Os
poemas perdidos, a noite incendeia a solidão do corpo enquanto lá fora o
silêncio da morte acorda os pedestres rochedos da insónia.
Desço
às profundezas do rio, toco na sua boca como se alguém me empurrasse para a
escuridão, feliz aquele que vive só, sem ninguém,
Os
poemas perdidos que invadem a tarde junto ao mar, lá longe, os sifilíticos
segredos da esperança, perdidos, as palavras, os sons e a melódica tempestade
dos guizos,
Perdidos.
Os
poemas na minha mão caminhando sobre as areias finas do desejo,
Invento
crianças que brincam nos quintais de espuma,
Marés
de incenso sobre a secretária desarrumada,
Milímetros
quadrados de nada, de ninguém, que só os muros da geada conseguem atravessar,
tenho pena do coração da Primavera; triste.
Como
eu,
Triste
Nos
poemas perdidos,
Amanhã
renascerá uma estrela no meu peito e o meu corpo transformar-se-á em lâminas de
prazer, amanhã terei os poemas perdidos fora do livro, esqueléticos casebres
das montanhas de neblina, rios que invadem a cidade e trazem a morte, dos
poemas, e dos livros com poemas,
Triste,
Os
poemas perdidos quando incendeiam os dedos amachucados pelos cigarros em
despedida,
As
fotografias dentro de uma caixa de cartão à espera de serem resgatadas pelas
palavras dos poemas perdidos, sem ninguém, procuro nela o meu rosto de
infância, imagino-me a olhar os barcos entre apitos e partidas, e o medo
absorve-me…
Deixo
de ver a cidade, dou-me conta em pleno Oceano, sinto o cheiro das gaivotas
percorrendo os trilhos do sono, e dos poemas perdidos…
O
sangue que corre nas minhas veias, os dias iguais às noites, as noites iguais
às sílabas de luar quando olho pelo camarote um finíssimo fio de nylon que me
acompanha até ao meu regresso,
Despeço-me
dos poemas perdidos,
Despeço-me
da aldeia onde nasci e abraço uma Lisboa camuflada pelas âncoras do Tejo, os
caixotes em madeira presos aos meus pés, sem nada, apenas tarecos, apenas pequeníssimas
coisas sem nexo,
Os
poemas perdidos,
Despeço-me,
Deles,
delas…
Sem
perceber que os poemas perdidos nunca existiram em mim.
Francisco
Luís Fontinha
sábado,
23 de Abril de 2016
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