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quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Maré dos enganos


(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Este caixote sem janelas
que habita o meu cérebro cinzento
as palavras belas
que sinto
quando acorda o amanhecer
e não encontro o teu corpo na minha cama,

As imagens do silêncio
reescritas na tua mão de porcelana
regressar é impossível
viver...
sonhar
sem saber que amanhã não existe mar,

Maré dos enganos
sílabas assassinadas pela caneta negra...
um desenho
(uma porcaria de desenho...)
suspenso na forca da idade
como serpentes em pedacinhos descendo a montanha,

As sombreadas verrugas do Adeus
quando o caixote arde na cinza madrugada
o meu cérebro morre
e leva as minhas palavras...
o meu cérebro morre...
e leva o meu corpo.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 28 de Janeiro de 2015

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Sabias dizer-me


Sabias dizer-me a cor dos teus olhos,
nunca esqueceste o cansaço dos meus cabelos,
sabias... e deixaste de saber...
o que escrevo,
o que quero escrever,
sabias como eram as madrugadas de Agosto num jardim clandestino,
tão pequenino,
tão...
e deixaste de perceber os silêncios do amanhecer,
sabias dizer-me a cor dos teus olhos,
sabias,
sabias e tinhas medo da minha voz trémula,

Desfocada no espelho de um quarto escuro...
sabias,
e não me querias dizer...
como eram belas as gaivotas do Tejo,

De como eram belas as ruas desertas de Belém,
sabias a cor dos teus olhos...
… e não sabias... e não querias saber...
de como eram belos os barcos que vociferavam palavras nas noites frias de Inverno,
que inferno,
saberes...
e não me quereres dizer,
que... que havia uma janela pintada de veludo,
que... que havia uma clarabóia sobre o esqueleto do Oceano,
tu sabias,
tu sempre soubeste...
que eu, que eu era construído em ferro fundido dúctil.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 4 de Julho de 2014

sábado, 26 de abril de 2014

três velhos dias


mais um Sábado...
procuro a equação tangente à parábola da insónia
hesito
fico confuso
da rua oiço as luzes em néon adormecido
cansadas
e hesito
fico confuso
mais um Sábado...
sem horário
janelas com vista para o mar
hesito...

um dia
dois dias
… três velhos dias

hesito...
e fico confuso
procuro o cosseno hiperbólico do cansaço
calculo a integral tripla do amor
raios...
não o consigo
rasgo
destruo a folha quadriculada
tão velha
tão... infeliz como as luzes em néon adormecido...
um dia
ontem... ontem tu eras capaz

um dia
dois dias
… três velhos dias.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 26 de Abril de 2014

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Janelas envenenadas

foto de: A&M ART and Photos

Aqui sei que me esperas como janelas envenenadas
aqui sei que me amas
e desejas
sempre que o cortinado tomba e dele se derrama o líquido chamado de solidão...
aqui tenho-te dentro de mim
aqui sou eu
aqui... aqui somos livres de amar
desejar
possuir esqueletos com asas em papel
e és gira com vestidos de napa
derretida nos límpidos tecidos do teu insignificante corpo encurvado
ao leme o velho monstro de quatro cabeças...

Confessas-me que tens velas de seda
… e desejas tanto o vento como a sombra da minha mão...
vaidosa
pareces uma pomba com sandálias de porcelana
Princesa
invejosa...

Aqui confundo-me com as árvores envelhecidas
onde poisam pássaros recheados de reumatismo
e bicos de papagaio...
aqui sou feliz
aqui
aqui vivo percebendo que a vida é uma roldana
uma velha roda dentada
gasta
sem dentes
sem nada
aqui sei que me esperas como janelas envenenadas
e quando desce a lua sobre os teus seios... apenas oiço o suspiro das calçadas

Aqui já fui o Príncipe das Avenidas gastas
o velho escorpião dos bares nocturnos do prazer
aqui fui o velho marinheiro
o cachimbo de água do confuso poeta escritor aldrabão e impostor...
aqui vivo
e aqui morrerei como uma serpente enrolada no pescoço da saudade

Aqui
aqui... serei o teu cadáver depois de travestido em fúnebre jarra parda com flores plastificadas
cansadas e tristes e aqui...
aqui... perdi-me de ti enquanto voavam as gaivotas dos círios cabelos castanhos da montanha.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 17 de Dezembro de 2013

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

anéis de poesia...

