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terça-feira, 26 de novembro de 2024

Natal

Odeio o natal. Se eu pudesse mas não posso, não tenho nem quero esse poder, implodia o natal juntamente com aqueles que tanto gostam do natal.

Como escreve o José Luís Peixoto no seu brilhante texto sobre o natal,

O problema mesmo é quando começam a faltar pessoas à mesa.

E quando dás conta, estás só a uma mesa que em tempos estava repleta de pessoas, pessoas que amavas.

 

Pergunto: o que leva 697 pessoas a visitarem o meu blogue em poucas horas? Talvez nada. Talvez tudo.

Mesmo assim, odeio o natal.



segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

Doce menino

 Que te nasça um pinheirinho no cu

Com muitas luzinhas amarelas

Que te coloquem uma corneta na boca

Para que grites bem alto

Feliz Natal

Não era preciso…!

É um menino.

 

 

 

 

Alijó, 26/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Rabanadas

 Quanto às rabanadas do teu olhar,

Dispenso-as,

Não gosto muito de rabanadas,

E detesto o Natal,

Verdade que não se comem rabanadas apenas no Natal,

Mas não gosto muito de rabanadas,

Mas gosto muito do teu olhar.

 

 

 

 

Alijó, 08/12/2022

Francisco

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

As flores da minha infância

 Vou ensinar-te como brincavam as flores da minha infância. Vou ensinar-te como amavam as flores da minha infância e os barcos da minha infância e o mar da minha infância.

Vou ensinar-te o que são machimbombos, o que é uma sanzala ou uma cubata, vou desenhar-te os cheiros da terra e do capim, depois da chuva. Vou ensinar-te como brincavam os barcos da minha infância, quando um pequeno em calções, de mão dada com o pai, olhava-os como se os barcos fossem árvores muito altas, em pedacinhos de silêncio, numa floresta junto ao mar.

Vou ensinar-te porque choravam as acácias da minha infância, e depois, abraçavam-me até que a noite caía sobre nós, e um beijo transportava-nos para a manhã do dia seguinte.

Vou ensinar-te como voavam as flores da minha infância depois de brincarem na minha mão, antes de poisar o sono em mim.

E vou dizer-te porque odeio o Natal…

 

 

 

 

 

Alijó, 01/12/2022

Francisco Luís Fontinha

domingo, 20 de novembro de 2022

Os amigos que não estão

 Se me procuras,

Não estou; a verdade é que nunca estive

Onde estou e pensam que estive.

Não tenho número de polícia,

Destinatários para enviar cartas,

Os meus amigos,

Os verdadeiros amigos, morreram. Quase todos por cancro.

Uma merda, o cancro.

 

Escrevo poemas aos caracóis,

Às abelhas e aos pássaros,

Às árvores e às putas das árvores

Onde poisam os cornudos dos pássaros.

 

E os caracóis ouvem-me,

São afáveis, sinceros e honestos,

São como eu; quando a conversa não me interessa,

Escondo-me em casa,

Dentro desta carapaça que transporto desde que nasci.

 

Já as abelhas,

Bom, com essas não me dou muito bem,

Sou alérgico às abelhas,

Sou alérgico à mãe das abelhas,

Que pensam que os filhos,

Tal como os pássaros,

São cornudos diplomados,

Mas só os caracóis é que me escutam,

 

Os únicos a quem escrevo cartas.

 

Vou ao cemitério, e quase todos os gajos e gajas que lá habitam,

Levou-os o cancro; os meus amigos.

E vou continuando a escrever cartas aos amigos que me restam…

Os caracóis,

 

E de caracol em caracol,

De flor em flor,

Palavra puxa palavra,

Penso na merda do Natal que se aproxima;

Por mim, proibia o Natal e merdas afins…

E devia haver censura para quem festeja o Natal e prisão domiciliária,

 

E lá terei de entrar no cemitério,

E de campa em campa,

Feliz Natal companheiro,

Bom ano, minha querida,

Brevemente estaremos todos à volta da fogueira,

(mas qual fogueira, caralho)

Se nem fogueira vai haver,

 

Que esta terra foi excomungada, ai isso foi.

Tinha um amigo, amigo de verdade,

Quando se aproximava o Natal,

Oferecia-me erva e erva e erva para fumar…

E fumávamos erva enquanto o tempo se escoava nos anéis de Saturno,

E o gajo falava e o gajo falava e o gajo não se calava,

 

Mas calou-se; e morreu.

 

O meu pai, no Natal, dava-me livros,

Livros, livros e muitos livros,

A minha mãe, livros,

Fui um felizardo, o felizardo dos livros.

 

E sabes, meu amigo caracol,

Sabes?

Que se foda o Natal…

 

 

 

 

 

Alijó, 20/11/2022

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Natal

 

Sentia-me zonzo com os cheiros

Que brotavam de suas mãos

No Natal.

Hoje, procuro esses cheiros, em vão,

E apenas as fotografias,

Transformam os cheiros em lágrimas.

Lágrimas recheadas pela saudade,

Como sonhos, rabanadas e bolo-rei,

Hoje, o silêncio poisa sobre a mesa,

A mesa é outra, mas faltam algumas fotografias,

Hoje, são poeira,

Canção caminhando no Universo,

Paralelo, cubo, triângulo,

Hoje, acorda a ira,

Como se fosse uma nuvem em papel,

Voando em direcção ao mar.

Nasci pertinho do mar,

Junto à solidão dos macacos,

Havia gladíolos envenenados,

Havia bananeiras em cio,

Como as gaivotas passeando-se sobre a baía.

Sentia-me zonzo com os cheiros

Que brotavam de suas mãos

No Natal,

Tínhamos dentro de nós

O pesadelo de um futuro amaldiçoado,

Não distante,

Mas sempre ausente.

Hoje, olho todas estas fotografias,

São apenas imagens, lugares, pó…

Apenas pó…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/12/2021

domingo, 27 de dezembro de 2015

Só queria ter uma cabana no cimo do monte, uma mulher que falasse Russo e uma montanha embalsamada no meu corpo, a aventura, o silêncio na procura do abismo, o Natal, prendas, e que se “fodam” as prendas,


E o Natal!

Sabíamos que amanhã não haveria saudade, sabíamos que amanhã não gaivotas poisadas no Tejo, estou muito doente

E o Natal?

Tenho a “Tara mais pesada que o Peso Bruto”, isso é grave, Doutor? Que sim, que nunca mais vou ver o Rio nem as montanhas nem as prendas, nem…

O Natal?

Quero lá saber dele, nunca goitei dele, prendas, e que se “fodam” as prendas, e todos os dias vinte e cinco de cada mês… estou muito doente, tenho a “Tara mais pesada que o Peso Bruto”, gravíssimo meu Caro, gravíssimo meu Caro, pronto, estou “fodido” a caminho dos cinquenta tudo aparece, é o Natal, é a Tara, é a porra da idade, e nem o Caracol me consegue valer, sobe, sobe… e puf… parede abaixo, capotou mesmo em cima da mulher que sabia falar Russo, tristeza, a Tara… e eu só queria ter uma cabana no cimo do monte, uma mulher que falasse Russo e uma montanha embalsamada no meu corpo, a aventura, o silêncio na procura do abismo, o Natal, prendas, e que se “fodam” as prendas, prendas…

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha – Alijó

domingo, 27 de Dezembro de 2015

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Nada mais

foto de: A&M ART and Photos

Fingíamos o sossego quando dentro de nós habitavam tempestades
fugíamos para o cume da montanha mais próxima
abríamos uma das quatro janelas da ginga
fundeávamos junto ao corpo emagrecido que a madrugada acabava de expelir
fingíamos
e fugíamos
e uma chaminé alicerçava o vento à copa das árvores
os pássaros pareciam agulhas enfeitando panos de renda
e os poucos galhos dos desenhos queimados...
apenas sobejaram os lenços de papel
lágrimas
e nada mais para recordar...

A saudade morria...
e aos poucos erguia-se o desejo cansado
virgem...
atraiçoado

Fugíamos das cavernas com carris de prata
abríamos o livro dos sonhos na página duzentos e sessenta e três...
a ginga vomitava soníferos gonzos com alegres pregos de aço
a árvore de Natal tinha desmaiado...
tonturas
talvez devido ao excesso de luz
ou... com medo das sombras que todos nós sabíamos existirem no nosso corredor sem portas
ouvíamos vozes que provavelmente tinham a sua origem no presépio da loja Chinesa...
e confesso que não percebi patavina do que elas diziam...
apenas percebi que a vaca sofria de cólicas renais
e
nada mais.


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 16 de Dezembro de 2013

domingo, 8 de dezembro de 2013

Posso oferecer-lhe flores, menina?

foto de: A&M ART and Photos

O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, alimenta-se de pigmentados corações de açúcar, dança descalço sobre as pedras quadriculadas do caderno de Matemática, inventa equações que para não esquecer o significado de cada uma, escreve-as na adensada areia branca da praia das gaivotas cinzentas, o menino não acredita que existem barcos com asas, o menino não acredita que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Ela dizia-me que quando eu fosse grande
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Cresci, fiz-me de homem
Fizeram-no homem com braços, com pernas, com... cabeça e olhos, tudo, tudo em granito, puro, do Transmontano, mas nunca contou que
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu?
O menino de sorriso amarelo não acredita no Natal, o menino de sorriso amarelo não gosta do Natal, das coisas supérfluas e inanimadas como as árvores rendadas do pijama dela,
Ela dizia-me que quando eu fosse grande um poema chamado saudade aparecia na minha sombreada constipação nocturna das flores ainda não oferecidas
Posso oferecer-lhe flores, menina?
O parvalhão do moço, dizem que sou eu, inventava palavras e escrevia-as sobre a pele incandescente da areia branca das praias do Mussulo, o menino de sorriso amarelo queixava-se que a travessia transatlântica era uma maneira fácil e cómoda de se esconder dos embondeiros com lábios de suor encarnado, havíamos de descobrir o amor e a paixão, o silêncio quando a noite rompes os cortinados vazios dos púbis em fúria, havia sempre um clitóris agoniado, sem sentido, às vezes
Envergonhado,
Outras
Outras..., não, não gosto do Natal, e o poeta é lindo enquanto escreve, e o homem de pedra é homem enquanto a pedra não se desfaz, esmigalha-se... e o pó entranha-se nos móveis do quarto com varanda para o Tejo,
Os apitos chegavam-nos de Cais do Sodré, elas vestidas de meninas gritavam...
Olá meninos, vamos a uma voltinha?
Inseríamos a moeda na ranhura... e voávamos sobre as oliveiras invisíveis que me acompanhavam desde o Douro ainda não Património da Humanidade, mas um Douro carrancudo, encurvado... como cobras de cabeça em prata que pernoitavam no vão de escada do sótão dos esquimós de aço, que inventávamos nos iglus que o prazer carnal transmitia aos alicerces de leite-creme depois das aventuradas passagens pelo carrossel do sexo vampiro, o sangue aparecia nos tornozelos da ardósia tarde, os cobertores
A menina dança?
Nem dançava nem tão pouco consentia que lhe apalpassem as mamas, como as plantas do canteiro da dona Augusta, acariciávamos-lhes as doces pétalas de chocolate, e depois
Envergonhado,
Aparecerá na tua sombra um poema chamado saudade,
Sou seu? eu... o poema chamado saudade...
Subíamos, descíamos, rodávamos em sentido contrário aos ponteiros do relógio do tio Serafim, e vinha-me à memória o círculo trigonométrico do tesão quando o cosseno de trinta e cinco graus adormece sobre as âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, choravam elas, tremiam, e
Não deixavam que lhe apalpássemos as mamas porque diziam
São estrelas com sabor a tristeza,
As flores, o carrossel e o vão de escada,
Cais do Sodré em sólidos apitos, e eu
O menino de sorriso amarelo não acreditava no Natal,
Depois
Acordei, fizeram-me de homem
E tal como o menino
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
É ela, quando acendo a luz do candeeiro da mesa-de-cabeceira e vejo lá poisado um par de óculos, um livro do Agualusa e o “Quinto Livro de Crónicas” de A. Lobo Antunes, e oiço-o em teias de aranha caminhando no corredor do
Carrossel
Inseríamos a moeda na ranhura...
E no corredor do sótão um jacaré de palha seca brincava com o menino que
Não
Acredito
Que existem pássaros com âncoras de verniz e paisagens prateadas nas janelas do olhar, o menino
Sou seu?
Um carrossel pintado de fresco,
Cuidado
“Pintado de Fresco”
O Natal... e as meninas não gostam que eu lhes ofereça flores...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 8 de Dezembro de 2013

sábado, 22 de dezembro de 2012

A caravela mais linda do oceano

Sou filha do vento e nasci num final de tarde, tenho cabelo loiro como o oiro, tenho asas como as gaivotas, em revolta, tenho olhos verdes com luzinhas encarnadas, como as madrugadas, depois de uma longínqua caminha na praia dos sonhos, sou filha

da vida quando construída, destruíste-me os ossos e fizeste deles sumo de laranja com rissóis de camarão, a tarde estava límpida, linda, brilhante, ausente a tua melancolia paixão pelos livros, da vida, e eu

sou uma filha da puta, destruíste-me cansada manhã, à luta, à carga que os costados ainda aguentam, sou burra, de velas arregaçadas até aos ombros, levanta-se o mastro luzidio da paixão, e ela

a caravela mais linda do oceano,

entre curvas e sombras,

e ela às marradas contra a porta de entrada, cinco da manhã, porta encerrada, fui despedida, lia-se na tabuleta míope

por razões de segurança é proibido sonhar,

filhos da puta, pensava eu, miúda da vida quando construída, destruíste-me os ossos e fizeste deles, e fizeste de mim

uma mula sem asas,

e fizeste de mim

uma caravela sem velas,

e fizeste de mim

uma puta sem pernas, sem nome, sem jazigo, caixão, cave, ou noite embrião, uma puta solteira, filha do vento, e nasci, e nasci num final de tarde, junto ao Tejo, numa esplanada com cadeiras, uma esplanada com mesas, plastificadas

os ossos, as pernas, as asas, as casas, eu

uma puta sem alicerces, segurança social, uma

casa sem janelas, um rio sem barcos, ponte, um jardim nu, moribundo, húmido entre as sílabas assassinas da primeira comunhão, que raiva, ódio, não gostava de gravatas, sapatos pontiagudos, e asas, e fatos de pano barato,

o cigano

estás bonito miúdo,

e ela,

sou filha da chuva, sou filha do vento,desculpem-me, ajudem-me, lancem todas as cordas para o mar, e numa fúria de raiva

salvem-me esta puta filha do vento,

uma caravela sem vela, uma puta sem pernas, sem braços, sem cabeça, uma árvore miúda, à lareira, feliz natal ouve ela

salvem-me,

porquê,

o cigano,

que giro, está lindooo,

e eu era lindo quando vestido de pedaços de xisto com laminados de madeira, o serrote em cuecas fugindo corredor fora, o barco enfeitiçado mergulhava nos olhos verdes da puta encarnada manhã de sábado, saí de casa, travesti-me de homem livre, como o vento, pai da puta, que no final de tarde, ouvia os roncos magistrais das bocas ocas e loucas que

o cigano,

que a maré provoca nos corpos quentes,

caliente meu corpo de cetim doirado,

o cigano,

lindooo,

eu sei, eu sei quando me olhava ao espelho,

as vaidades, as paredes guiadas pelas raízes dos finais de Outono, ouviam-se as transpirações das desejosas camas de vinte e cinco euros, à janela, há janela, uma fotografia com um miúdo nos braços do cigano

lindooo,

e eu respondia-lhe que os sapatos pontiagudos me magoavam, e ele

quando começares a voares passa-te, e deixam de doer,

lindooo,

que a maré provoca nos corpos quentes,

caliente meu corpo de cetim doirado,

o cigano,

lindooo,

e gemias, e atravessavas as paredes de porão em porão, descias as escadas até ao ínfimo milímetro de poço, e dizias-me

sou filha do vento e nasci num final de tarde, tenho cabelo loiro como o oiro, tenho asas como as gaivotas, em revolta, tenho olhos verdes com luzinhas encarnadas, como as madrugadas, depois de uma longínqua caminha na praia dos sonhos, sou filha

uma puta sem alicerces, segurança social, uma

casa sem janelas,

sou filha do vento, sou filha da chuva, sem braços, sem pernas, sem asas, sou

lindooo,

e nunca mais vi o cigano de camisola azul.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

As sombras abstractas que a morte inventa

Obviamente não foi embora, e três dias depois, quase noite, encerrou-se dentro de uma caixa de vidro, puxou o cortinado, acendeu o cigarro, e sem hesitar, entre coices e telas em acrílico que tinha acabado de destruir e deitado fora, finou-se, morreu, e só teve tempo de cruzar os braços em abraços, e

sem hesitar,

desapareceu entre as sombras abstractas que a morte inventa no tecto das casas com sótão, escadas em madeira, e janelas sobre as outras casas, também elas, em madeira, e luzes fanadas a outras casas, a água desviada silenciosamente da casa do vizinho, e com duas galinhas, e com alguns coelhos, e poucos

sem hesitar,

galos de crista encarnada, os cornos do peru, as hastes mestras das cabras, as ovelhas em gemidos, e logo temos queijo fresco e legumes, e sandálias de couro com calções de chita, e sem hesitar

obviamente não foi embora, eu

sem hesitar,

desapareci entre as sombras abstractas que a morte inventa, e poucos

porcos de crista encarnada, galos com cornos e perus com asas de papel e hélices em fibra de vidro, e poucos

sem hesitar,

eu

sem hesitar,

desapareci entre as sombras abstractas que a morte inventa, e poucos ou nenhuns pássaros sobre o meu cadáver acetinado, as unhas de gel que a menina do rés-do-chão desenhou nas minhas mãos por vinte aéreos, poucos

eu

sem hesitar,

queria ser como tu, terça-feira disseste-me que não, e agora dizes-me que sim, que há pássaros no quintal à minha espera, e que depois de se extinguirem todas as lâmpadas das mesas de vodka, tu puxas de um cigarro, acendes o cortinado, e em coices desapareces nas telas em acrílico que brincavam na torre de controle do aeroporto da Chã, a pista longínqua, o último grito da aviação comercial, o pássaro Galileu em poucas palavras faz-se à pista, e há pista senhores excelentíssimos passageiros, há pista, os carrinhos de choque

eu

sem hesitar,

aos saltos e pulos e voos pegajosos e nojentos para não acordar a vizinhança pela manhã quando era domingo, e tu, hoje, terça-feira disseste-me que não, e agora vejo-te aos círculos na cama com lençóis de mar, há pista, poisas os pezinhos sobre a almofada, abres em noite de estrelas as asas dos desejos nocturnos, rolas silenciosamente pela pista, há pista, há pista senhores excelentíssimos senhores, à pista encostas as mamas e adquires estabilidade, da torre dizem-te

sem hesitar menina, vento a dez nós, sem hesitar, endireitar o nariz e os lábios, e não esqueça o púbis cansado e aerodinâmico das canções de Natal,

vens bem, pensava eu, enquanto te observava a percorrer a cama pela manhã, vens bem, e aterravas nos meus frágeis braços de alumínio,

obrigado senhores excelentíssimos passageiros,

aos seus destinos,

sem hesitar,

caminhava pelas ruas, puxava do cortinado e acendia o cigarro, sentava-me sobre os fardos de palha que todas as manhãs acordavam à porta do tio Joaquim, há porta, janelas, há janelas nesta casa travestida de sótão?

eu

sem hesitar,

mentia-te, e dizia-te que a pocilga onde vivíamos era um sótão com escadas de madeira, e janelas sobre as outras casas, também elas, em madeira, e luzes fanadas a outras casas, a água desviada silenciosamente da casa do vizinho, e com duas galinhas, e com alguns coelhos, e poucos

sem hesitar,

porcos de crista encarnada, galos com cornos e perus com asas de papel e hélices em fibra de vidro, e poucos,

que tu acreditavas.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Os lençóis encarnados do Natal

Não sabia que te incomodavam as teias de aranha que embrulham alguns dos livros que sepultei na cave, velhos, fora de tempo, moribundos como as pessoas da minha idade, não sabia, desculpa, que te incomodavam

dias depois de mim, descias as escadas e sentavas-te sobre as páginas cansadas e poeirentas da velhíssima encadernação, algumas palavras tuas, dias depois, te incomodavam os inchaços invisíveis que das tuas torrentes mãos alicerçavam as ruas circunflexas que a cidade engole, um copo de cerveja, vodka, qualquer coisa por favor senão morro, morro, como eles, e enterram-me na cave, como eles,

te incomodavam as minhas frágeis carícias, te incomodavam as aventuras do poderosíssimo Pai Natal, de chaminé em chaminé, e finta algumas das clarabóias para não incomodar

que te incomodavam,

os amantes sobre os lençóis encarnados do Natal, que eu, que tu

detesto,

que eu

detesto,

desculpa, não sabia, que te incomodavam as minhas mãos de sabão, desculpa, não sabia, que te incomodavam as minhas orelhas pontiagudas como aqueles sapatos de joguei janela fora, também eles, pontiagudos, e tu

não me ouves, e sentavas-te sobre a velhíssima encadernação de couro, velhíssima como os meus cabelos, cinco por cento são meus, e noventa e cinco por cento

detesto,

que eu,

detesto,

noventa e cinco por cento do fisco, dos credores, e da puta que os pariu, a elas e a eles

as baratas e as teias de aranha, não te importavas, não querias saber, e agora, agora

feliz Natal,

(o caralho)

detesto,

que eu

detesto,

e pergunto-me, e pergunto-te, tu deitavas-te em mim e enrolavas-te nos meus braços

que eu

e os restantes trezentos e sessenta e cinco dias?

detesto,

nos meus braços, não te importavas, não sabias que os sonhos são simples sombras de rochedo que o mar vomita nas noites de insónia, não dormimos, não comemos, apenas jazemos na cave, embrulhados em teias de aranha, sentavas-te sobre mim

feliz Natal,

que eu

detesto,

que tu

detesto,

dias depois de mim, descias as escadas, pegavas numa lanterna, enrolavas-te em mim e silenciosamente folheavas as minhas finíssimas páginas de puro aço, frio, distante, a cave onde eu

detesto,

adormecia com os teus beijos.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó