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quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

 

Ter fé (acreditar muito) que algo estranho, invisível e externo me vai ajudar na luta para me curar de uma doença muito grave, é igual a ter um automóvel (sem bateria) e eu tentar pô-lo a trabalhar.

É claro que é impossível pôr um automóvel a trabalhar sem bateria (estando este por exemplo dentro da garagem num plano horizontal e imobilizado).

Por muita fé que eu tenha, o automóvel nunca irá trabalhar.

 

 

Francisco

11/01/2023

domingo, 19 de junho de 2022

Das pequenas árvores do sono

 

Assim que acordávamos, ouvíamos o sono que regressava da tempestade deixada ao abandono durante a noite; o cabelo tinha-se-lhe esvoaçado, como as árvores quando se despem para dormir.

O sono levava-a e trazia-lhe o desconsolo de viver acorrentada a uma sombra que alguém tinha trazido da longínqua Angola, na algibeira do avental, algumas palavras despregadas do uivo dos mabecos envenenados pelos sonhos de uma madrugada recheada de pequeníssimos papeis onde habitavam frases de revolta e agonia.

Ouviam-se os pássaros nas ardósias manhãs de Verão, junto ao mar, ou mais longe do que isso, os barcos de cartolina regressavam de mais uma viagem ao infinito; as equações do sono também, por vezes, se faziam acompanhar pela solidão do capim onde se escondiam algumas gaivotas que procuravam as cinzas da tarde. Sabia que um dia, também o seu próprio cabelo, seria a madrugada travestida de sono, que muito mais tarde, se suicidaria junto à baía. Tínhamos medo da noite. Tínhamos medo do sofrimento que depois da tarde se despedia do silêncio que a cada segundo que passava, que a cada minuto de sofrimento, aparecia à janela do cansaço.

Sabíamos que os cabelos eram apenas pequenas sombras que todos os dias iam ao rio em busca da primeira lágrima da manhã. Um dia, junto ao mar, cresceu uma pequeníssima lâmina de sangue, uma ferida que ainda hoje sangra, que ainda hoje dorme numa cadeira que ainda hoje inventa sorrisos no espelho da sanzala.

Assim que acordávamos, ouvíamos o sono que regressava da tempestade deixada ao abandono durante a noite, todos os barcos tinham no olhar um enorme sofrimento que aos poucos dava à costa e contra os rochedos se transformavam em tiras de sono. O corpo começava a desfalecer. O corpo começava em putrefacção e o intenso cheiro a gladíolos era tal que quase adivinhava-se o silêncio que hoje pertence aos grandes petroleiros da cidade.

A cidade envelhecia. O corpo, sangrando como uma velha fonte da aldeia, tinha nas mãos as cinzas dos ossos desfigurados pelos comestíveis cogumelos que só os poemas conseguiam construir no profundo mar das marés em delírio; o corpo sangrava porque existia sobre a pele a fragância laminada de uma tempestade perfeita, depois, eram as cadeiras da cozinha em pequenos gritos que apenas eram sentidos pelos velhos azulejos que numa qualquer sexta-feira alguém deixou ficar debaixo da árvore junto à porta.

Do cabelo, alguns silêncios despertavam. A tinta que às vezes escorria no seu rosto era o principal motivo de se esconder no quarto e desligar o interruptor do sonho que trazia junto ao peito. Todos os brancos cabelos que ela tinha um dia tinha prometido ao criador, hoje eram apenas vestígios de lágrimas e silêncios.

Sabia-se que a morte tinha descido à velha cidade.

Os cabelos brancos tinham, finalmente, encontrado a liberdade.

E do cabelo, alguns silêncios despertavam…

 

 

Alijó, 19/06/2022

Francisco Luís Fontinha

sábado, 24 de julho de 2021

O pássaro que não sabia voar

 

Das asas pigmentadas de silêncio, ouviam-se os uivos apitos que voavam sobre os socalcos pincelados de sombras e sonoras alegrias, que de vez em quando, ao longe, de um barco, às vezes assombrado, alicerçava a tristeza da partida,

Começa o dia na mão dele, de entre os dedos carrancudos, o cigarro avermelhava-se entre cinzas e lágrimas, chamavam-lhe; a saudade.