foto de: A&M ART and Photos

o espaço exíguo do meu sonho perde-se na neblina de prata
sei que uma língua de fogo jaz nas profundezas da tristeza
que de um bairro em chapa
acordou a madrugada cinzenta em pétalas de ciume sem beleza
chata
a miúda da perfumaria a tentar impingir-me livros pornográficos
cinzeiros
lanternas mágicas com anéis de poesia...
a miúda diz amar-me sem saber o que é o amor
como eu desconhecia as lágrimas dos bravios pinheiros
das tardes fotográficas
que o recreio da escola inventava entre serpentinas e muros de fantasia

alegria
sorria...
dizem-me que estou a ser filmado

porcaria
com a autorização de quem pergunto eu ao primeiro vagabundo das amendoeiras em flor
alegria
sorria...
lanço-me do telhado e debruço-me sobre as veias mágoas dos cristais envenenados
uma flor em papel é como um jardim desenhado pela mão de um pintor
aberrantes lábios que seguram as florestas da montanha na ponta do lápis de cor
sinto-me exíguo dentro do espaço nas neblinas de prata
és tu tão chata
sou eu... eu um rochedo recheado de pontos pigmentados nas manhãs dos quadriculados
uma rosa à janela do desassossego milagre que a liberdade adensa depois das tempestades...
e o espaço exíguo... sou eu... o homem desiludido com os barcos de veludo em negras tardes


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 13 de Dezembro de 2013

domingo, 8 de dezembro de 2013

Posso oferecer-lhe flores, menina?

foto de: A&M ART and Photos

O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, alimenta-se de pigmentados corações de açúcar, dança descalço sobre as pedras quadriculadas do caderno de Matemática, inventa equações que para não esquecer o significado de cada uma, escreve-as na adensada areia branca da praia das gaivotas cinzentas, o menino não acredita que existem barcos com asas, o menino não acredita que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Ela dizia-me que quando eu fosse grande
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Cresci, fiz-me de homem
Fizeram-no homem com braços, com pernas, com... cabeça e olhos, tudo, tudo em granito, puro, do Transmontano, mas nunca contou que
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu?
O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, o menino de sorriso amarelo não gosta do Natal, das coisas supérfluas e inanimadas como as árvores rendadas do pijama dela,
Ela dizia-me que quando eu fosse grande um poema chamado saudade aparecia na minha sombreada constipação nocturna das flores ainda não oferecidas
Posso oferecer-lhe flores, menina?
O parvalhão do moço, dizem que sou eu, inventava palavras e escrevia-as sobre a pele incandescente da areia branca das praias do Mussulo, o menino de sorriso amarelo queixava-se que a travessia transatlântica era uma maneira fácil e cómoda de se esconder dos embondeiros com lábios de suor encarnado, havíamos de descobrir o amor e a paixão, o silêncio quando a noite rompes os cortinados vazios dos púbis em fúria, havia sempre um clitóris agoniado, sem sentido, às vezes
Envergonhado,
Outras
Outras..., não, não gosto do Natal, e o poeta é lindo enquanto escreve, e o homem de pedra é homem enquanto a pedra não se desfaz, esmigalha-se... e o pó entranha-se nos móveis do quarto com varanda para o Tejo,
Os apitos chegavam-nos de Cais do Sodré, elas vestidas de meninas gritavam...
Olá meninos, vamos a uma voltinha?
Inseríamos a moeda na ranhura... e voávamos sobre as oliveiras invisíveis que me acompanhavam desde o Douro ainda não Património da Humanidade, mas um Douro carrancudo, encurvado... como cobras de cabeça em prata que pernoitavam no vão de escada do sótão dos esquimós de aço, que inventávamos nos iglus que o prazer carnal transmitia aos alicerces de leite-creme depois das aventuradas passagens pelo carrossel do sexo vampiro, o sangue aparecia nos tornozelos da ardósia tarde, os cobertores
A menina dança?
Nem dançava nem tão pouco consentia que lhe apalpassem as mamas, como as plantas do canteiro da dona Augusta, acariciávamos-lhes as doces pétalas de chocolate, e depois
Envergonhado,
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu? eu... o poema chamado saudade...
Subíamos, descíamos, rodávamos em sentido contrário aos ponteiros do relógio do tio Serafim, e vinha-me à memória o círculo trigonométrico do tesão quando o cosseno de trinta e cinco graus adormece sobre as âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, choravam elas, tremiam, e
Não deixavam que lhe apalpássemos as mamas porque diziam
São estrelas com sabor a tristeza,
As flores, o carrossel e o vão de escada,
Cais do Sodré em sólidos apitos, e eu
O menino de sorriso amarelo não acreditava no Natal,
Depois
Acordei, fizeram-me de homem
E tal como o menino
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
É ela, quando acendo a luz do candeeiro da mesa-de-cabeceira e vejo lá poisado um par de óculos, um livro do Agualusa e o “Quinto Livro de Crónicas” de A. Lobo Antunes, e oiço-o em teias de aranha caminhando no corredor do
Carrossel
Inseríamos a moeda na ranhura...
E no corredor do sótão um jacaré de palha seca brincava com o menino que
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Um carrossel pintado de fresco,
Cuidado
“Pintado de Fresco”
O Natal... e as meninas não gostam que eu lhes ofereça flores...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Dezembro de 2013

