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domingo, 30 de março de 2014

Bocas famintas

foto de: A&M ART and Photos

Sou absorvido pelos tentáculos da insónia,
dou-me conta da noite triste,
confusa, e só...
pertenço às paredes límpidas da solidão fantasma, às vezes, ela, veste-se de livro,
e dorme na minha mão disfarçada de rocha ensanguentada com dentes de leão,
outras, ela parece o cortinado inanimado da minha janela sem fotografia para o mar,

Sou absorvido por barcos longínquos das tardes de cacimbo,
sou o portão de entrada do quintal imaginário rodeado de mangueiras e sombras,
oiço o sorriso do embondeiro a sobrevoar o meu olhar, e sei que estou vivo porque alguém pega na minha mão de menino e diz-me que sou filho do Oceano,
sou absorvido por tudo e por nada,
pelas palavras, e pelas montanhas, e pelas ardósias envergonhadas do desejo,
sou... pelos tentáculos da insónia,

E.. e dos beijos,
sou um cadáver sem nome,
e enquanto era absorvido... sei lá por quem eu era absorvido!
mãos, pernas, braços, caricias, loucas caricias de mãos desconhecidas,
e no entanto, ainda pertenço aos indefinidos corações de incenso com borboletas cinzentas...
e bocas, absorvido por bocas famintas.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 30 de Março de 2014

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Ou o pai retratava o filho

(    )
Juro, se fosse hoje, se fosse hoje inventava-me, colocava umas luzinhas na cabeça, pedia ao senhor Arsénio que me desenhasse umas asas e mandava-as construir ao tio Serafim, quando regressasse a casa com a estrelada, coitada, manca
Estrelada!
E amanhã não me fodes mais porque vais ficar na loja porque com a pedrada que te dei, e enquanto isso, o Serafim a jogar ao pino com os colegas da escola, e tenho quase a certeza que ele me constrói umas asas com vista para o Tejo, pensava o menino Pedro antes de adormecer e enquanto a família, pai, mãe e avós, todos, numa irritação
É a tua cara Alberto,
Não é não, respondia a avó Madalena, e acrescentava
É tal e qual o meu João, isso não tenho duvidas
E eu, e eu tenho a certeza que tenho algumas parecenças com um embondeiro, com um mabeco, ou na pior das hipóteses
Com um Anjo,
(mais uma breve pausa para ir à casa de banho regressamos o mais breve possível)
Sim, com um Anjo, Porque não? Deve estar louco menino Pedro, queixava-se o porteiro embriagado quando madrugada dentro ele
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul
Constipação
Ou
Fígado,
Constrói-me umas asas, tio Serafim
E a coitada da estrelada só em três patas, sofreu tanto, tanto sofrimento teve esta ovelha, e o menino Pedro e a menina Margarida
Eu, tu, regressávamos das longínquas sentinelas de estanho, deixávamos as mesas de granito junto aos jardins caquécticos da casa de S. Pedro do Sul, deixara de chover, o fígado pifou uma vez mais, constipação
Ou
O pai retratava o filho com imagens a preto e branco, no tornozelo uma fitinha azul com o nome e o dos progenitores, e se fosse hoje, e se fosse hoje juro
Tinha-me inventado.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó