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sexta-feira, 15 de abril de 2016

A morte de um esqueleto


Tenho medo. A noite traz os esqueletos da insónia, perfilam-se em frente ao meu quarto, e sei que brevemente haverá uma revolta.

Tenho medo,

À minha volta brincam as flores da Primavera, loucas, loucas como as serpentes bronzeadas dos dias sem escrever,

Das palavras, o silêncio da madrugada que acorda embriagada,

Tonta, alimenta-se das minhas mãos como se alimentam os pássaros dos meus sonhos, medo, tenho medo.

Tenho medo da noite,

Do sifilítico cansaço da espuma do mar,

Dos barcos encalhados junto aos esqueletos, em frente ao meu quarto,

Fujo deste esconderijo,

Fujo desta cidade amaldiçoada pelo vento…

Medo.

Sinto o peso do xisto sobre os meus ombros,

E o bolorento desejo guardado na minha algibeira,

Tenho medo,

Sim,

Sinto a maldição das Calçadas que dormem no rio,

Sim,

Sinto a solidão das manhãs a olhar para o infinito, assim, assim como olham os esqueletos em frente ao meu quarto,

O peso da lua,

O peso do medo abraçado à lua,

Do medo,

Hoje, hoje acordei desconectado das sílabas do prazer,

As flores do meu jardim, tristes,

As bananeiras do meu jardim, contentes,

E os esqueletos que habitam em frente ao meu quarto…

Ausentes,

Diminutos segundos de lentidão,

O medo.

Sinto.

A lentidão dos ossos dos esqueletos em frente ao meu quarto, homens, mulheres, crianças, plantas e alguns animais de estimação,

Um cartão de cidadão grita,

Zurra,

Pimba…

E morre de overdose,

Sei que sim,

Sei que este medo pertence à neblina da minha terra, sei que este medo pertence às desavenças cotidianas, embargadas sonolências das noites em papel,

O medo,

No medo,

Sinto.

Sinto a sombra do meu esqueleto de vidro,

Sinto a sombra do meu cabelo quando chove torrencialmente no meu olhar…

E regressa o medo,

A morte,

A morte de um esqueleto.

 

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 15 de Abril de 2016

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Janela de esqueletos

foto de: A&M ART and Photos

Parecemos esplanadas de vento correndo nos algerozes das montanhas abandonadas,
penso se não existirá dentro de nós a melancolia dos barcos apodrecidos, como ossos molhados, como corpos cansados, como eu, e como tu, dois ventres desventrados, amorfos, humildes como sanzalas de granito, vadios...
parecemos dois loucos escondidos na sombra da madrugada ainda não nascida,
perdidos nas palavras ainda por escrever...
olhamos as estrelas que deixaram de brilhar,
comemos o pão como quem come a sombra de uma árvore...
indolor, infestados de giz depois do recreio escolar,
tu, e eu, debaixo de um busto sem nome,

Correndo, brincando... enganando a fome...
correndo, correndo calçada abaixo, até que acordava o dia, até que da tua bocas eu sentia a tristeza dos perdidos calendários de Fevereiro,
o medo,
o medo das clandestinas vozes da escuridão,
e no entanto,
sem o sabermos,
inventávamos estórias de adormecer,
sem o sabermos... estávamos mortos numa janela de esqueletos.


@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 12 de Fevereiro de 2014

terça-feira, 18 de junho de 2013

Borboletas com bolinhas prateadas

foto: A&M ART and Photos

Conheci uma borboleta com bolinhas prateadas nas asas maleáveis de porcelana embriagada manhã, um dia, e quando já me tinha habituado à sua presença no parapeito da janela da biblioteca, percebi pela sua ausência sem qualquer explicação, que algo de muito grave tinha acontecido,
Um terramoto derrubando todas as árvores do meu jardim invisível? Ou.. também pensei na fraca probabilidade de ela ter morrido, pois diz o povo, que as más notícias são sempre as primeiras a saberem-se, entenda-se agora por más, má pessoa? Má vida? Má, ela? Nunca me apercebi de tal facto, sempre afável, meiga, terna, que às vezes até parecia que tinha chegado de um favo de mel,
E não era para mais, nos lábios de prata sempre a suspensa lágrima de açúcar, derradeira melodia dos primeiros sons do amanhecer, batia-me à janela, eu, quando a ouvia, porque muitas das vezes dormia tão profundamente que nem me dava conta que o edifício contiguo tinha desabado durante a noite, e todos os meus vizinhos desalojados, cerca de vinte famílias, tinham sido acolhidos na pensão da rua das traseiras, má, porque frequenta-se por homens de fraco calibre, mulheres petroleiro que quando se aportavam num cais com fundações suficientemente alicerçadas aos rochedos bem lá no fundo, nunca mais o abandonavam, chupavam-lhes tudo, inclusive as algibeiras,
Um terramoto?
As urtigas dormiam debaixo dos meus velhos lençóis
(canso-me deste vibrador sobre a minha secretária, canso-me, e provavelmente brevemente desligar-se-á, ou... também pensei na fraca probabilidade de ela ter morrido, mas felizmente que está vivo, de boa saúde e a atrofiar-me a cabeça; claro que me refiro ao meu telemóvel... Que pensavam vocês, seus malandrecos?)
E quando por lapso me encostava a elas, sentia-as na minha pele fina e sedosa, aleatórias madrugadas ausentada de ti, recordava os teus lábios com lágrimas de açúcar, recordava as estranhas janelas que sempre prontas me abrias, eu entrava-te e tu depois, olhavas-me, sorrias-me... e dizias-me na tua voz maliciosa e poética
Amo-me minha querida,
Às palavras, todas as caixas perdidamente empilhadas sobre os telhados zincados dos veludos musseques esquecidos nos pequenos charcos que a chuva depois de partir deixava sobre a terra agreste, seca, recheada de fendas como a pela das mesmas mulheres, as de má... que frequentavam a pensão das traseiras, tocava-te nas pernas, poisava-me lá, e tu, indiferente, indecisa
Não sei se quero,
E tu desentendida
Não percebi filho,
E tu
Perdida no silêncio... dizias-me que as fotografias são esqueletos de papel prensados, e tal como as tostas-mistas, de preferência, comem-se quentes, porque são saborosas, porque tu inventavas borboletas como quem inventa palavras, e que eu saiba
Mas tu não sabes nada,
Não existem borboletas com bolinhas prateadas nas asas maleáveis de porcelana embriagada manhã, não existem janelas com parapeito em granito, e nem sequer tu dormias em casa quando o edifício contíguo ruiu e desalojou os meus, repito, os meus vizinhos, porque nem isso tu conseguiste... viver comigo, e transformares-te em urtigas. Patife.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha