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segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Mar de mim

 

Não sei que mar é este

Que todas as noites me procura

E me quer levar,

 

Que o meu corpo já lhe pertence

Não é novidade para mim

Um poeta sem nome

Um poeta sem jardim,

 

Mas este mar

Não se contenta apenas com o meu corpo esquelético

Quer também a minha alma,

 

E eu não tenho alma

Nunca tive alma,

 

O que quer este mar?

 

Este mar de mim…

 

 

Alijó, 02/01/2023

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Pecado

 

Somos muitos,

Somos as almas penadas,

Somos o pecado que invade a noite,

Somos o poema embriagado nas mãos de Deus,

Somos muitos, somos poucos,

 

Somos esqueletos em papel,

Somos parvos,

Entre parvos,

Somos loucos,

Loucos que somos,

 

Somos muitos,

Somos poucos,

Somos livros,

Desenhos,

Corpos despedidos,

 

Muitos,

Poucos,

Somo tempo perdido,

Somos o sonho;

 

Muitos,

Poucos,

Nada do que somos.

 

 

 

Alijó, 28/11/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 22 de novembro de 2022

As palavras do mar

 Em círculos

Que deixo de existir

Das pobres janelas em teu doce olhar

Pequenos quadrados

Lábios que desejam o mar

Entre a planície e a triste paisagem da paixão

 

E se o amanhã não acordar

Tal como as minhas palavras

Se morrerem de enfarte

Na tua sanzala de amar

O corpo que voa

Enquanto em círculos

Deixo

Deixo de existir e apago na minha mão

O desgraçado fogo da insónia

Porque o beijo em círculos

 

Senta-se junto ao rio

Um rasto de sémen nas pedras parideiras

No uísque poema da loucura

E sejamos justos

Sejamos honestos

Este dia em círculos

Os homens embrulhados no sono

Há uma cama em desejo

Das sereias em cetim

A minha boca morde o poema

 

Abandono a enxada que ama a vinha doirada

Da tua alma camuflada

Dos incêndios às lágrimas

São sombras

São flores

 

São a espingarda em abençoado cansaço

Longe de ti

Dos teus olhos minerados

E sinto a tua mão

Que arde no meu rosto

O medo

A fome que poisas no meu peito

Em cigarros assassinos

Em cadeiras ao vime sonhar

E um pobre defunto deseja o mar

 

E o mar que ama

Chora

E dorme estátua de cera

Em círculos

 

 

E deito fora as minhas mãos

E abandono este altar de talha cansada

Onde habito e rezo

Depois chamo pela madrugada

E recebo os teus lábios

Em círculos

Em desejo menina cantar

As canções do supremo olhar

São palavras meu Deus

São as palavras do mar.

 

 

 

 

Alijó, 22/11/2022

Francisco

quinta-feira, 11 de abril de 2019

O cacifo do 44


Toquem os sinos e anunciem a minha partida.

Cada charco no pavimento é um poema sem nome,

Metáforas…

As palavras são pequenas gotículas do teu suor,

O alimento preferido da paixão,

E dos livros, e dos violinos, vomitam-se melódicos sons que abraçam socalcos.

Pareço um louco transeunte desorganizado, sem apeadeiro,

E, no entanto, atraco a minha barcaça às tuas mãos de fada.

(enquanto escrevo, oiço Doors)

Toquem, toquem todos os sinos que eu vou fugir,

Levo a minha barcaça,

E em terras longínquas vou procurar o amor…

Nada levo.

Apenas preciso de cigarros, cigarros e cachimbos.

Cada charco no pavimento é um poema sem nome,

Uma alma penada,

(como se eu acreditasse em almas, muto menos, penadas)

Palerma.

Palhaço.

O circo regressa sempre na Páscoa…

Espero-te, aqui, sentado, nesta pedra de xisto invisível.

E quando eu morrer, não quero fato e gravata e sapatos pontiagudos,

Não, não quero flores do teu jardim,

Não, não quero a presença do Senhor Abade…

Quero ir só.

Como sempre fui…

Só.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

11/04/2019

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Uma alma aborrecida


As máquinas infernais do sofrimento não cessam de chorar,

Escavam o corpo até que a madrugada surja no horizonte,

 

Os ruídos sinusoidais da pequena vergonha de viver

Adormecem como cães raivosos deitados ao luar,

Chamo por ti, meu querido mar…

E sinto na arte de escrever

O sinfónico e desgraçado monte,

 

Sou uma alma aborrecida.

 

Sou uma alma faminta.

 

Os pássaros quando brincam na minha janela

E lá longe acordam as planícies de cartão

Dos dias desesperados à luz da vela,

 

Sou uma alma sem coração.

 

As máquinas infernais do sofrimento não cessam de chorar,

Escavam o corpo até que a madrugada surja no horizonte,

Uma criança não se cansa de brincar…

Entre risos e papeis na casa do rinoceronte,

 

Sou uma alma faminta…

 

Sou uma alma aborrecida…

 

Sou.

 

Sou

Uma alma

Sou uma alma sem tinta.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Junho de 2017