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foto: A&M ART and Photos
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Conheci uma borboleta com bolinhas prateadas nas
asas maleáveis de porcelana embriagada manhã, um dia, e quando já
me tinha habituado à sua presença no parapeito da janela da
biblioteca, percebi pela sua ausência sem qualquer explicação, que
algo de muito grave tinha acontecido,
Um terramoto derrubando todas as árvores do meu
jardim invisível? Ou.. também pensei na fraca probabilidade de ela
ter morrido, pois diz o povo, que as más notícias são sempre as
primeiras a saberem-se, entenda-se agora por más, má pessoa? Má
vida? Má, ela? Nunca me apercebi de tal facto, sempre afável,
meiga, terna, que às vezes até parecia que tinha chegado de um favo
de mel,
E não era para mais, nos lábios de prata sempre a
suspensa lágrima de açúcar, derradeira melodia dos primeiros sons
do amanhecer, batia-me à janela, eu, quando a ouvia, porque muitas
das vezes dormia tão profundamente que nem me dava conta que o
edifício contiguo tinha desabado durante a noite, e todos os meus
vizinhos desalojados, cerca de vinte famílias, tinham sido acolhidos
na pensão da rua das traseiras, má, porque frequenta-se por homens
de fraco calibre, mulheres petroleiro que quando se aportavam num
cais com fundações suficientemente alicerçadas aos rochedos bem lá
no fundo, nunca mais o abandonavam, chupavam-lhes tudo, inclusive as
algibeiras,
Um terramoto?
As urtigas dormiam debaixo dos meus velhos lençóis
(canso-me deste vibrador sobre a minha secretária,
canso-me, e provavelmente brevemente desligar-se-á, ou... também
pensei na fraca probabilidade de ela ter morrido, mas felizmente que
está vivo, de boa saúde e a atrofiar-me a cabeça; claro que me
refiro ao meu telemóvel... Que pensavam vocês, seus malandrecos?)
E quando por lapso me encostava a elas, sentia-as na
minha pele fina e sedosa, aleatórias madrugadas ausentada de ti,
recordava os teus lábios com lágrimas de açúcar, recordava as
estranhas janelas que sempre prontas me abrias, eu entrava-te e tu
depois, olhavas-me, sorrias-me... e dizias-me na tua voz maliciosa e
poética
Amo-me minha querida,
Às palavras, todas as caixas perdidamente
empilhadas sobre os telhados zincados dos veludos musseques
esquecidos nos pequenos charcos que a chuva depois de partir deixava
sobre a terra agreste, seca, recheada de fendas como a pela das
mesmas mulheres, as de má... que frequentavam a pensão das
traseiras, tocava-te nas pernas, poisava-me lá, e tu, indiferente,
indecisa
Não sei se quero,
E tu desentendida
Não percebi filho,
E tu
Perdida no silêncio... dizias-me que as fotografias
são esqueletos de papel prensados, e tal como as tostas-mistas, de
preferência, comem-se quentes, porque são saborosas, porque tu
inventavas borboletas como quem inventa palavras, e que eu saiba
Mas tu não sabes nada,
Não existem borboletas com bolinhas prateadas nas
asas maleáveis de porcelana embriagada manhã, não existem janelas
com parapeito em granito, e nem sequer tu dormias em casa quando o
edifício contíguo ruiu e desalojou os meus, repito, os meus
vizinhos, porque nem isso tu conseguiste... viver comigo, e
transformares-te em urtigas. Patife.
(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha