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sexta-feira, 17 de abril de 2015

Esqueletos de luz


O arco e flecha encurralados na floresta

O arco-íris do teu olhar

Sem cor

Nu

No escuro tormento da dor

A raiva do xisto contra as mãos do velho

O chapéu dançando conforme ia crescendo a embriaguez

O dia

Esfumava-se entre os dedos

Nunca conheceu a alegria

Nem sabia

Da morte

Nas palavras

Pálpebras do engano

Não comia

E de vez em quando

Sentia

Na garganta

Os alicates do sono

Tinha medo do rio

E do seu nome

Dizia que as árvores eram toalhas em renda

Deitadas nas acácias do sonho

Habitava nas rochas

Nunca lhe conheci casa

Mulher

Ou…

Ou família

També não interessa

Lamentava-se

Enquanto tropeçava nos candeeiros

Semeados no centro do passeio

E perguntava-se…

Quem foi o filho da” puta” que mandou colocar os candeeiros no meio do passeio…?

Alguém mais embriagado do que ele

Alguém mais parvalhão do que eu

Porque eu e ele

Somos um

A minha imagem projectada na parede

Éramos dois

Combóis de silêncio

Descendo a Ajuda

(O arco e flecha encurralados na floresta

O arco-íris do teu olhar

Sem cor

Nu)

E eu

Dois esqueletos na parede…

Não há cigarros hoje

E amanhã…

Dois

Um

Dois

Descíamos

E subíamos

As escadas do desejo

A espingarda disparava canetas de tinta permanente

O caderno preto

Gemendo no crivo da madrugada

Não sabia que as pedras choravam

Quando eu acordava

Desalmado

Embalsamado

E enforcado no peitoril enlouquecido

Ela gritava-me do limiar da pobreza

Não

Não…

Hoje não

Terminava o dia

E o tédio

Regressava

Sem bagagem…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

Sexta-feira, 17 de Abril de 2015

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

seara negra

foto de: A&M ART and Photos

serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade
de pêndulo suspenso na alvorada
dá-lhe corda
fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...
há um leve apito de um novo marinheiro
o cachimbo geosmina como serpentinas voando sobre os candeeiros da saudade
o velho relojoeiro engata uma nova carvoeira
decidem os dois romperem os lençóis do desejo quando os segundos ficam suspensos nas ardósias tardes de literatura
há uma cama estonteante com tonturas e pequenos enjoos...
coisa de loucos

drogas dizem logo os transeuntes da rua dos abismos...
cansaço... sussurra o Psiquiatra Manel...

o homem do homem esconde-se nas ventosas térreas das searas negras
o velho relojoeiro dá a sua mão milagrosa à menina acabada de engatar
ouvem-se as sílabas castanhas borbulhando sobre uma prata de alumínio
chovem as lágrimas da menina engatada
se é a carvoeira ou a mendiga empregada da livraria... eu não o sei...
o homem chove
desculpem... os homens não chovem
choram
não choram
se fodem ou não fodem...
o silêncio sabe-o como sabe o cinzento eléctrico das noites que ejaculam migalhas de pão
sobre uma mesa... uma mesa sem vaidade

uma mesa sem...
sentido
pratos
húmidas abstractas colectâneas
toalhas bordadas...
comida pouca
serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade?

uma mesa vestida de eléctrico palmilhando medos
voando sobre a cidade das searas negras
parte de Cais do Sodré e adormece sobre a lápide encarnada do cemitério da Ajuda
não...
não AJUDA nada
pertenceres aos mosquitos de prata que brincam nos relógios de cacimbo
procurando a menina engatada pelo velho relojoeiro
carvoeiro... ejaculam
toalhas bordadas...
comida pouca
serei o velho relojoeiro com olhos de carvoeiro
aquele que deambula pela cidade?

- que horas tens meu querido?

uma mesa sem...
sentido
pratos
húmidas abstractas colectâneas
toalhas bordadas...

… fá-lo correr quando se ouve a maré dos silvados xistosos nas encostas íngremes do Douro...


(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 28 de Novembro de 2013

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Os sonhos invisíveis das praias do abismo

foto: A&M ART and Photos

Acreditava que eras uma pedra polida vagueando entre silêncios e montanhas de desejo
descias as escadas em caracol até adormeceres sobre os lençóis de mar
onde se escondiam braços de amor e beijos desalojados
começavam as chuvas frias que encobriam a tua pele castanha
como cerejas dentro de uma boião perdido no centro de uma cidade,

Amavas-me loucamente como se amam as gaivotas e os ventos de Nortada
ouvíamos as luzes dos guindastes de aço a romperem os verdejantes jardins da Ajuda
e dormíamos enrolados na neblina do amanhecer
e ninguém nos Ajudava...
havíamos descoberto as pedras da calçada como se fossem cobertores cinzentos...

Havíamos descoberto os sonhos invisíveis das praias do abismo
como se fossem cigarros de brincar
em dedos fictícios alimentados por laços de papel...
havíamos... acreditava que eras a noite quando voavas sobre as velas de linho
dos veleiros em madeira e cansados sobre a mesa da sala...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Camas de solidão em almofadas de listras

foto: A&M ART and Photos

Viajo entre curvas ínfimas que me transportam às sílabas papel dos lábios jardins camuflados dentro da cidade, tenho ruas só minhas, casas desabitadas, onde, só, adormeço, passos algumas horas, porque tenho a poder de transformar horas em dias, recheios de apartamentos sujeitos a vandalismos proliferam escadas abaixo, e entre mim e o corrimão, penso-o, possivelmente nem uma mosca, daquelas esqueléticas, conseguem colocar-se a meu lado, subo só, e desço descalço, como se não existissem espelhos e cobertores, apenas uma rampa inclinada, voando eu, até encontrar a porta do prédio ao lado, uma velha pastelaria, moscas, estas não esqueléticas, coabitam com os croissants e os restantes bolos, lâminas de barbear, pilhas, jornais e revistas, mulheres nuas dentro de papel que acabará numa casa de banho pública, peço um café curto, e sobre a mesa onde esqueço os cotovelos, vejo uma chávena quase a abarrotar de café, procuro na algibeira sessenta cêntimos de euros e despeço até sempre desta horrível pastelaria perdida numa avenida incógnita, como as pedras da Ajuda, caminhadas com milhões de pés, às vezes, com o vento, tombávamos no chão, havia desníveis, ora subia, ora descia, e claro, o chão sempre foi a nossa melhor cama, depois do sono, acordavam os enjoos, o fígado inchado, a dor no estômago, e
Tonturas,
E os cigarros esquecidos na prateleira junto ao uísque e a migalhas de haxixe que de um caixote em chapa, de nome armário, ficavam o santo dia acorrentados, até que vinha a noite, abríamos a porta, e seguíamos viagem pelas ruas mais escuras que habitavam junto ao rio, corríamos, corríamos... e quando nos sentávamos nas margens do rio, apenas sós, cruzávamos as pernas, eu, os cigarros e as migalhas de haxixe, e
Tonturas, pernas torneadas por um verdadeiro artista plástico, bela, o corpo parecia um Stradivarius, e o som, o som escorria um líquido a que os humanos chamam de suor, pequenas gotinhas com sabor a incenso, ou a doçura, ou... a música,
E uma almofada amarela com bolinhas encarnadas, brancas ou negras, mergulhava nos lençóis desejo da noite, listras, brancas, intercaladas com o silêncio do capim, e nas paredes do sono, quadros, pinturas abstractas com mãos de alicerce, uma ponte despedia-se do rio, e no rés-do-chão da rua onde dormíamos quando fingíamos desgostos e dores de cabeça, havia sempre uma mosca, esquelética, não esquelética, e que às vezes era tão amorosa que dormíamos os três juntos...
(os cigarros, o sono, as migalhas de haxixe, duas moscas, uma esquelética e outra não esquelética, e claro, eu)
… amarrados à almofada, com o medo de perdermos as listras brancas, porque as negras não corriam esse risco, visto ser noite, e o negro dilui-se na escuridão, como os beijos de duas pessoas que se desejam,
Um homem e uma mulher, dois homens ou duas mulheres, porque o importante é não perdermos as moscas, as esqueléticas e não esqueléticas, os cigarros, as migalhas de haxixe, as mãos quando se entranham nas tuas coxas, e sempre, o todo, o inesquecível abraço, os sexos imprimidos nos espelhos das janelas, e feliz Stradivarius voando sobre dois corpos nus sobre lençóis invisíveis, e almofadas com listras, coitadas, acorrentadas à solidão...
E esqueci-me do uísque.