Partiu sem dizer adeus, nem um beijo, nenhum amigo presente na fala da sua sombra, quando se adivinhava que a morte é apenas uma viagem até ao infinito, de voos baixos, de ziguezague em ziguezague, de socalco a socalco, uma mísera nuvem de espuma brincava na sua mão,

Tinha medo,

Às vezes travestia-se de homem, outras, nem muitas, aparecia nas estantes amorfas dos livros de poesia,

O poema morrer e, ele nem sempre sabia o que significava a morte.

A morte é uma merda, dizia-lhe o pai pássaro, outro, o espantalho, costumava escrever nas rochas do Douro, sabes, meu filho, o cancro é uma merda,

A viagem, o vento levava-o pelas sanzalas da infância, num orgulho que só ele sabia descrever, sentava-se junto ao mar, puxava de um cigarro reutilizado do dia anterior e, em pequenos silêncios segredava ao pássaro alegria; sabes? Sou a criança mais feliz de Luanda.

Todos tínhamos nas mãos o cansaço das equações, das ínfimas matrizes que sobre o caderno adormeciam como crianças pintadas na tela da Mutamba,

Às vezes dá-me sono as palavras tuas,

Nunca soube voar.

Vestia uns calções, sentava-se nas sandálias de couro e, começava a correr até ao Mussulo, desagregado da saliva entre apitos e rumores; um dia vou regressar, um dia,

Nunca regressei.

Hoje, acordei abraçado à mangueira da minha infância, junto a mim, o triciclo da saudade e, mais além, as cartas que nunca tive coragem de te escrever, sabes, meu amor, as palavras parecem-me falsas alegrias, arrotos anónimos nas mãos do carrasco.

As espingardas vomitavam sílabas de azoto, o soldado-menino, escondia-se debaixo do embondeiro mais velho da planície, algures, outro menino-soldado, deslaço devido à preguiça, rebolava-se ribanceira abaixo, até que alguém lhe dizia; oh menino, a espingarda? E, ele, timidamente, respondia,

Fugiu, meu senhor, fugiu como uma bala em direcção ao nada.

Nunca soube voar. Aprendi as primeiras letras e números debaixo de um zincado telho telhado, talvez hoje, seja apenas uma igreja imaginária, apenas sombra, apenas nada.

O poema voava na sua mão. Entre os dedos, desenhava-lhe os seios colocando-lhes pequenas aspas, ou inúmeras saliências, ou apenas nada.

Nada tudo dentro de uma louca equação de areia. O barco recheado de fumo, levante e de um outro adeus; amanhã saberei o seu nome.

Amanhã, meu amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24/07/2021

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Eu COVID – a obsessão

 

Ouvi hoje (11-11-2020) na TSF o grito de alerta da Sociedade Portuguesa de Oncologia. Lamentável. Milhares de cancros não estão a ser diagnosticados devido à obsessão por parte das autoridades com a COVID-19.

Não se fazem rastreios, tratam-se mal os doentes oncológicos, e afins.

Como filho de doentes oncológicos, mortos no espaço de quatro anos, também me apetece gritar. Conheço, infelizmente o drama destes doentes e suas famílias. Horrível, apenas isso.

A COVID-19 existe, mas é apenas mais um vírus que vamos ter de aprender, a partir de agora, a conviver com ele.

Não abandonem os doentes oncológicos.

 

 

Francisco Luís Fontinha

11/11/2020

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O cansaço


A fome de pensar.

O sorriso loucamente apaixonado pelo silêncio.

Os cigarros embriagados,

Loucos,

Descendo as escadas da doença.

A liberdade.

Quando se apaga a madrugada em ti.

Canso-me das palavras de escrever,

Dos sonhos,

E dos livros de morrer.

A insónia deitada na cadeira da preguiça.

As camufladas lâmpadas de néon suspensas nos teus seios de alumínio…

Quando lá fora, a tempestade de desejos, dorme nos meus braços.

A fome de correr.

Saltar.

Brincar…

Na tua boca de sofrer.

A fome de vencer.

O medo de morrer…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

29/11/2019

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Escadas da saudade


Subo vertiginosamente as escadas da saudade.

Pego na tua fotografia, recordas-me um sorriso de nylon.

Amanhã, vou partir para o infinito amanhecer.

Sem perceber,

Que dentro da saudade,

Habita o beijo.

Abraço-te no invisível tempo,

Como uma barcaça desnorteada junto ao cais.

Finjo.

Minto.

Escrevo-te, sabendo que nunca me vais ler…

Porque os esqueletos não lêem…

Nem choram.

Subo vertiginosamente as escadas da saudade.

