz da vela,

 

Sou uma alma sem coração.

 

As máquinas infernais do sofrimento não cessam de chorar,

Escavam o corpo até que a madrugada surja no horizonte,

Uma criança não se cansa de brincar…

Entre risos e papeis na casa do rinoceronte,

 

Sou uma alma faminta…

 

Sou uma alma aborrecida…

 

Sou.

 

Sou

Uma alma

Sou uma alma sem tinta.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Junho de 2017

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Loucos pássaros


Fontinha – Outubro/2015
 
Ouvi-los… nunca,
Estes loucos pássaros envergonhados e tristes,
Estes homens sem fronteira
Galgando a sombra de outros homens,
Na fome, na miséria beleza
Quando o mar se aproxima, e mata, e eles fingem morrer,
Junto à ribeira,
Com o medo de tudo perder,
Eles, os pássaros, eles, os homens sem fronteira,
Agachados nos riachos envenenados pelo dinheiro,
Rastejando no capim outrora fértil de palavras…
E hoje, e hoje Oceanos de lágrimas laminadas.
 
Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 12 de Outubro de 2015
 


sábado, 6 de dezembro de 2014

Migalhas


As migalhas do teu suor
quando há nuvens com fome
e esqueletos sem nome...
os tentáculos da tua dor
mergulhados na calçada do Adeus
há uma rosa
há uma flor
que a noite alimenta
e não quer
na lareira da solidão
mas só as estrelas conseguem
desenhar na tua mão,
há uma paisagem sem amor
no sorriso de um caixão
há jardins embriagados esquecidos na escuridão
as migalhas do teu suor
quando há nuvens com fome
e esqueletos sem nome...
há ossos de papel voando na madrugada
que só o amanhecer consegue parar
há barcos infelizes
e há barcos apaixonados...
mas as migalhas do teu suor
são os alicerces da cidade dos pássaros aprisionados.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 6 de Dezembro de 2014

domingo, 30 de novembro de 2014

Em fuga – (o medo de arder)


A cidade a arder
quando os teus lábios se entranham nos meus lábios
alguém liga o interruptor da noite
e ela cai sobre os teus seios
como a tempestade
ou... ou a destruição do muro que nos aprisiona
e come a cidade a arder
e as ruas em fuga
para a outra margem
o barco escondido nas tuas mãos
nos leva
e desaparecemos na neblina,

A fogueira que há em ti
e faz do teu corpo o aço em delírio
o sino da aldeia nos acorda
e alimenta
e encanta...
como um jardim despido à nossa espera
tenho medo das tuas garras de serpente sem nome
envenenada pela paixão
a cidade a arder...
na cidade com fome
da cidade sem coração
da cidade dos rochedos em liberdade.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 30 de Novembro de 2014

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Janela de esqueletos

foto de: A&M ART and Photos

Parecemos esplanadas de vento correndo nos algerozes das montanhas abandonadas,
penso se não existirá dentro de nós a melancolia dos barcos apodrecidos, como ossos molhados, como corpos cansados, como eu, e como tu, dois ventres desventrados, amorfos, humildes como sanzalas de granito, vadios...
parecemos dois loucos escondidos na sombra da madrugada ainda não nascida,
perdidos nas palavras ainda por escrever...
olhamos as estrelas que deixaram de brilhar,
comemos o pão como quem come a sombra de uma árvore...
indolor, infestados de giz depois do recreio escolar,
tu, e eu, debaixo de um busto sem nome,

Correndo, brincando... enganando a fome...
correndo, correndo calçada abaixo, até que acordava o dia, até que da tua bocas eu sentia a tristeza dos perdidos calendários de Fevereiro,
o medo,
o medo das clandestinas vozes da escuridão,
e no entanto,
sem o sabermos,
inventávamos estórias de adormecer,
sem o sabermos... estávamos mortos numa janela de esqueletos.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 12 de Fevereiro de 2014

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Fogueira sem nome

foto de: A&M ART and Photos

Há uma fogueira sem nome que alimenta as lágrimas tuas,
há uma lareira em fome procurando os teus lábios mergulhados no nocturno sofrimento do desejo,
há em ti uma luz ténue que consome, que vive, que... que escreve no teu corpo os versos da solidão,
há uma fogueira que morre,
uma labareda dançando na calçada da vida, que vive, não vive... e sofre, e morre... morre como morrem as pétalas dos jardins de papel,
há uma fogueira sem nome dentro do teu peito anónimo, perdido, uma fogueira... com mãos de mendigo,

Há uma fogueira nos barcos que passeiam no teu rio, o rio que tens dentro das tuas vadias veias,
há um menino que chora,
há uma mulher que não dorme, e acredita nos telhados de vidro,
há lá fora um cão chato, que não se cala, que... e sofre, e morre... morre como morrem as pétalas dos jardins de ternura,
há um vestido suspenso no guarda-fato, “procura-se empregada doméstica”, menina séria, menina honesta,
há... há uma vida construída de pequenos aviões, sem motor, sem palavras... sem sonhos, nada, nada há nos teus sobejantes cansaços em delírios febris.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 8 de Fevereiro de 2014

sábado, 23 de novembro de 2013

A máscara de vidro

foto de: A&M ART and Photos

Começávamos a alimentar, primeiro os porcos e as galinhas, depois eles, e nós, quase sempre, os últimos da ninhada, nunca chegava, parecia-nos pouco, ou nada, sentávamos-nos sobre o tanque do terreiro e olhávamos o silêncio repatriado das papoilas navegantes das caravelas em bolor, sentíamos a ondulação da tristeza a entranhar-se-nos como facas de um velho faquir no tronco da velha árvore do recreio,
Recordas-te ainda dos arvoredos infelizes que dormiam em nossa casa?
O velho faquir tinha uma mulher que costumava aparecer junto a nós, sempre de branco, talvez porque ela apenas vivia de noite, porque ela era filha da noite, poderia eu perguntar-me se ela era a minha mãe, pois eu
Adoro viver de noite, queria ser a noite sem interrupções, lanternas mágicas ou... cortinados com estampados de verniz e cansados nos arames verticais das ruas entupidas de lixo, mendigos, nós à procura de outros mendigos
O Velho?
As facas gemiam quando entravam na fina casca da madeira e não sabíamos que o velho faquir usava uma máscara de vidro para que ninguém o reconhecesse... ao que parece, ele
Eu sou o filho da mãe noite, eu sou a faca que rompe a madrugada, eu sou a roseira que quando chora
Dela brotam as pequenas gotículas de sangue que a saudade esconde na sombra das mangueiras dos quintais longínquos das esplanadas viradas para o mar, o filho da noite, eu, eu não sabia que existiam eléctricos, não sabia o significado de eléctrico... e dizia ao meu pai que o autocarro da carreira se apelidava de
Machimbombo,
Eu sou o filho da mãe noite, eu sou a faca que rompe a madrugada, eu sou a roseira que quando chora, ouvem-se-lhe os picos em aço inoxidável infestarem a velha árvore do recreio, rompíamos as calças, e usávamos joelheiras em napa para disfarçarmos os tentáculos e húmidos buracos da Primavera,
(começávamos a alimentar, primeiro os porcos e as galinhas, depois eles, e nós, quase sempre, os últimos da ninhada, nunca chegava, parecia-nos pouco, ou nada, sentávamos-nos sobre o tanque do terreiro e olhávamos o silêncio repatriado das papoilas navegantes das caravelas em bolor, sentíamos a ondulação da tristeza a entranhar-se-nos como facas de um velho faquir no tronco da velha árvore do recreio, e não sabíamos que havia dentro de nós uma fina tábua, quase invisível, recheada de prego, e durante a noite, o velho faquir...)
Adormecíamos acreditando que tínhamos o estômago cheiro, estávamos fartos, tão fartos que até inventamos uma sanzala em papel só nossa, a nossa sanzala de papel com pequenos charcos para durante a noite
Chapinávamos nos charcos da sanzala de papel inventada por eles e acreditávamos que éramos felizes assim,
Assim,
Como?
O machimbombo,
A chuinga estremecia-me a dentadura de marfim que tinha partido do jacaré em pau-preto, havia uma imagem que nunca esquecemos, os barcos zangados rompendo pela cidade como animais ferozes e envenenados pelas castanhas ondas que o abismo desenhava em nós, e tu, e eu,
Dormíamos,
Sou teu filho, tu, a noite que me acolhe, alimenta, afaga o cabelo,
Branco?
Não negro,
As roseiras?
Não às bolinhas,
Esqueci-me da cor do meu cabelo, esqueci-me que a minha mãe dorme enquanto eu, eu sonho, e invento palavras para te recordar dentro de uma lápide sem nome, idade, como o poema escrito e deixado sobre a mesa... depois de fazermos amor... voavam os campos de centeio que zumbiam em Carvalhais, olhávamos as espigas do doirado milho...
E não sabíamos que Machimbombo era autocarro da carreira...


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 23 de Novembro de 2013

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

coisas sem nome

foto de: A&M ART and Photos

as coisas sem nome
que absorvem o meu cansaço
as coisas longínquas entre pedaços de esperma
e insignificantes abraços

as coisas sem nome
que vivem tristemente no silêncio da neblina
à coisa pouca que o meu olhar ilumina...
as coisas que tu escondes
os nomes que inventas nas páginas de um livro
as letras doentes
às letras dormentes
sofredoras no peito da paixão
as coisas mortas e mornas
quando a lareira dos teus lábios
desce às profundezas da demência...
e um corpo amorfo flutua no tecto da noite embriagada

as coisas sem nome
as coisas disfarçadas de fome
que vivem e sobrevivem às tempestades dos abraços
em laços
sem nome
as coisas
as coisas imperfeitas dos muros da cidade dos queijos...
as coisas das coisas em planícies agrestes

os beijos
das coisas
em coisas...
caminhos pedestres
bocas magoadas
inchadas
dos fumos cinzentos das plantas sem nome
as coisas das coisas em coisas às coisas com fome


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 26 de Setembro de 2013

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Uma casa com quatro janelas

Uma casa com quatro janelas voava sobre a manhã apodrecida que do Douro acordava, devagarinho, e aos poucos, pedaços milímetros de saudade subiam os pinheiros vadios e os pássaros bebés brincavam solitariamente com minhocas e azeitonas em compota, eu ainda não era nascido, e dizia-se baixinho que as paredes tinham ouvidos,
O vento era tão forte naquela manhã que tivemos de nos acorrentar aos poucos muros em xisto que sobejaram das tempestades de areia vindas do outro lado da rua, o quintal benzia-se e rezava, e um crucifixo de areia prendia-se voluntariamente a uma árvore enfeitiçada pelo silêncio do amor proibido, havia claridade suficiente para que eles se vestissem e zarpassem como barcos encapuçados fugindo da polícia politica que o Estado tinha inventado, e eu que ainda não era nascido não podia dizer que o Presidente do Conselho era
“Um grande filho da puta”,
Às vezes tinha medo da escuridão quando caia a noite em Luanda, olhava o céu nocturno e sentia os limites entre quatro parêntesis e a casa da aldeia com quatro janelas, em círculos procurava os ouvidos das paredes, e em vão
Nada, nunca os vi, mas apercebia-me que às vezes em nossa casa os adultos conversavam baixinho, e muito devagar, eu questionava-os, e eles diziam que eram conversas de adultos, perguntava-lhes porque só eu é que jantava e eles
Não temos fome,
Curiosamente, nunca tinham fome, e curiosamente hoje percebo que o faziam para que o jantar chegasse para mim, e eu que ainda não era nascido não podia dizer que o Presidente do Conselho era
“Um grande filho da puta”,
Como todos os Presidentes do Conselho de todas as ditaduras, e curiosamente
Não temos fome meu filho,
Mergulhávamos sonambulamente nos barcos com algarismos pintados com restos de tinta que uma lata de sardinhas trazia na algibeira, e quase tenho a certeza que o mar queria comer-nos, mas nós éramos fortes e estávamos acorrentados a um fio invisível de aço que prendia-nos a tenda de lona ao muro anão de xisto com artrose e percebia-se que da coluna vertebral vinha um perfume estranho, como as palavras que o rio reflectia antes de chegarmos ao mar, e a chuva tomava conta de nós, e a chuva misturava-se nas garras dos senhores residentes do Conselhos de todas as ditaduras, os assassinos
Também amam e sofrem de desamor, respondiam-nos eles quando viemos encaixotados dentro de uma casa com quatro janelas, atravessamos o oceano como pássaros dentro de uma gaiola de vidro, e quando regressava a noite eu ouvia-os
Não temos fome,
E eu sabia que tinham, e eu sabia que a casa com quatro janelas de vidro voava sobre a manhã apodrecida que do Douro acordava, devagarinho, e aos poucos, pedaços milímetros de saudade subiam os pinheiros vadios e os pássaros bebés brincavam solitariamente com minhocas e azeitonas em compota, eu ainda não era nascido, e dizia-se baixinho que as paredes tinham ouvidos,
E hoje sei que tinham, e hoje ainda têm,
Quatro janelas e voam sobre o Douro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

As veias que não tenho medo de quê?


As veias que não tenho
porque vendi-as para comer
as mãos que me tremem
porque também as vendi
não para comer
apenas porque senti
vontade
desejo
de deixar de escrever
morrer caminhando suavemente sobre a neve invisível
que desce a montanha
as veias que não tenho
e que ninguém amanha
estas palavras poucas
ou loucas
bocas em revolta
que este povo apanha
porrada
desemprego
fome
medo
medo de quê?
revolta-te se ainda tens veias
revolta-te se ainda não vendeste as tuas veias
para comer
para escrever
ou simplesmente para amar
mas revolta-te por favor
revolta-te homem do mar...
medo de quê?
porrada
desemprego
fome
medo
medo de quê?
não há medo que adormeça um homem
não há palavras que acorrentem os braços do homem
que não se deixa adormecer
pelo medo
pela fome
medo de quê?
revolta-te homem.

(não revisto)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Neblina do primeiro amor


Diziam que ele atravessava as paredes da insónia
quando os holofotes da fome desciam sobre o leito de madeira
e pedacinhos de xisto embrulhados em lágrimas de incenso,

Havia frestas nos silêncios pegajosos dos beijos em construção
desmesuradamente cansados da ausência tempestuosa dos sorrisos envergonhados
das rosas vermelhas em perfume cintilante com bolinhas cor de amêndoa,

Diziam que ele conversava com as sombras da cidade
e bebia o suor do rio solitário escondido nas ilhargas flutuantes do sono,

Diziam que ele era homem em corpo de mulher
à procura dos paralelepípedos da Ajuda
e cerrava os olhos
e escondia as lágrimas dentro da neblina do primeiro amor...

(poema não revisto)