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quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Biblioteca

 Oito paredes

Uma janela

Nove estantes

Prateleiras

E aproximadamente

Quinhentas mil palavras,

 

(dois compartimentos)

 

Juntamente com as palavras

Fotografias

Esquemas

Gráficos

E dedicatórias,

 

Dedicado a

Feliz Natal de 198…

“Feliz aniversário querido filho Francisco” ou outra merda qualquer

Mais “odeio-te”

Do “amo-te”

Alguns “nunca mais te quero ver”

Felicidades

Boa viagem até ao Sol

E claro

Pequenos poemas que vou escrevendo nos livros que leio

Datas

Números

Alguns rabiscos,

 

Quarenta cachimbos

Relógios

Canetas de tinta permanente

Discos de vinil

CDs

Catálogos e tabelas e outras coisas e tal

Retractos

Abstractos quadros

E muito lixo,

 

Manuscritos dos anos oitenta.

(mais de mil textos e poemas)

 

Quando me sento na secretária

Puxo um cigarro

Engano-o

Acendo-o

E fumo-o

Olho para a janela

O que vejo

Esqueletos

Esqueletos

Muitos esqueletos

Dos que amei

Dos amigos

Digamos que a janela da minha biblioteca

A minha biblioteca

É um cemitério de ossos

Éum pequeno estendal de retractos

A preto e branco

A cores

E ainda outros

Nem são a preto e branco

Mas também não são a cores

Direi que são retractos de ninguém

Anónimos

Anónimas

Pequenos corpos de luz,

 

O que tenho mais eu

Eu

Que vos possa oferecer,

 

Digamos que nada mais.

 

A minha fortuna maior

São caracteres

Milhares de caracteres

Esquemas

Gráficos

Retractos

Cachimbos

Os relógios

Os abstractos quadros

Desenhos

Discos de vinil

CDs,

 

(e muitos livros com muitas equações)

 

E claro

O cemitério de ossos que tenho na janela.

 

E enquanto fumo o cigarro

Questiono-me

(para que serve toda esta merda?)

E se todas as noites me sentasse à lareira

E aos poucos

Fosse semeando na lareira todos estes caracteres

Todos estes cachimbos

As canetas de tinta permanente

E todo o resto

Talvez

Talvez ao fim de quinze dias esteja em paz

E liberto de todos estes pertences

Tralha

Merda

Muita merda,

 

O meu problema maior será como me desfazer do cemitério de ossos;

Parto os vidros da janela?

E será que após partir os vidros da janela

O cemitério de ossos desaparece,

Vai embora?

E se não for embora?

Fico sem janela

E com o cemitério de ossos?

 

O cigarro acaba de desmaiar

Provavelmente

Tensão alta

Ou açúcar no sangue

Fricciono-lhe o rosto

Começa a abrir os olhinhos…

E temos novamente cigarro para mais alguns minutos,

 

Poiso os olhos na prateleira onde dormem

AL Berto

Pacheco

O Lobo Antunes

Cesariny

O Cruzeiro Seixas

E penso

E debato-me

O que fazei quando tudo arde (António Lobo Antunes)

O que fazer com todas nestas cinzas?

Com toda esta merda?

Sim

Merda

Sim

Cinzas

Porque toda a minha vida

Foram cinzas

Noites em claro,

 

Saía ao principio da noite

E regressava de madrugada com um saco repleto de palavras

Depois

Durante o dia

Colocava-as sobre uma folha branca

Agitava um pouco

E passadas algumas horas

Tinha poemas

Tinha textos

Tinha desenhos

E às vezes descuidava-me

E tinha uma grande porcaria

Ficava tudo chamuscado.

 

(nunca fui bom cozinheiro)

 

Tinha o silêncio

Tinha o mar

Tinha barcos

Tinha nada

Tinha rios

Socalcos

Enxadas

Tinha tudo

Tudo

Tudo muito arrumadinho,

 

Agora não sei o que fazer a toda esta porcaria

Não sei se queime tudo

Não sei se dê

Não sei…

 

(a minha preocupação é com a janela)

 

Que farei com todos estes ossos?

 

Dinheiro não será certamente

Porque ninguém compra ossos…

E se comprassem ossos

Já tinha vendido os meus

Não preciso deles.

 

E voltando

Às oito paredes

Uma janela

Nove estantes

Prateleiras

E aproximadamente

Quinhentas mil palavras,

 

(dois compartimentos)

 

E questiono-me se não seria mais feliz

Se eu não tivesse nada disso

Se eu nunca tivesse olhado o mar

Olhado o céu

A lua

O luar

O capim

As chuvas

A geada

Ter nascido às sete e trinta da manhã

Saber o que é um machimbombo

Ter nascido a um Domingo

Tudo isso

Em Janeiro

E o outro

Aquilo

Daquilo

E um dia

Qualquer dia,

 

Nada.

 

Apenas mais um dia.

Mais nada.

De nada.

 

 

 

 

 

 

Alijó, 15/12/2022

Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Alegria

(desenho de Francisco Luís Fontinha)


Hoje há festa
nas paredes da minha biblioteca oiço baixinho os sorrisos invisíveis da alegria
pela primeira vez ouvi o metro do Porto como se fosse uma orquestra
... imaginava-o uma lagarta
feia
triste...
e hoje
tão belo
e hoje
tinha poesia
e canções
e... e alegria.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 2015


sábado, 30 de novembro de 2013

O amor das pedras cinzentas...

foto de: A&M ART and Photos

Ofereceu a bala inseminada com as impressões digitais do poema em construção, poisou os cotovelos sobre a iluminada folha de papel com meia dúzia de palavras, leu e releu e puxou o gatilho da caneta de tinta permanente sobre a secretária em pinho, voaram sobre a biblioteca todas as gaivotas de porcelana que permaneciam entre os livros e outras bugigangas, aos poucos, como silêncios de um pêndulo cansado, foram cessando as agonias do homem poeta da caneta de prata, uma bala silenciada adormecia-se como flores numa jarra, dentro dele apenas se ouviam as esquina de luz do espelho prateado,
A saudade submergiu do corpo caído sobre a secretária, ouvias as minhas preces como quem escreve um livro infinito, uma estória que só termina quando duas rectas tristes e sós se encontram
No infinito,
Dizem-me, eles,
A saudade é filha da balda da caneta de prata, as palavras morreram como morreram os teus sorrisos e como morreram as tuas caricias e como morreram as tuas mãos sobre o meu peito em feitiço... e como morreram
Quem quem morreu?
Como morreram os fantasmas dos roseirais de Luanda, e há uma filme escondido nas paredes de um casebre, na parede traseira uma placa com a inscrição de “FIM” aparece
Desaparece
E morreram os teus lábios nos meus lábios quando entrelaçados nos meus cabelos as lições de piano, o som melódico das teclas borbulham nos alicerces da madrugada, ofereceu a bala e suicidou-se com a caneta de prata
Sentia o cheiro intenso da tinta derramada nas alvenarias como desenhos abstractos que os teus olhos inventaram nas prateleiras velhas, nas prateleiras caducas, morreram os teu seios nos meus lábios, morreram as tuas cintilantes pálpebras nos cadeados de estanho, e ouvia-te das lágrimas os aplausos nas cantigas dos rabugentos e enferrujados barcos,
O aço é um corpo só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim
Quem quem morreu?
A bala, procuravam em mim a caneta de prata o suicídio fictício das palavras,
Quem quem morreu?
A bala, procuravam em mim as sombras desnorteadas das tardes de Segunda-feira, e eu, eu sabia-o, admitia-o... que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu silêncio, um dia, tu, eu, que um dia, tu, a bala e a caneta de prata... invadiriam o meu sofrimento de lírio apaixonado, deitado sobre a secretária da
Saudade?
Que morreram as tuas peugadas absorvidas pelo meu pesadíssimo corpo em aço, só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim
Quem quem morreu?
A saudade,
(só, velho, flácido... o aço vive cambaleando suaves beijos em desleais palavras em mendigas sílabas de verdes olhos procurando a noite reconstruída e morreram os teus dedos que procuravam em mim)
Quem quem morreu?
Quem quem morreu?
O amor das pedras cinzentas...
FIM.


(não revisto – ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sábado, 30 de Novembro de 2013

domingo, 1 de setembro de 2013

A chuva não existe

foto de: A&M ART and Photos

Se chove, não a sinto, se chove, se chove... que fará a chuva a um corpo nu, despido, vagueando entre dedos, vagueando entre fotões, electrões, se chove... não a sinto mas oiço-a na minha pele como pequenos pontos de luz, como... como a lua procurando as tuas mãos sabendo ela, que as tuas mãos são um pêndulo, suspensas por um longo fio de nylon e suspenso no tecto da paixão,
Um corpo em repouso, estaticamente só, um corpo longínquo e transformado em ponto de luz, mergulha, e dorme, e alimenta-se das lâminas transparentes dos apitos marinheiros com vista para o mar... um corpo só, suspenso no pêndulo da noite, adormece, sonha, vive, esquece... e saltita como marés cinzentas depois dos velhos suspiros em peixes voando sobre a cidade, este corpo, este pequeno ponto de luz... ele mesmo, a própria cidade, a cidade mergulhada nas camisas madrugadas ornamentadas de pequenas dentadas, e em dentes de marfim, o teu corpo aparece transvasado dentro das minhas tristes mãos, como um vagabundo silencioso perdidamente esquecido nos bolos de chocolate e das fatias laminadas que sobejavam da luz vizinha em arbustos envenenado pela solidão dos finais e tarde, um corpo, o teu, um pequeno ponto de luz, procurando, procurando verdadeiramente o movimento circular uniformemente acelerado, serve-te, este?
Não sou eu que procuro a luz dos teus olhos, mas ela persegue-me, embrulha-se nos meus braços, e não me deixa escrever, às vezes, sinto-a longínqua em redor do meu pescoço, quase não respiro, quase não vivo, e mesmo assim, o teu corpo, minúsculo, o teu corpo transparente das tardes de Setembro... voa, e navega como uma caravela nos lençóis de espuma que o desejo abandona depois de acariciá-lo, depois de...
Não percebi!
Se chove, não a sinto, se chove, se chove... que fará a chuva a um corpo nu, despido, vagueando entre dedos, vagueando entre fotões, electrões, se chove... não a sinto mas oiço-a na minha pele como pequenos pontos de luz, como... imagino-a sobre o piano, imagino-a enrolada ao cortinado carmim da janela da biblioteca, entre mortas personagens e vivas paixões de areia, o mar, nua, sinto-a como a se fosse filha da chuva e mergulhada nas sandálias da manhã por acabar, sinto-a vaguear nas sílabas do meu corpo, e depois
Não percebi, não percebo porque chove em ti,
Depois, qualquer coisa de estranho na tua voz, um simples e medíocre círculo com olhos verdes, e escrevi-o sem saber porque o fiz, ou se vivesse eternamente, acreditava na morte dele depois de o escrever, e não percebi e não percebo que ainda vive em mim e só morrerá quando eu morrer, quando as minhas mãos deixarem de escrever e o espelho
Não percebi...
E o espelho vestido de grená espera-me


(não revisto – Ficção)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 1 de Setembro de 2013

P.S.

Deixei de ser eu quando a chuva me roubou os sonhos de papel que e guardava religiosamente no meu peito, deixei de ser eu, e mesmo assim, corria devagar para adormecer nos teus braços de aço, âncora mórbida, só, sentada no Cais das Colunas, só como as nuvens quando desciam as escadas dos velhos e rabugentos guindastes e entravam no teu sorriso, embebias-te em algodão e açúcar refinado, e tão finas que eram as noites em ti que deixei de existir, deixei de ser
Eu?
Tu?
Deixamos de viver, de comer, deixamos de correr em volta de um círculo com olhos verdes, ele, vive, ele pertence ao livro ainda não terminado, vive, come, vive e oiço-o diversas vezes nas ranhuras clandestinas dos veleiros invisíveis,
E ainda há quem diga
“A chuva não existe”,
E ainda há quem diga que o teu corpo é de espuma e que os teus olhos são...
Pequenos pontos de luz?
Electrões, fotões, positrões, neutrões, partículas de Deus... e afins, limitada, com sede na rua dos desgostos, número vinte, Lisboa,
E ainda há quem diga que o teu corpo é como a espuma, e desaparece todas as sextas-feiras à meia-noite, rés-do-chão, direito.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

solidão nocturna

foto de: A&M ART and Photos

canso-me das palavras que não posso gritar
aquelas palavras que ficam guardadas
aprisionadas dentro do espelho que alimenta o teu olhar
canso-me dos livros que leio e li
e daqueles que dormem sobre mim invisivelmente
sós...
e é tão triste ser um livro
que ninguém acaricia
e lê e só...
deitado sobre a prateleira número quatro
ao lado da solidão nocturna
das personagens envenenadas que se suicidam depois de terminar a estória...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 23 de Agosto de 2013

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A saliva do amor

A alma encontrou
trabalho
finalmente

nas muralhas curvas do sexo
a saliva do amor
misturada na noite de flor queimada
em papelinhos de néon

a rua entupida de chulos
e beatas tontas e ratazanas voadoras e espantalhos barrigudos
comedores de palha seca e erva doirada
da lezíria
a erva levemente enfeitada
alimentando a beleza das mamas da tia Margarida
“que deus a tenha em descanso debaixo das tábuas da insónia”
nas curvas sinuosas do sexo

A alma encontrou
trabalho
finalmente

(não é sexta-feira e já estou teso)
nas muralhas curvas do sexo
ressequidos pelas valetas dos vapores de iodo
e do prato de enxofre que não se cansa de arder
enquanto a noite dentro da estrada sinuosa da vida
distrai-se abrindo e fechando janelas de brincar
finalmente
finalmente encontrei trabalho
numa montra da rua do Alecrim
um balcão de chocolate
com mesas de algodão doce
eu vi
eu via a noite travestida de lua cheia

saltar para o interior
de um buraco inoxidável
filho da cidade dos desejos
de danças e telegramas e palavras de mandioca
e oiço a voz da morte
à lareira da poesia com pequenos goles de incenso

deixei de ouvir-te
obedecer aos teus caprichos e imposições
deixei de de ser eu
e fui
e transfigurei-me num edifício em ruínas
livremente entre o ácido e o aço
e quatro paredes de vidro
sem fotografias
sem literatura
de água docemente uiva de dor
sem braços sem pernas
sem cabeça

o espelho da fechadura
recorda-se da morte quando beija as agulhas sibiladas do silêncio
os cigarros deixaram de passear na biblioteca
e vou alimentando de palavras embebidas em vodka os meus pulmões de cetim
adormecidos à beira-mar
um passeio entre duas páginas
e o poema malcriado fica de castigo
“cabeça para baixo e as rimas estão proibidas de irem à janela”

e curiosamente
hoje mergulhei nos rochedos
quando ouvi as doze badaladas insípidas
das marés envenenadas pelas facas de vidro

(A alma encontrou
trabalho
finalmente).