Sento-me no teu colo,

Preciso dos teus mimos,

Preciso de tocar nas tuas mãos…

Enquanto seguras religiosamente o terço da esperança.

Não vou dormir,

Enquanto, lá fora, chove.

Tenho medo da chuva.

Tenho medo da claridade,

E só a noite,

Consegue alimentar estas tristes paredes de alvenaria…

Grito.

Ouves-me?

Não.

Não me ouves.

E eu oiço os teus gemidos esquecidos num quarto de hospital,

Oiço o cansaço da tua voz…

Que me dia;

Amo-te, meu querido.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

28/11/2019

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A saudade


Tenho saudades das tuas mãos poisadas no meu rosto,

Quando ao longe, um rio encurvado, dormia na sombra da montanha.

Tenho saudades do teu cabelo, como pingos de chuva, aos poucos, voando pelo jardim.

Tenho saudades do teu olhar, pela manhã, se impregnava no meu olhar.

Tenho saudades do teu sorriso,

E das flores do teu sorriso.

Tenho saudades da tua sombra,

Do teu perfume,

E das janelas coloridas que desenhavas no meu berço.

Tenho saudades do mar,

E dos barcos brincando no mar.

Tenho saudades de uma Luanda quando eu suspenso na tua mão…

Me recusava a caminhar.

Tenho saudades da escuridão,

Da noite,

E da tua canção.

Tenho saudades dos teus papagaios em papel, colorido, como o arco-íris.

Tenho saudades da claridade,

Dos rabiscos que eu fazia nas paredes da nossa casa,

E das mangueiras abraçadas a mim.

Tenho saudades dos aviões,

Dos gelados no Baleizão…

E de outras ocasiões.

Tenho saudades do circo,

Dos palhaços,

E dos trapezistas disfarçados de palhaços.

Tenho saudades, muitas, de ti, minha querida.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

21/11/2019

domingo, 15 de setembro de 2019

Os tristes pássaros da madrugada


Sabes, mãe?

Diz, meu querido filho…

Os pássaros, os pássaros querem levar-te!

A mim?

Porquê?

Não o sei, mãe…

Não o sei.

Lembras-te, quando construías papagaios em papel para brincarmos debaixo das mangueiras, em Luanda?

E tu deliravas…

Brincávamos às escondidas e tu escondias-te na sombra das bananeiras, ficavas invisível, como hoje, invisível para mim,

Cerras os olhos, pintas nas paredes da insónia o nome do teu querido filho, sempre à espera de regressar ao Mussulo, lembras-te, mãe?

Tão branca e fina a areia…

Olha,

Sim filhos!

As bananeiras estão crescidas, lindas como tu…

Sabes meu filho? Sim mãe!

Tenho saudades das brincadeiras que fazíamos quando tu menino,

O triciclo em madeira a chilrear quintal a fora, o pôr-do-sol junto ao mar, os barcos que tu tanto amavas, escrevias poemas nas âncoras da saudade, agora, agora pareces um esqueleto gritando em voz alta…

Vão embora pássaros!

Sim mãe, agora preocupo-me com estes malditos pássaros que te perseguem e te querem tirar de mim,

Mas mãe!

Sim, meu filho!

Nunca. Nunca vou deixar que os pássaros te levem.

 

 

 

Vila pouca de aguiar, 15 de Setembro de 2019

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 26 de março de 2019

Oiço-te


Oiço-te.

Penso nas tuas sílabas quando poisam nos meus lábios,

Oiço-te, a cada madrugada, a cada hora passada,

Quando eu deitado, na esplanada encerrada,

Descanso de pessoal,

E, no final do dia, as palavras embriagadas,

Quebram o teu silêncio,

Como uma fechadura,

Pobre,

Nua,

Oiço-te.

Na vanguarda da noite,

Carregado de cartazes,

Lutando contigo,

Lutando…

Até que um dia, novamente,

Perderemos a guerra,

Já o senti,

Já o vivi,

Mas hoje,

Hoje tenho o prazer de te ouvir.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

26/03/2019

quinta-feira, 14 de março de 2019

Eterno chão


Tem uma caneta na mão,

Desenha na sombra da tarde o cansaço da solidão,

Como na despedida,

Ouvindo a canção…

Que o silêncio alimenta,

E tece,

Sobre o chão.

Hoje, não me apetece,

Escrever,

Comer,

Ler.