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

palavras semeadas numa tarde de Outono

foto de: A&M ART and Photos

permaneço intocável como uma folha caduca
como palavras semeadas numa tarde de Outono
ao abandono
voando entre as campânulas preguiçosas das Primaveras adormecidas
sou uma mulher invisível dentro de um corpo convalescente
emagrecido
dorido
sofrido
sou uma mulher cansada de chorar
alegre por amar
e não perceber todos os nomes dos jardins do meu País...
sou uma mulher em desejo

(acorrentada à varanda do medo
fumo cigarros vegetarianos e sonho com papagaios de papel)

sou uma mulher em desejo
prisioneira da saudade
sou feliz
sou alegre
sou uma gaivota poisada na ponte da eternidade
sou a madrugada em flor
permaneço intocável
e sofro
e morro
e choro... nas lágrimas da chuva como barcos de esferovite
molhados
os meu lábios

(e húmida
a minha doirada boca)

sou uma mulher mergulhada na melancolia
sou feita em pedaços de vidro
tenho laços de cetim em volta do meu pescoço
sou uma mulher de aço
alicerçada ao mês de Agosto
sou bela e moça bonita
sou linda e mulher donzela
sou filha das flores do amanhecer
e húmida
a minha doirada boca...
alimenta-se das vozes esquecidas
nas árvores mendigas das tuas mãos de gafanhoto


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 4 de Novembro de 2013

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

o amor morre como um esqueleto de vidro

foto de: A&M ART and Photos

havia suspiros na tua voz de chocolate
lanternas diurnas embrulhadas em finas mãos de silêncio
escrevem-se nas palavras dos teus braços
oiço as teclas dos teus dedos na máquina do meu corpo
onde te espera uma folha de tristeza para rasurares como uma tempestade envenenada
havia suspiros uivos nos teus doces lábios
e dos beijos amargos o poema envaidece-se
cresce
e torna-se homem
mulher
apaixonado
apaixonada

o amor morre como um esqueleto de vidro
amado
amada
desamada
desalmada
o amor desaparece dentro dos círculos verdes das marés de incenso

havia suspiros nos olhos dos crisântemos
sobre a térrea campa do desejo
na lápide uma límpida manhã ensonada conversando sobre esplanadas
rios como cemitérios de ferrugem
e barcos como mulheres ansiosas pela chegada dos corpulentos marinheiros do abismo
tínhamos uma algibeira recheada de geada
tínhamos no peito uma mísera envergonhada madrugada
húmida
comida pelo suor das palavras loucas
tínhamos no sexo uma fiada cinzenta de cinza
que sobejava dos tristes cigarros em papel crepe
havia suspiros nos olhos... e sempre que chovia ouvíamos os comboios suicidarem-se nos carris do sonho

o sonho morreu junto aos arbustos em Belém
o rio galgou as montanhas de gelo
e entrou na tua vida alimentando-a de ossos e pedaços de sombra
havia suspiros
lágrimas
desajeitadas mãos na face de um busto granítico...

havia suspiros de chapa doirada
nas sanzalas avenidas que sentíamos das janelas de verniz
tínhamos uma lareira em cada suspiro inventado no teu ventre
havia rosas vermelhas nos confins das tuas coxas
migalhas de xisto entranhavam-se nos teus seios borbulhantes
e nós que parecíamos crianças sem infância
brincávamos como bonecas de trapos
e folhas de mangueira
ouvíamos o pulsar garrido do cavalo branco
e sabia dos teus cabelos clandestinos
onde escondias o verdadeiro amor...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 31 de Outubro de 2013

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

um corpo putrefacto como as flores de Sábado à noite...