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Os gemidos da Marilú

Cansei-me de ser enrabado e nem um Ai me é permitido prenunciar, e que saudades da Marilú que das águas furtadas da Ajuda escrevia orgasmos no sorriso de petroleiros e cacilheiros e ainda tinha tempo de poisar a mão sobre os carris em direção a cascais,
- É para hoje oh Filho?
Cansado de ser enrabado e nem sequer um pequenino Ai de prazer posso prenunciar, não posso porque ainda aparece alguém a apelidar-me de Piegas, Lamechas ou de Coitadinho, e coitadinho nunca fui, e de Piegas só conheço os gemidos da Marilú dançando nas águas furtadas
- E claro que é para hoje Porque se não fosse para hoje não estava aqui,
Sobre a mesa-de-cabeceira, e do espelho, e do espelho as palavras que no final do dia, mesmo entre o fim de tarde e princípio da noite, começavam a acordar nas minhas mãos enquanto em Cais de Sodré um homem triste e cansado e desiludido, Piegas não, e desiludido segurava uma garrafa de vodka e pegava nas palavras, e pegava nas palavras como se fossem grãos de pólen, Coca? Qual Coca sua parvalhona, Pólen simplesmente Pólen, e em silêncios de nada semeava-as nos lábios dela,
- Da garrafa de Vodka?
Quem falou em garrafa de vodka? Uma pessoa descuida-se um pouco e vocês logo em parvoíces, só bastou cruzar os dedos, só bastou olhar para a janela porque o mar estava a chamar-me, e pimba, Piegas,
- Há cada Canhão!!!! Uma garrafa de vodka com lábios… e já agora os orgasmos da Marilú tinham asas, e já agora vou ter de emigrar, e já agora
Engraçado, se não tivessem asas como chegavam aos petroleiros, se não tivessem asas como chegavam aos cacilheiros, e se não tivessem asas como poisavam os orgasmo a mão nos carris para cascais,
Claro que tinham asas, e já agora que estamos a falar de asas, sabes uma Coisa? Não não sei, O que é ser Piegas?
- Não sei Mas deve ser alguém muito importante, Porque se não fosse importante não falavam nele,
Nele ou nela?
Pólen simplesmente Pólen, e em silêncios de nada semeava-as nos lábios dela,
- Da garrafa de Vodka?
Cansei-me de ser enrabado e nem um Ai me é permitido prenunciar, alguém a apelidar-me de Piegas, Lamechas ou de Coitadinho, e coitadinho nunca fui, e de Piegas só conheço os gemidos da Marilú dançando nas águas furtadas, e dançava e dançava e dançava…

(texto de ficção)

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Cacilheiros e gaivotas com cio

Olho a cidade
Enfeitada de mendigos e miseráveis
E vejo-me sentado junto ao rio
A contar cacilheiros e gaivotas com cio

Também eu mendigo
Sem cio
Miserável diplomado
Escondido nos jardins de Belém

Subo a calçada e desapareço entre os paralelepípedos da miséria
E de um livro do António (Lobo Antunes)
As recordações de Luanda entram-me pela janela da infância
E apalmo as mangueiras e apalpo o mar

E as minhas pernas fraquejam dentro da cidade
E os meus braços enfeitados de mendigos e miseráveis…
Desce a noite sobre a Ajuda
E um mangala sorri aos orgasmos das árvores

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

A carta de Amor

Há coisas que nunca devem ser feitas na vida,
Não me refiro à noite em que me passei da cabeça e queimei a grande parte dos meus desenhos e textos e poemas numa lareira do Bairro do Hospital quando tinha vinte e poucos anos e mais tarde percebi que Nikolai Gógol tinha feito o mesmo com “Almas mortas”,
Mas refiro-me a uma carta de amor E já sinto nas vossas cabecinhas a pergunta pertinente Porquê uma carta de amor?,
Porque numa noite de copos na Ajuda onde seis marialvas bebiam e comiam, incluindo eu, um dos presentes, bom rapaz e muito honesto e muito simples e coitado… que carregava nos ombros uma história de abandono por parte da mãe e um pai todos os dias embriagado com uma ninhada de irmãos, e de instrução quase nenhuma porque abandonou a primária nos primeiros anos para ganhar para a casa
- Porquê uma carta de amor?,
Para ganhar para a casa as letras para ele pareciam os carris da linha férrea Pinhão-Régua em assobios dentro dos socalcos do Douro, e com ele guardava religiosamente uma carta da namorada que tinha chegado nessa tarde, e pensava ele que dos cinco eu era o que tinha mais juízo, e juro que quando me olhava ao espelho acreditava ser um menino de igreja que depois da solene deixou de frequentar, não incluindo as faltas à catequese da Benigna, mas adiante, pede-me
- Podes ler-me esta carta se fazes favor E eu cá para mim Já te lixaste,
Pede-me e já a carta poisava nos seios da minha mão, começo silenciosamente a despi-la e aos poucos pela janela do envelope começam a acordar corações desenhados a marcador encarnado e a palavra Amo-te a todo o comprimento do lençol e milhões de beijos,
- Na Ajuda onde seis marialvas bebiam e comiam,
E amor eterno até que a morte Até que a morte nos separe,
- Então Fontinha o que diz?,
Respondo-lhe que era melhor ele não saber, Porque eu precisava de tempo para inventar uma estória, e fazendo o papel de leitor de uma carta de amor disse-lhe os maiores disparates incluindo o fim do namoro e ao cair do pano um par de cornos, e claro que nada daquilo existia na carta, mas ele acreditou,
- Não chores pá Gajas há muitas Dizia-lhe um dos marialvas,
E chorava e chorava e chorava,
E foi muito difícil convencê-lo que tudo não passava de uma brincadeira de cinco gajos que bebiam e comiam… e estavam fartos das noites da Ajuda,
- Então Fontinha o que diz?,
Que há coisas que nunca devem ser feitas na vida, uma delas, gozar com os sentimentos dos outros…


Francisco Luís Fontinha