Com quinze ou dezasseis anos
comecei a consultar o “Tractatus Logico-Philophicus” de Ludwig Wittgenstein, o
que eu procurava, ainda hoje não o sei, sei que passava noites quase abraçado a
esse tratado sobre tudo, e nada do que eu precisava tinha.
Também, como referi à
pouco, ainda hoje não sei o que procurava.
Consultava “Amor” e quase
que levava com uma resma de equações matemáticas, de tratados e almas mortas de
Gogol, e se é para ir para a fogueira, vamos então todos…
Também ainda não sei quem
são e quantos são; alguns,
Tal como parte do
manuscrito de “Almas Mortas” …
A minha mãe,
Fernando… marca uma
consulta ao nosso filho, olha que ele não anda bem…
E claro que sim,
E depois de milhares de
cartas escritas pelo Senhor Fernando António Nogueira para a sua grande amada,
A doce Ophelinha…
Não interessa…, deixei de
receber cartas.
Quanto a mim, prefiro o Senhor
Álvaro de Campos…, a tabacaria, a pequena dos chocolates, o Esteves…
Coitado do Esteves…, onde
andará ele!
Deu-me trabalho, mas
consegui convencer a minha mãe, que aquele calhamaço não era perigoso, e quase
era irmão gémeo da Bíblia que ela tinha em cima da mesa,
Olhou-me,
Franziu o sobrolho,
Apelidou-me de Francisco…
E eu,
Já estou fodido; vou
apanhar nos cornos.
A coisa passou, e eu
todas as noites à procura no “Tractatus Logico-Philophicus” de qualquer coisa…,
E sabes, meu amor,
O senhor Álvaro de Campos
tem algo de misterioso, não sei…
Tal como o que procurava
naquele livro,
Nada.
Os anos passaram, ele
acompanhou-me quase sempre, até quando fiz o serviço militar na Calçada da
Ajuda,
Que de ajuda,
Nada,
Como aquilo que eu
procurava.
Talvez procurasse um
pássaro, talvez procurasse a insónia de uma pequena estrela de silêncio…,
E ainda não encontrei
neste “Tractatus Logico-Philophicus” nada sobre Alhetas, que o calor que entra
mais o calor gerado é igual ao calor que sai mais o calor acumulado…
E eu, meu amor,
De tanto calor…
Já nem sei se hoje é segunda-feira
ou se amanhã é quinta-feira…, no entanto, recordo todas as palavras do Senhor
Álvaro de Campos, e eu, de Tabacaria em Tabacaria, que deixei de comer
chocolates para não ganhar peso, lá está ele,
O Esteves,
Coitado do Esteves,
E, no entanto, pareço o
Esteves, à procura de um cigarro e que o vento me leve,
A minha mãe…
Estás bem, meu filho?
Já conversamos, quando eu
regressar da lua...
Desenhava um abraço no
meu rosto, e ficávamos horas a conversar sobre coisas; ela, que Deus era/é um
ser maravilhoso, que ia sempre proteger-me de tudo e de todos…, coisa assim e
coisa assado, e eu, eu perdia sempre porque não conseguia explicar o que
existia antes da grande explosão na teoria do Big Bang, dava-lhe um beijo, e ia
até à galáxia mais próxima.
Às vezes penso, e se tudo
isto não existir.
E formas apenas um
pedacinho de sono, em pequenos círculos…, na ponta de um elástico…, nas mãos de
Deus?
Enquanto isso, ele…
Consulta o “Tractatus
Logico-Philophicus” …
O Senhor Mário de Sá-Carneiro
dispara o revolver na sua própria cabeça,
Aos vinte e seis anos…
Apetecia-me pedir ao
Pacheco algumas das suas Pachecadas, e ir por aí…
Ir por aí a declamar os
poemas de AL Berto.
E sabes, mãe…!
Está tudo no “Tractatus
Logico-Philophicus”, de Ludwig Wittgenstein.
27/06/2023