foto de: A&M ART and Photos

a quem pertencerá este corpo que habita nas escadas do meu sótão?
não vestido
voando como abelhas e poisando nas pétalas de madeira
debaixo do corrimão...

oiço-o ofegante adormecido nas noites de solidão
oiço-o em corrida apresada descendo a calçada
abrindo janelas
abrindo... olhares cintilantes com sabor a estrelas do mar

oiço os apitos marinheiros
embriagados por ti
e em ti
quando inventas seios de prata e coxas de chocolate

oiço-o mergulhar nas minhas asas
são os teus sorrisos vagabundos como silêncios prisioneiros das aranhas clandestinas
mórbidas
mortas pela ranhura de uma lâmina de barbear

(a quem pertencerá este corpo que habita nas escadas do meu sótão?
não vestido
voando como abelhas e poisando nas pétalas de madeira
debaixo do corrimão...)

e oiço-o suspenso nas árvores do jardim da Estrela
e oiço-o que me chama e precisa das minhas mãos para subir as escadas da insónia
pertencerás tu aos grandes pilares de areia?
o comboio cintila e morre nos teus olhos cintilantes envenenados pela luz falsa
reescrita nos muros das palavras deambulantes que as gaivotas trazem da ilha...
oiço-o
e oiço-o sobre a cama esperando pelos meus lábios de sabão
como as pequenas caravelas de esferovite perdidas no tanque dos quatro caminhos

a quem pertencerá? um corpo voando nas marés de vidro
um corpo um apenas e simples corpo
o teu corpo que ninguém consegue explicar a quem pertencerá...
terá nome idade sexo religião? um corpo putrefacto como as flores de Sábado à noite...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 2 de Setembro de 2013

domingo, 21 de abril de 2013

Quadradinhos de vidro

foto: A&M ART and Photos

Janelas, quadradinhos de vidro, sobre a rua míngua, deserta, húmida, janelas com flores e cubos de chocolate, janelas de solidão que pacientemente, esperam, que desça a noite sobre os automóveis abandonados, tristes, alegres, cansados, janelas sem vidros, buracos, vazios, vácuo, janelas em frenesim comendo amêndoas e bebendo vinho,
(janelas com grandes de ferro, havia um quintal com árvores e arbustos, havia pássaros, abríamos as janelas, sentíamos os cheiros, os sons, os batimentos sôfregos dos pássaros envenenados com drageias que faziam-nos dormir sem sonhar, janelas com grades, abertas, caía a chuva sobre os primeiros dias de Maio, e alguém em círculos, no longínquo corredor da morte – Tem horas? - e eu, timidamente, com medo, desaperto a bracelete do meu relógio de pulso, tiro-o cuidadosamente e ofereço-lho, dizendo-lhe
Que seja a última vez que me perguntas as horas,
e até hoje nunca mais usei relógio, confesso que a princípio não foi fácil, mas depois, depois habituei-me a ser um dos tantos desorientados, que se regula pelo sol, e quando não há sol, vivo normalmente como vivia, olhando para as janelas, verificando se faltam vidros, procuro as formas, os feitios, os sentidos, e às vezes, perco-me, perco-me no centro das rochas como as grainhas esquecidas sobre os muros de xisto que acompanham a estrade encurvada até ao cais onde partem, chegam, não um, não dois, não barcos, mas mais do que cinco autocarros da carreira com destino indefinido, onde numa placa está escrito “Serviço Ocasional”, e até hoje
percebi,
Que seja a última vez que me perguntas as horas)
Janelas quadradas, janelas triangulares, janelas rectangulares, janelas circulares, e simples janelas como olhos de diamante, imagens, pensamentos, sonhos e omissões, janelas, janelas
(janelas sem corações)
Janelas delas, e deles, abraços e janelas, e prazeres, e janelas que procuram uma cidade para viver, e uma rua para brincar, janelas com seios e púbis, janelas em gemidos quando acorda o dia... e o raio do cortinado ficou preso no fecho éclair da claridade que se abate sobre a mesa-de-cabeceira, - Andas tão estranho, meu querido! - anda, anda
(é por culpa das janelas)
Anda ele e ando eu, andamos, e tínhamos um quarto que felizmente, interiormente, não tinha janela, não havia imagens, nem sonhos, nem brincadeiras de miúdos, um quarto onde resolvemos desenhar e pintar
(janela)
E um crucifixo, que por ora está só, sem ninguém, mas logo que possível, mas logo que seque a tinta e nos seja possível abrir a janela, talvez, alguém para preencher o vazio do crucifixo com cheiro a verniz,
(culpa das janelas invisíveis, janelas que constroem a solidão a partir de pedaços de sombra, e dos autocarros da carreira que antes chamavam-lhes machimbombos, e hoje, apenas imagens, fotografias aprisionadas dentro de compartimentos sem janelas, buracos, vazios, infelizes, entradas para o infinito céu de compartimentos com grades de insónia, e sobre a dita mesa-de-cabeceira o fecho éclair liberto do cortinado, a liberdade, de ter uma janelas, com vidros, sem vidros, apenas um vazio, para olhar, pensar, sofrer, ou sonhar..., ou claro, simplesmente... para te sentares)
O cheiro da madeira, e o hálito de vinho que o homem da esquina encarnada usava e às vezes sobejava, o silêncio de um cheiro, a saudade de uma janela com mil sabores, com mil e novecentos caracteres, com um espaço e meio, cerca de trinta páginas, que depois do vento, foram-se como foram os vidros, as teias de aranha e toda a mobília, e ficaste tu, a construir a cidade, trouxeste as árvores, fizeste os pássaros, e colocaste, cuidadosamente... todos os vidros das janelas em paixões de areia molhada, que o mar deixa ficar no pavimento ensonado dos fins de tarde
(percebi)
Antes de acordar a noite.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Uma casa com quatro janelas

Uma casa com quatro janelas voava sobre a manhã apodrecida que do Douro acordava, devagarinho, e aos poucos, pedaços milímetros de saudade subiam os pinheiros vadios e os pássaros bebés brincavam solitariamente com minhocas e azeitonas em compota, eu ainda não era nascido, e dizia-se baixinho que as paredes tinham ouvidos,
O vento era tão forte naquela manhã que tivemos de nos acorrentar aos poucos muros em xisto que sobejaram das tempestades de areia vindas do outro lado da rua, o quintal benzia-se e rezava, e um crucifixo de areia prendia-se voluntariamente a uma árvore enfeitiçada pelo silêncio do amor proibido, havia claridade suficiente para que eles se vestissem e zarpassem como barcos encapuçados fugindo da polícia politica que o Estado tinha inventado, e eu que ainda não era nascido não podia dizer que o Presidente do Conselho era
“Um grande filho da puta”,
Às vezes tinha medo da escuridão quando caia a noite em Luanda, olhava o céu nocturno e sentia os limites entre quatro parêntesis e a casa da aldeia com quatro janelas, em círculos procurava os ouvidos das paredes, e em vão
Nada, nunca os vi, mas apercebia-me que às vezes em nossa casa os adultos conversavam baixinho, e muito devagar, eu questionava-os, e eles diziam que eram conversas de adultos, perguntava-lhes porque só eu é que jantava e eles
Não temos fome,
Curiosamente, nunca tinham fome, e curiosamente hoje percebo que o faziam para que o jantar chegasse para mim, e eu que ainda não era nascido não podia dizer que o Presidente do Conselho era
“Um grande filho da puta”,
Como todos os Presidentes do Conselho de todas as ditaduras, e curiosamente
Não temos fome meu filho,
Mergulhávamos sonambulamente nos barcos com algarismos pintados com restos de tinta que uma lata de sardinhas trazia na algibeira, e quase tenho a certeza que o mar queria comer-nos, mas nós éramos fortes e estávamos acorrentados a um fio invisível de aço que prendia-nos a tenda de lona ao muro anão de xisto com artrose e percebia-se que da coluna vertebral vinha um perfume estranho, como as palavras que o rio reflectia antes de chegarmos ao mar, e a chuva tomava conta de nós, e a chuva misturava-se nas garras dos senhores residentes do Conselhos de todas as ditaduras, os assassinos
Também amam e sofrem de desamor, respondiam-nos eles quando viemos encaixotados dentro de uma casa com quatro janelas, atravessamos o oceano como pássaros dentro de uma gaiola de vidro, e quando regressava a noite eu ouvia-os
Não temos fome,
E eu sabia que tinham, e eu sabia que a casa com quatro janelas de vidro voava sobre a manhã apodrecida que do Douro acordava, devagarinho, e aos poucos, pedaços milímetros de saudade subiam os pinheiros vadios e os pássaros bebés brincavam solitariamente com minhocas e azeitonas em compota, eu ainda não era nascido, e dizia-se baixinho que as paredes tinham ouvidos,
E hoje sei que tinham, e hoje ainda têm,
Quatro janelas e voam sobre o Douro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha