foto de: A&M ART and Photos
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Começávamos a alimentar, primeiro os porcos e as
galinhas, depois eles, e nós, quase sempre, os últimos da ninhada,
nunca chegava, parecia-nos pouco, ou nada, sentávamos-nos sobre o
tanque do terreiro e olhávamos o silêncio repatriado das papoilas
navegantes das caravelas em bolor, sentíamos a ondulação da
tristeza a entranhar-se-nos como facas de um velho faquir no tronco
da velha árvore do recreio,
Recordas-te ainda dos arvoredos infelizes que
dormiam em nossa casa?
O velho faquir tinha uma mulher que costumava
aparecer junto a nós, sempre de branco, talvez porque ela apenas
vivia de noite, porque ela era filha da noite, poderia eu
perguntar-me se ela era a minha mãe, pois eu
Adoro viver de noite, queria ser a noite sem
interrupções, lanternas mágicas ou... cortinados com estampados de
verniz e cansados nos arames verticais das ruas entupidas de lixo,
mendigos, nós à procura de outros mendigos
O Velho?
As facas gemiam quando entravam na fina casca da
madeira e não sabíamos que o velho faquir usava uma máscara de
vidro para que ninguém o reconhecesse... ao que parece, ele
Eu sou o filho da mãe noite, eu sou a faca que
rompe a madrugada, eu sou a roseira que quando chora
Dela brotam as pequenas gotículas de sangue que a
saudade esconde na sombra das mangueiras dos quintais longínquos das
esplanadas viradas para o mar, o filho da noite, eu, eu não sabia
que existiam eléctricos, não sabia o significado de eléctrico... e
dizia ao meu pai que o autocarro da carreira se apelidava de
Machimbombo,
Eu sou o filho da mãe noite, eu sou a faca que
rompe a madrugada, eu sou a roseira que quando chora, ouvem-se-lhe os
picos em aço inoxidável infestarem a velha árvore do recreio,
rompíamos as calças, e usávamos joelheiras em napa para
disfarçarmos os tentáculos e húmidos buracos da Primavera,
(começávamos a alimentar, primeiro os porcos e as
galinhas, depois eles, e nós, quase sempre, os últimos da ninhada,
nunca chegava, parecia-nos pouco, ou nada, sentávamos-nos sobre o
tanque do terreiro e olhávamos o silêncio repatriado das papoilas
navegantes das caravelas em bolor, sentíamos a ondulação da
tristeza a entranhar-se-nos como facas de um velho faquir no tronco
da velha árvore do recreio, e não sabíamos que havia dentro de nós
uma fina tábua, quase invisível, recheada de prego, e durante a
noite, o velho faquir...)
Adormecíamos acreditando que tínhamos o estômago
cheiro, estávamos fartos, tão fartos que até inventamos uma
sanzala em papel só nossa, a nossa sanzala de papel com pequenos
charcos para durante a noite
Chapinávamos nos charcos da sanzala de papel
inventada por eles e acreditávamos que éramos felizes assim,
Assim,
Como?
O machimbombo,
A chuinga estremecia-me a dentadura de marfim que
tinha partido do jacaré em pau-preto, havia uma imagem que nunca
esquecemos, os barcos zangados rompendo pela cidade como animais
ferozes e envenenados pelas castanhas ondas que o abismo desenhava em
nós, e tu, e eu,
Dormíamos,
Sou teu filho, tu, a noite que me acolhe, alimenta,
afaga o cabelo,
Branco?
Não negro,
As roseiras?
Não às bolinhas,
Esqueci-me da cor do meu cabelo, esqueci-me que a
minha mãe dorme enquanto eu, eu sonho, e invento palavras para te
recordar dentro de uma lápide sem nome, idade, como o poema escrito
e deixado sobre a mesa... depois de fazermos amor... voavam os campos
de centeio que zumbiam em Carvalhais, olhávamos as espigas do
doirado milho...
E não sabíamos que Machimbombo era autocarro da
carreira...
(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 23 de Novembro de 2013
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