foto: A&M ART and Photos
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Janelas, quadradinhos de vidro, sobre a rua míngua,
deserta, húmida, janelas com flores e cubos de chocolate, janelas de
solidão que pacientemente, esperam, que desça a noite sobre os
automóveis abandonados, tristes, alegres, cansados, janelas sem
vidros, buracos, vazios, vácuo, janelas em frenesim comendo amêndoas
e bebendo vinho,
(janelas com grandes de ferro, havia um quintal com
árvores e arbustos, havia pássaros, abríamos as janelas, sentíamos
os cheiros, os sons, os batimentos sôfregos dos pássaros
envenenados com drageias que faziam-nos dormir sem sonhar, janelas
com grades, abertas, caía a chuva sobre os primeiros dias de Maio, e
alguém em círculos, no longínquo corredor da morte – Tem horas?
- e eu, timidamente, com medo, desaperto a bracelete do meu relógio
de pulso, tiro-o cuidadosamente e ofereço-lho, dizendo-lhe
Que seja a última vez que me perguntas as horas,
e até hoje nunca mais usei relógio, confesso que a
princípio não foi fácil, mas depois, depois habituei-me a ser um
dos tantos desorientados, que se regula pelo sol, e quando não há
sol, vivo normalmente como vivia, olhando para as janelas,
verificando se faltam vidros, procuro as formas, os feitios, os
sentidos, e às vezes, perco-me, perco-me no centro das rochas como
as grainhas esquecidas sobre os muros de xisto que acompanham a
estrade encurvada até ao cais onde partem, chegam, não um, não
dois, não barcos, mas mais do que cinco autocarros da carreira com
destino indefinido, onde numa placa está escrito “Serviço
Ocasional”, e até hoje
percebi,
Que seja a última vez que me perguntas as horas)
Janelas quadradas, janelas triangulares, janelas
rectangulares, janelas circulares, e simples janelas como olhos de
diamante, imagens, pensamentos, sonhos e omissões, janelas, janelas
(janelas sem corações)
Janelas delas, e deles, abraços e janelas, e
prazeres, e janelas que procuram uma cidade para viver, e uma rua
para brincar, janelas com seios e púbis, janelas em gemidos quando
acorda o dia... e o raio do cortinado ficou preso no fecho éclair da
claridade que se abate sobre a mesa-de-cabeceira, - Andas tão
estranho, meu querido! - anda, anda
(é por culpa das janelas)
Anda ele e ando eu, andamos, e tínhamos um quarto
que felizmente, interiormente, não tinha janela, não havia imagens,
nem sonhos, nem brincadeiras de miúdos, um quarto onde resolvemos
desenhar e pintar
(janela)
E um crucifixo, que por ora está só, sem ninguém,
mas logo que possível, mas logo que seque a tinta e nos seja
possível abrir a janela, talvez, alguém para preencher o vazio do
crucifixo com cheiro a verniz,
(culpa das janelas invisíveis, janelas que
constroem a solidão a partir de pedaços de sombra, e dos autocarros
da carreira que antes chamavam-lhes machimbombos, e hoje, apenas
imagens, fotografias aprisionadas dentro de compartimentos sem
janelas, buracos, vazios, infelizes, entradas para o infinito céu de
compartimentos com grades de insónia, e sobre a dita
mesa-de-cabeceira o fecho éclair liberto do cortinado, a liberdade,
de ter uma janelas, com vidros, sem vidros, apenas um vazio, para
olhar, pensar, sofrer, ou sonhar..., ou claro, simplesmente... para
te sentares)
O cheiro da madeira, e o hálito de vinho que o
homem da esquina encarnada usava e às vezes sobejava, o silêncio de
um cheiro, a saudade de uma janela com mil sabores, com mil e
novecentos caracteres, com um espaço e meio, cerca de trinta
páginas, que depois do vento, foram-se como foram os vidros, as
teias de aranha e toda a mobília, e ficaste tu, a construir a
cidade, trouxeste as árvores, fizeste os pássaros, e colocaste,
cuidadosamente... todos os vidros das janelas em paixões de areia
molhada, que o mar deixa ficar no pavimento ensonado dos fins de
tarde
(percebi)
Antes de acordar a noite.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
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