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domingo, 9 de outubro de 2022

Poema em ruínas

 Acabo de sepultar

As tuas palavras neste vaso de porcelana,

Cerro-o para jamais chorar,

E lanço-o na lareira em chama,

 

Assassino o poema,

Ergo-o sobre as lágrimas do mar,

E enquanto olho aquele vaso de porcelana,

Finjo que as minhas palavras são pedacinhos de luar…

 

São um pedacinho de nada.

Sepulto o poema na tua mão,

E espero que acorde a madrugada,

 

São as minhas ruínas em tristes palavras de abraçar,

São janelas que se cerram no meu coração,

Sem perceber que este poema é um pedaço de lágrima a chorar.

 

 

Alijó, 09/10/2022

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 5 de março de 2015

Trapézio do sono


Tenho na sombra do sono
um pilar de areia
uma casa em ruínas
sem telhado
sem braços
sem cabeça
tenho na sombra do sono
o cansaço das palavras
o sorriso do poema
enquanto o poeta gagueja
sofre
e sofre

(sem braços
sem cabeça
sem telhado)
os olhos da serpente
fingindo corações de luz
como charcos de lama
sapateando junto ao mar
e eu
na sombra do sono...
inventado papéis de amar
comestíveis
ao pequeno-almoço

(sem braços
sem cabeça
sem telhado)
este poema disparado
pela mão do sofrimento
levanto-me da insónia
pensando que já acordou o dia
levanto-me do dia...
acreditando que já é noite
escura
húmida
e vagabunda...



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 5 de Março de 2015

terça-feira, 18 de junho de 2013

Borboletas com bolinhas prateadas

foto: A&M ART and Photos

Conheci uma borboleta com bolinhas prateadas nas asas maleáveis de porcelana embriagada manhã, um dia, e quando já me tinha habituado à sua presença no parapeito da janela da biblioteca, percebi pela sua ausência sem qualquer explicação, que algo de muito grave tinha acontecido,
Um terramoto derrubando todas as árvores do meu jardim invisível? Ou.. também pensei na fraca probabilidade de ela ter morrido, pois diz o povo, que as más notícias são sempre as primeiras a saberem-se, entenda-se agora por más, má pessoa? Má vida? Má, ela? Nunca me apercebi de tal facto, sempre afável, meiga, terna, que às vezes até parecia que tinha chegado de um favo de mel,
E não era para mais, nos lábios de prata sempre a suspensa lágrima de açúcar, derradeira melodia dos primeiros sons do amanhecer, batia-me à janela, eu, quando a ouvia, porque muitas das vezes dormia tão profundamente que nem me dava conta que o edifício contiguo tinha desabado durante a noite, e todos os meus vizinhos desalojados, cerca de vinte famílias, tinham sido acolhidos na pensão da rua das traseiras, má, porque frequenta-se por homens de fraco calibre, mulheres petroleiro que quando se aportavam num cais com fundações suficientemente alicerçadas aos rochedos bem lá no fundo, nunca mais o abandonavam, chupavam-lhes tudo, inclusive as algibeiras,
Um terramoto?
As urtigas dormiam debaixo dos meus velhos lençóis
(canso-me deste vibrador sobre a minha secretária, canso-me, e provavelmente brevemente desligar-se-á, ou... também pensei na fraca probabilidade de ela ter morrido, mas felizmente que está vivo, de boa saúde e a atrofiar-me a cabeça; claro que me refiro ao meu telemóvel... Que pensavam vocês, seus malandrecos?)
E quando por lapso me encostava a elas, sentia-as na minha pele fina e sedosa, aleatórias madrugadas ausentada de ti, recordava os teus lábios com lágrimas de açúcar, recordava as estranhas janelas que sempre prontas me abrias, eu entrava-te e tu depois, olhavas-me, sorrias-me... e dizias-me na tua voz maliciosa e poética
Amo-me minha querida,
Às palavras, todas as caixas perdidamente empilhadas sobre os telhados zincados dos veludos musseques esquecidos nos pequenos charcos que a chuva depois de partir deixava sobre a terra agreste, seca, recheada de fendas como a pela das mesmas mulheres, as de má... que frequentavam a pensão das traseiras, tocava-te nas pernas, poisava-me lá, e tu, indiferente, indecisa
Não sei se quero,
E tu desentendida
Não percebi filho,
E tu
Perdida no silêncio... dizias-me que as fotografias são esqueletos de papel prensados, e tal como as tostas-mistas, de preferência, comem-se quentes, porque são saborosas, porque tu inventavas borboletas como quem inventa palavras, e que eu saiba
Mas tu não sabes nada,
Não existem borboletas com bolinhas prateadas nas asas maleáveis de porcelana embriagada manhã, não existem janelas com parapeito em granito, e nem sequer tu dormias em casa quando o edifício contíguo ruiu e desalojou os meus, repito, os meus vizinhos, porque nem isso tu conseguiste... viver comigo, e transformares-te em urtigas. Patife.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 7 de junho de 2012

deserta a noite e o amor



o meu coração vazio
como uma sala em ruínas
com muitas janelas
sem vidros
o meu coração vazio
com muitas portas
sem saída
em ruínas

deserto o dia
deserta a noite e o amor
com muitas janelas
com muitas portas
sem vidros
sem flores
sem cores
sem saída