E senta,

E deita-se na cama sem colchão.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/03/2019

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019


Da tarde emancipava-se a lunar luz do horizonte, tenho lágrimas nos olhos sombreados pela tempestade, como ontem, o limite entardecer que ofusca a madrugada, não sei se acordará em mim o feitiço do entardecer, está frio em ti, tens na mão o silêncio da noite, somos dois,

Perco-me em ti,

Somos dois pássaros revoltados com o orvalho, diariamente sentimos as frestas da sonâmbula rua adormecida, só e triste,

Perco-me em ti,

Triste nos horários invisíveis, a cidade acorda, submete-se ao abismo,

Tenho medo, mãe.

Perco-me em ti, meu amor, desde a infância até hoje, perco-me em ti todas as manhãs quando acordam as árvores do meu quintal, os pássaros, mãe, os pássaros choram por ti, e

perco-me...

E sei que não regressarás mais aos meus braços, e sei que deixarei de escrever nas tuas mãos as palavras adormecidas pela chuva gélida de Inverno, saberás que um dia vou navegar para longe, saberás que um dia serei duzentos e seis ossos em fino pó, como a terra que nos alimenta nas estrelas,

Perco-me.

Da tarde, uma gotícula de tristeza desce o teu invisível cabelo, saberei que amanhã não estás, saberei que amanhã as minhas mãos serão tábuas de silêncio suavemente suspensas no teu rosto,

Perco-me em ti, meu amor,

Sabes, mãe?

Trinta dias sem rumo a navegar nesta barcaça,

Tens medo, filho?

Trinta dias escrevendo nas ondas o teu nome, desenhando o vento nas nuvens dos teus lábios, e, um dia vamos acordar na longínqua Luanda, com palmeiras, com capim e mangueiras...

Tens medo, filho? Não, mãe, não tenho medo da tua sombra ao acordar.





Francisco Luís Fontinha

28/02/2019

sábado, 24 de novembro de 2018


Podia desenhar-te o Céu.

A vida é um suspiro, a casa vazia, triste e a tremer de frio…, o cansaço do amanhecer perdeu-se no teu olhar, respiras, sofres por mim, e não o queres demonstrar.

Sabes, tenho medo dos pássaros, que deixem de voar, que fiquem estonteantes, como eu, ao ver-te aí deitada, tenho medo da madrugada, porque amanhã não sei se vou ler nos teus olhos a palavra amo-te…

E é tão triste, e é tão belo, todo este silêncio que nos abraça.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 24 de Novembro de 2018

domingo, 9 de setembro de 2018

As palavras do amor


Das janelas não se viam as transeuntes folhas caducas,

A rua imunda, suja, recheada de sombras invisíveis,

E um corpo putrefacto mergulha na minha mão…

Que faço eu com ele?

Alimento-o,

Enterro-o…

Ou escrevo nele a minha raiva.

As espadas da saudade, cravadas no peito húmido do esqueleto de vidro,

As pedras perfurantes alicerçadas nos lábios do abismo,

Sinto-me tudo isto, ao adormecer…

Sem perceber as palavras do amor.

 

 

Francisco Luís Fontinha

09-09-2018

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Cansada palavra


Semeei o teu corpo numa jangada de vidro,

Vi partir o teu corpo em direcção ao mar,

Levavas os livros, levavas as memórias das noites perdidas,

E os sonhos vividos,

Semeei o teu corpo pensando que um dia adormecerias em mim…

E da tua partida,

Pela madrugada,

Algumas nuvens brincando na alvorada,

Palavras imensas, palavras dispersas em ti como um grito de alegria,

Hoje pertences às sombras do infinito,

Argamassadas no sombreado jardim de pedra,

E, no entanto, meia-hora depois, sentia o teu rosto na minha mão.

Ninguém apareceu à minha partida, fui só, apenas eu…

Como nas noites junto ao rio,

Perdidamente angustiado na solidão dos dias,

Escrevia no chão a revolta da doença,

Lançava lágrimas na escuridão,

Pobre, sem-abrigo, neste corredor de lume,

A lareira também ela, doente, infeliz e triste,

A cinza, o silêncio das fotografias, que poisavam no teu olhar.

As mãos trémulas, as mãos cansadas como pedras…

Fundeadas nos teus cabelos.

A noite, meu amor, a noite mergulhada na madrugada,

O metro entre curvas e pingos de luz, deixando a terra, caminhando para o horário nocturno das sanzalas de ninguém,

Em foco, as luzes que te incendeiam os lábios, em cada beijo,

Uma cansada palavra.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 4 de Fevereiro de 2018

domingo, 28 de janeiro de 2018

A dança da chuva


O resto a gente dá um jeito.

As cabras no monte,

O meu corpo submerso nas pedras coloridas da manhã,

Os sonhos, as palavras que dançam com os sonhos, na esperança de um novo amanhecer,

Amanhã a gente dá um jeito,

Qualquer coisa serve, apenas uma sílaba de luz,

As mãos trémulas quando o teu sorriso acorda,

Após quatro horas de sofrimento,

Tens o olhar límpido, clareado como a areia do Mussulo,

Os barcos dançando no teu finíssimo cabelo de espuma,

E zás, cais sobre mim.

O mar que se afunda em ti, mergulha nos teus ossos, e da noite regressa um lápis desajeitado, como eu, descubro o sonho, finjo arder no sofrimento, mas em ti, apenas em ti oiço o amanhecer,

A dança da chuva, as flores donzelas sobre o teu peito, e uma vela acesa pela tua alma…

Há coisas estranhas em ti,

Camélias,

Cravos,

Rosas…

E as velhas salinas brincam nos teus olhos.

Amanhã.

Quando se levantar em ti a alvorada.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28 de Janeiro de 2018

domingo, 21 de janeiro de 2018

Jangada de nylon


Os poemas morrem na tristeza do teu olhar.

Como sofre o dia nos teus ombros,

Enquanto lá fora, ainda noite, uma jangada de nylon gagueja em frente ao mar,

As lágrimas no teu rosto,

O silêncio das tuas mãos quando afagam o meu rosto…

Distante maré no meu corpo abalroado nas insignificantes janelas de vidro,

Os tentáculos de seda, todas as coisas impossíveis, nas tuas mãos,

Quando regressa a madrugada.

Choras.

Escreves nos meus braços as palavras invisíveis da tempestade,

Os barcos ancorados aos teus dedos…

E sofres.

E morres de mim.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 21 de Janeiro de 2018

domingo, 14 de janeiro de 2018

Cabeça de xisto


Lívido sacrifício das noites indomáveis,

Os livros da despedida esquecidos no espaço,

Viagem sem regresso,

Habito neste pobre musseque,

Que deambula pela madrugada do meu sono,

Os esqueletos teus no vidro meu,

Uma cabeça de xisto suspensa na alvorada,

E as dores que assolam o teu corpo, e as dores que dormem na tua cabeça…

Despedidas madrugadas sem dormir,

Pensando em ti,

Como uma jangada livremente sobre as nuvens…

Tenho em mim o sono da morte,

E o desejo do abismo,

Os cartazes escondidos no meu quarto,

Caras, rostos desfocados, simplesmente abandonados,

E deixo na tua mão o silêncio do rio,

Que entre montanhas,

Corre nas tuas veias…

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14 de Janeiro de 2018

domingo, 3 de dezembro de 2017

A saliva do desejo


Tens nas veias a saliva do desejo,

O cansaço disperso, quando a alvorada se despede de ti,

Os Oceanos infinitos entre quatro paredes de vidro,

O sangue das palavras embriagadas pela insónia,

Depois acordam as estrelas,

É dia,

Encostas-te a mim, dormes, sonhas, escreves no meu olhar as palavras proibidas,

É dia,

Pegas na minha mão, levas-me para os jardins longínquos da memória,

Ouvíamos música, líamos os limos da madrugada, na serpente, a maçã envenenada,

E outras coisas mais…

Vivíamos sonhando com livros em xisto, descendo os socalcos da miséria,

O poço da aldeia, a água límpida da manhã,

Que absorve toda a porcaria das tuas veias,

Está frio, ranges os dentes e entrelaças as mãos,

Desprega-se do teu cabelo, finíssimos pingos de geada,

Até que seja noite na nossa cidade,

Recordas-me as árvores no Outono, aos poucos despidas, sombrias…

Porque a noite é vadia, porque a noite traz recordações de outros tempos,

Relógios ensanguentados de saliva, do desejo, que alimentam as tuas veias.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 3 de Dezembro de 2017

sábado, 4 de novembro de 2017


Não sei o que te diga... A minha vida é um círculo em pequenas rotações, sem esperança, um cubo vazio, grená quando a escuridão invade o meu espaço. Não, não sei o que te diga... Porque as minhas palavras estão nas tuas veias.